SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 issue36Rehabilitate in psychiatry, Does it burn nursing staff out?Qualitative Research in nursing in Colombia (1990-2010) author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

My SciELO

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.13 n.36 Murcia Oct. 2014

 

ADMINISTRACIÓN-GESTIÓN-CALIDAD

 

Compreensão da equipe de enfermagem sobre a morte encefálica e a doação de órgãos

Conocimiento del equipo de enfermería sobre la muerte encefálica y la donación de órganos

Comprehension the nursing team on brain death and organ donation

 

 

Freire, Izaura Luzia Silvério*; Oliveira de Mendonça, Ana Elza**; Bessa de Freitas, Marcelo***; Melo, Gabriela de Sousa Martins****; Costa, Isabelle Katherinne Fernandes***** e Torres, Gilson de Vasconcelos******

*Professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. Email: izaurafreire@hotmail.com
**Enfermeira intensivista da UTI geral do Hospital Universitário Onofre Lopes /UFRN. Doutoranda em Ciências da Saúde /UFRN.
***Enfermeiro da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte. Especialista em Terapia Intensiva e Educação.
****Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
*****Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto 1 da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
******Pós-doutor em Enfermagem. Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Brasil.

 

 


RESUMO

Objetivo: Identificar a compreensão da equipe de enfermagem acerca da morte encefálica (ME) e da doação de órgãos e tecidos.
Método: Estudo descritivo, quantitativo realizado em seis hospitais de Natal/RN com 68 profissionais de enfermagem. Os dados foram coletados através de questionário estruturado, realizada analise descritiva e análise temática de conteúdos. O estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados: Dos 68 profissionais, 51,5% era técnico de enfermagem; 77,9% afirmaram sentir-se preparados para assistir paciente em ME. Dos critérios para o diagnóstico da ME, 94,1% citou ausência de atividades encefálicas detectas por exames complementares. A manutenção da temperatura corporal (82,4%) foi o principal cuidado mencionado na manutenção do potencial doador. Do processo de doação, a entrevista com a família foi a mais citada (82,4%).
Conclusão: Evidenciou-se falta de conhecimento teórico-prático da equipe de enfermagem, demonstrando a necessidade de se investir em estratégias educacionais.

Palavras-chave: Enfermagem; Obtenção de tecidos e órgãos; Morte encefálica.


RESUMEN

Objetivo: Identificar el conocimiento del equipo de enfermería sobre la muerte encefálica (ME) y la donación de órganos y tejidos.
Método: Estudio descriptivo, cuantitativo realizado en seis hospitales de Natal / RN con 68 enfermeras. Los datos fueron recolectados a través de un cuestionario estructurado, realizado análisis descriptivo y análisis temático de contenidos. El estudio fue aprobado por el Comité de Ética en Investigación.
Resultados: De los 68 profesionales, el 51,5% eran técnicos de enfermería, 77,9% dijeron que se sienten preparados para ayudar a los pacientes ME. Los criterios para el diagnóstico de ME, el 94,1% citaron la falta de actividad cerebral detectada por los exámenes complementarios. El mantenimiento de la temperatura corporal (82,4%) fue la advertencia principal mencionada en el mantenimiento del donante potencial. El proceso de donación, la entrevista con la familia fue la más citada (82,4%).
Conclusión: Existe una falta de conocimiento teórico y práctico del equipo de enfermería, lo que demuestra la necesidad de invertir en las estrategias educativas.

Palabras clave: Enfermería; Obtención de tejidos y órganos; muerte encefálica.


ABSTRACT

Objective: Identify the understanding of the nursing team about brain death (BD) and the donation of organs and tissues.
Method: Descriptive, quantitative study conducted in six hospitals in Natal/RN with 68 nursing staff. Data were collected through a structured questionnaire, realized descriptive analysis and thematic analysis of content. The study was approved by the Research Ethics Committee.
Results: Of the 68 professionals, 51,5% were nursing technician; 77,9% affirmed feeling prepared to assist patient in BD. Among the criteria for the diagnosis of BD, 94,1% cited absence of brain activity detects by complementary exams. The maintenance of body temperature (82,4%) was the main care mentioned in maintenance of the potential donor. Of the donation process, the interview with the family was the most cited (82,4%).
Conclusion: It was evidenced lack of theoretical and practical knowledge of the nursing team, demonstrating the need to invest in educational strategies.

Key words: Nursing; Tissue and organ procurement; Brain death.


 

Introdução

Os aspectos culturais do processo de morte e morrer modificaram-se ao longo dos anos, uma vez que deixou de ocorrer nos lares das pessoas e foi transferido para dentro dos hospitais, onde foi institucionalizado, medicalizado e por diversas vezes adiado pelo emprego da sofisticação tecnológica. Portanto, diante desse novo cenário de morte estão as tecnologias médicas que levaram ao transplante de órgãos.

Reforça-se que a história do transplante sempre esteve atrelada na definição de morte encefálica (ME), situação em que o indivíduo se torna apto à doação de órgãos e tecidos. No entanto, percebe-se que esse conceito ainda é intricado por questões filosóficas, religiosas, sociais e emocionais. Isso porque a morte ainda é considerada um tabu na sociedade ocidental e perturba sobremaneira os profissionais de saúde em seu ambiente de trabalho, tendo em vista que sua formação é voltada para a preservação da vida, para a cura das enfermidades, perder um paciente para a morte muitas vezes significa um fracasso profissional.

Porém, o conhecimento e a aceitação do diagnóstico de ME é necessária, tanto pelos profissionais de saúde quanto pela população, visto que a doação dos órgãos e tecidos das pessoas que se encontram nesse estado pode representar à única ou até a última chance de alternativa terapêutica para pacientes com vários tipos de doenças terminais.

Cabe enfatizar que o a Política Nacional de Transplantes está fundamentada na Constituição Federal Brasileira de 1988 e pela Lei no. 9434/97 e Lei no 10.211/01 que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante(2-3).

Com a crescente demanda por transplantes no país, em 1997, foi criado o Sistema Nacional de Transplante (SNT), vinculado ao Ministério da Saúde. Na esfera federal, existe a Central Nacional de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNNCDO) e nas demais unidades da federação as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs). Faz parte também desse sistema, as listas únicas de receptores, o cadastramento e autorização de hospitais transplantadores e das equipes especializadas, além do estabelecimento dos critérios de financiamento para o setor(2).

No tocante ao diagnóstico da ME, esse está respaldado, no Brasil, pela Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) no 1.480/97 que define a ME como a parada completa e irreversível de todas as funções encefálicas, tanto dos hemisférios quanto do tronco cerebral, significa interrupção definitiva de todas as atividades do encéfalo(3).

De acordo com essa resolução, para a confirmação do diagnóstico de ME é indispensável a realização de dois exames neurológicos, que devem ser efetuados por dois médicos diferentes, um deles obrigatoriamente neurologista ou neurocirurgião, não integrantes da equipe de remoção e transplante. Esses exames buscam avaliar a integridade do tronco encefálico. O intervalo mínimo entre um exame e outro é de seis horas em pacientes acima de dois anos. É obrigatória também a realização de exame complementar, para mostrar ausência de atividade elétrica e metabólica encefálica ou de perfusão sanguínea encefálica(4).

Quanto aos cuidados relacionados ao potencial doador (PD), esses devem ser desenvolvidos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), contar com infraestrutura apropriada, recursos humanos especializados, materiais específicos e tecnologias necessárias ao diagnóstico, monitorização e terapia, de acordo com a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) no 7 de 24 de fevereiro de 2010, que dispõe sobre os requisitos mínimos para o funcionamento da UTI e a RDC no 50, de 21 de fevereiro de 2002, que dispõe sobre os projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, incluindo as UTIs(5).

Enfatiza-se que esses cuidados são desgastantes, tendo em vista que se configura como paciente grave que requer atenção permanente devido às alterações fisiológicas decorrente da ME, que quando não controladas de forma efetiva, podem inviabilizar a doação de um ou mais órgãos para transplante(6).

Desse modo, a enfermagem tem papel fundamental na assistência ao PD de órgãos e tecidos, que necessita de cuidados específicos e intensivos. A assistência que a equipe de enfermagem presta engloba não só o paciente, mas a família e a possível doação, assim como a preocupação com os órgãos e o possível receptor. Ressalta-se a relevância desse estudo, uma vez que pretende contribuir para a elaboração de estratégias de educação continuada que complementem a atuação efetiva da enfermagem frente ao PD de órgãos e tecidos, assegurando a viabilização desses enxertos para o transplante.

Baseado no pressuposto de que a enfermagem junto a outros profissionais é fundamental no cuidado ao paciente em ME e na doação de órgãos e tecidos, o estudo tem como objetivo Identificar a compreensão da equipe de enfermagem acerca da ME e da doação de órgãos e tecidos.

 

Material e método

Trata-se de um estudo seccional, descritivo, com abordagem quantitativa, realizado em seis unidades hospitalares de Natal/RN, das quais três eram da rede pública e três da privada, todos credenciados pelo SNT para retirada e transplante de órgãos e tecidos.

A amostra foi composta por 68 profissionais de enfermagem, selecionados a partir de uma amostragem por acessibilidade, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: estar em exercício ativo nesses hospitais no período do estudo e trabalhar em unidades que recebem PDs (UTI ou setor de emergência) e como critérios de exclusão responder menos de 80% da parte III do questionário.

A pesquisa foi aprovada pelo do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes sob o no 414/10 e CAAE 007.0.294.000-10, respeitando a normatização da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, no que se refere aos aspectos éticos observados quando da realização da pesquisa envolvendo seres humanos. Bem como foi solicitado aos profissionais participantes a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após explanação sobre o objetivo do estudo.

O processo de coleta de dados ocorreu entre os meses de janeiro a março de 2013. Os dados foram coletados através da aplicação de questionário considerado como auto-relato estruturado, composto pelas seguintes partes: parte I contém dados de identificação pessoal, como: idade, sexo, escolaridade, estado civil e religião. Na parte II estão os dados de identificação profissional: formação profissional, tempo de serviço na enfermagem, hospital que trabalha (público ou privado), instituição de formação profissional básica (pública ou privada), curso de aperfeiçoamento e/ou especialização. Parte III com os dados relacionados à assistência de enfermagem: trabalha ou já trabalhou com este tipo de paciente?; sente-se preparado para assistir a estes pacientes?; onde adquiriu estas informações?; existe algum empecilho considerado importante que dificulte assistir a estes pacientes?; quais são?

A parte IV do instrumento é formada de perguntas abertas relacionadas ao conhecimento da equipe de enfermagem sobre a ME e cuidados com o PD de órgãos e tecidos: critérios avaliados no diagnóstico de ME; cuidados gerais e específicos prestados ao paciente em ME, PD de órgãos de órgãos e tecidos; etapas do processo de doação de órgãos.

Os dados oriundos das questões fechadas do instrumento foram organizados em uma planilha eletrônica e apresentados em tabelas, com frequência relativa e absoluta. As questões abertas foram submetidas à análise temática de conteúdos, que prevê a organização das informações por meio da pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação. As categorias empíricas emergidas foram processadas eletronicamente e apresentadas em forma de quadros. Para análise dos dados utilizou-se Microsoft Excel 2007 e o um software estatístico.

 

Resultados

Com relação à população estudada, dos 68 profissionais participantes, a maioria era do sexo feminino (89,7%), com faixa etária de 30 a 39 anos, casado (44,1%) e católico (70,6%). A tabela I descreve a caracterização dos profissionais de enfermagem.

 

 

Ao considerar a formação básica e profissional, conforme apresentado na tabela II, 67,6% formaram-se em instituições públicas de ensino básico e 51,5% eram técnicos de enfermagem. Com relação à escolaridade, 42,6% tinham ensino médio completo. O tempo de serviço na enfermagem concentrou-se na faixa acima de 20 anos (29,4%) e 52,9% trabalhavam em instituições hospitalares de caráter público. A maioria afirmou ter realizado curso de aperfeiçoamento / especialização (80,9%).

 

 

Quanto à experiência de trabalho com pacientes em ME, 91,3% declararam que trabalham ou já trabalharam com estes pacientes e 77,9% afirmaram que se sentem preparados para assisti-los, destes 45,3% informaram ter adquirido conhecimento sobre a assistência a essa população em cursos, 34,0% em palestras, 9,4% na graduação e 47,2% outras formas, destaca-se que alguns participantes elencaram mais de uma opção.

Ao questionar se existe empecilho considerado importante que dificulte a assistência ao paciente em ME, 58,8% afirmaram que não, contudo dos que disseram existir (41,2%) as principais dificuldades apontadas foram: falta de conhecimento e o despreparo da equipe (67,9%); falta de insumos, estrutura e recursos humanos adequados (39,3%); falta de importância dada a esse paciente (17,9); 7,1% relação com os familiares; e 7,1% não ao seguimento do protocolo de ME. Vale salientar que houve mais de uma resposta por profissional que declarou existir dificuldades.

Considerando que as questões relacionadas ao conhecimento da equipe de enfermagem sobre a ME e processo de doação de órgãos e tecidos eram abertas, foram descritas diversas respostas, algumas não se enquadraram no contexto perguntado, as demais foram categorizadas a partir da análise do conteúdo.

De acordo com as respostas expostas na figura 1 sobre os critérios avaliados no diagnóstico de ME, percebe-se um predomínio da ausência de atividades encefálicas detectas por exames complementares (94,1%), seguido por realização de exames neurológicos (72,1%) e coma arreativo e arreflexivo (51,5%).

 

 

Erroneamente, entrevistados referiram que a realização de tomografia computadorizada de crânio (11,8%) e reflexos córtico-medulares (1,5%) eram critérios utilizados para o diagnóstico e 2,9% não lembravam quais eram os critérios.

A figura 2 representa as respostas dos participantes com relação aos cuidados gerais e específicos prestados ao paciente em morte encefálica. Percebe-se que a maioria citou cuidados referentes à manutenção da temperatura corporal (82,4%), monitorização hemodinâmica (70,6%), controle hidroeletrolítico com sondagem vesical (64,7%) e higiene corporal com mudança de decúbito (60,3%).

 

 

No entanto, entre tantas respostas, algumas merecem destaque por terem sido citadas de forma equivocada, como três participantes responderam não manter a dieta, um referiu a retirada total das medicações e um deixou de responder a esta pergunta.

Para avaliação das respostas sobre as etapas do processo de doação de órgãos e tecidos, considerou-se oito passos fundamentais dispostos na figura 3, dos quais seis obtiveram 50% ou mais de respostas, sendo a entrevista com a família a mais citada (82,4%), seguida pelo diagnóstico de ME (67,6%) e captação dos órgãos e tecidos (66,2%), a entrega do corpo recomposto a família foi a que obteve menor percentual (17,6%).

 

 

Dentre as respostas dos sujeitos do estudo, 4,4% dos profissionais não responderamou fizeram de forma incoerente.

 

Discussões

Os resultados encontrados, na presente pesquisa, sobre as características pessoais dos profissionais de enfermagem convergem com estudos nacionais e internacionais, onde revela a predominância de um indivíduo do sexo feminino, adulto jovem, casado e católico(7).

Em relação à formação dos profissionais de enfermagem, percebe-se maior percentual do nível médio, esse fato justifica-se pelo percentual de técnicos em enfermagem, uma vez que este é um dos requisitos para obtenção desse título. No entanto, nos últimos tempos tem havido grande procura de cursos de nível superior por parte dos profissionais de nível técnico, assim como, maior número de enfermeiros em cursos de pós-graduação.

Sobre a predominância de profissionais de enfermagem com elevado tempo de serviço, entende-se que este profissional seja mais experiente e preparado, mas esteja próximo da aposentadoria. Todavia, os profissionais com pouco tempo de serviço procuram suprir as lacunas existentes pela falta de experiência e/ou preparação através da busca constante de conhecimentos, assim, atualizam-se através de congressos, especializações e participação em cursos de aperfeiçoamento e capacitação fornecidos pela instituição empregatícia.

A maioria dos participantes referiu sentir-se preparada para assistir os pacientes em ME, contudo ao relacionar como o percentual de etapas citadas dentro do diagnóstico de ME e processo de doação de órgãos e tecidos percebe-se que poucas etapas obtiveram valores superiores a 70,0% e que nenhum profissional elencou todas as etapas fundamentais tanto no diagnóstico de ME, manutenção e processo de doação, observando-se que o conhecimento não condiz com a realidade citada.

Sabe-se que os pacientes em ME requerem cuidados específicos por se tratarem de pacientes gravemente instáveis, que precisam, além de um ambiente especializado para o tratamento intensivo de suas funções vitais e da manutenção dos órgãos, de recursos humanos que detenham conhecimentos sobre a fisiopatologia da ME, assim como dos cuidados específicos a manutenção, objetivando a disponibilidade de órgãos para transplantes(8).

O processo de educação torna-se fundamental nesta área, especialmente porque a participação da sociedade e, sobretudo dos profissionais de saúde é um dos fatores decisivos do sucesso dos programas de transplante. Um grupo que merece destaque são os acadêmicos, especialmente da área da saúde(9).

Estudo desenvolvido com acadêmicos de enfermagem e medicina no Brasil evidenciou pouco conhecimento destes sobre a ME e seus aspectos, assim como, com os cuidados com o PD, fato este associado às deficiências dos currículos de graduação, o que é preocupante, uma vez que eles serão futuros profissionais e saem muitas vezes despreparados para atuarem na área de transplantes(8-9).

Com relação à existência de empecilhos que dificultam a assistência aos PDs, a maioria citou falta de conhecimento e despreparo da equipe, demonstrando novamente a importância da adoção de estratégias que promovam o conhecimento e a mudança no comportamento do profissional.

Entende-se que o despreparo da equipe, além de gerar estresse profissional, sofrimento familiar, compromete a eficácia do processo, sendo fundamental a educação e aperfeiçoamento, buscando evitar tais fatores, além de possibilitar a ampliação da oferta de órgãos e tecidos para transplantes, acarretando benefícios a sociedade(10).

Paralelo a essa realidade, alguns autores afirmam que as principais causas para a não efetivação da doação e transplante de órgãos e tecidos devem-se ao desconhecimento do conceito de ME tanto pela população quanto pelos profissionais da saúde, a falta de credibilidade dos benefícios da doação e transplante, a recusa dos familiares em aceitar a doação, as dificuldades logísticas, a contraindicação médica e a parada cardíaca do PD ocasionada pela falha na manutenção dos seus órgãos(11-12).

O processo de doação tem início com a identificação e notificação de um indivíduo que esteja em coma aperceptivo e arreativo, pontuação três na Escala de Coma de Glasgow. Depois de uma cuidadosa avaliação clínica e laboratorial desse paciente e não se identificando contraindicações que representem riscos aos receptores ter-se-á um PD(12-13).

Segundo a Resolução do CFM no 1.480/97, a ME deverá ser constatada pela realização de exames clínicos e complementares realizados em intervalos estabelecidos conforme a idade do paciente. Os parâmetros clínicos observados nessas avaliações são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia(4).

Apesar do predomínio, no estudo, da resposta da ausência de atividades encefálicas detectas por exames complementares, realização de exames neurológicos e coma arreativo e arreflexivo relacionadas ao critério de ME, percebe-se uma discrepância em relação aos demais critérios de avaliação, bem como muitos profissionais apontaram que quem faz o diagnóstico é o médico, no entanto, não os exclui da responsabilidade como aqueles que estão mais próximos do paciente em reconhecer os sinais previsíveis da ME.

Durante todo o processo de doação deve-se realizar a manutenção do PD com a finalidade de manter a estabilidade hemodinâmica, viabilidade e qualidade dos órgãos e tecidos passíveis de utilização(12).

Ao prestar uma assistência sistematizada ao PD, a equipe de enfermagem, deve ter conhecimento das alterações fisiológicas decorrentes da ME, pois elas se constituem em um processo complexo, repercutindo na quantidade e qualidade dos órgãos a serem transplantados. Desse modo, o equilíbrio hemodinâmico do PD não está somente nos ambientes e equipamentos de alta tecnologia, mas no reconhecimento e posterior confirmação, conhecimento dos aspectos legais, prevenção, detecção precoce e manuseio das principais complicações da ME. É aí que se consolida a importância de uma equipe eficiente e comprometida com o cuidado(14-15).

Nos cuidados para a manutenção do PD os referentes à manutenção da temperatura corporal, monitorização hemodinâmica e controle hidroeletrolítico foram os mais citados, respectivamente, no presente estudo. O controle da temperatura corporal é um cuidado fundamental para manutenção do PD, sendo função exclusiva da enfermagem o aquecimento com cobertores, manta térmica, ou com focos de luz direcionados para o tórax ou abdome e utilizando soluções aquecidas à temperatura de 37o a 38oC evitando a ocorrência da hipotermia, que pode gerar alterações cardíacas, diminuição do transporte de oxigênio entre outras alterações(14-15).

Quanto à assistência de enfermagem, essa deve atender às necessidades fisiológicas básicas do PD e, dentre todos os cuidados, os mais relevantes são: providenciar um acesso venoso central para infusão de drogas e líquidos, além da mensuração da pressão venosa central; monitorização dos sinais vitais; realizar a sondagem gástrica para descompressão do estômago ou alimentação; manter as dietas por via enteral. Manutenção das vias aéreas superiores, com elevação da cabeceira em 30o para evitar broncoaspiração. Deve-se realizar a sondagem vesical de demora para o controle do débito e da densidade urinária e higiene corporal(14-16).

Os cuidados específicos estão relacionados com as alterações fisiológicas desencadeadas pelo processo de ME e que contribuem para a instabilidade do doador, como a hipertensão ou hipotensão arterial, alterações nos fluidos, eletrólitos e no metabolismo, desequilíbrio ácido básico, hipotermia e tratamento de infecções(14-16).

Estudo identificou que a assistência prestada pela equipe de enfermagem ao PD, geralmente são comuns a outros pacientes graves que necessitam de terapia intensiva. No caso de um paciente em ME, normalmente é dada maior atenção ao aquecimento do corpo, devido à hipotermia e à proteção ocular através de umedecimento, a fim de preservar as córneas, por serem as mais comuns à doação(13).

Caso haja a concordância familiar à doação, o profissional responsável pelo processo de doação e a CNCDO passam a considerar os demais fatores para a efetivação da doação, implementando a logística predefinida. Salienta-se que antes de ser iniciada a retirada dos órgãos e tecidos, a Declaração de Óbito (DO) deverá ser fornecida em situações de morte natural. Nos casos de morte por causa externa, o corpo deverá ser encaminhado ao Instituto Médico Legal, onde será autopsiado e emitida a DO(12).

Para que um transplante de órgãos aconteça eficazmente e legalmente, várias instâncias, leis e resoluções estão envolvidas neste processo. Como a promulgação da Lei no 9.434, de 04 de fevereiro de 1997 do CFM, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplantes, assim como o Sistema Nacional de Transplantes que está presente em cada estado brasileiro através das Centrais de Notificação Captação e Distribuição de Órgãos(4,17).

Com a intenção de auxiliar as CNCDOs, em 21 de outubro de 2009 foi publicada a Portaria GM/MS no 2.601, onde foi instituído o Plano Nacional de Implantação das Organizações de Procura de Órgãos e Tecidos com objetivo de aprimorar e qualificar o processo de doação/transplante no Brasil - que se inicia com a identificação e notificação dos prováveis doadores, passando pela realização dos transplantes propriamente ditos, até o fornecimento de toda a medicação imunossupressora pelo Sistema Único de Saúde(18).

Na presente pesquisa a entrevista com a família foi a etapa mais citada do processo de doação de órgãos e tecidos, seguida pelo diagnóstico de ME e captação dos órgãos e tecidos (66,2%). Autores ressaltam que a assistência prestada ao paciente e família desde o momento da internação até a solicitação da doação influencia no modo como a família vai reagir frente a esse pedido. Torna-se fundamental o reconhecimento das experiências vividas pelos familiares, expondo a importância da consideração do sofrimento e acolhimento que deve ser realizado pela equipe, em especial, pelo enfermeiro. Oferecer informações sobre à ME e a transparência no processo de doação possibilitam uma recuperação com menos conflito, minimizando o estresse e favorecendo a tomada de decisão quanto à doação(19).

Após aceitação da doação devem ser providenciados exames de rotina e de sorologias para verificar a função dos órgãos e possíveis contraindicações à doação, cabe ao enfermeiro, além de suas responsabilidades na manutenção do potencial doador, a marcação do horário da cirurgia de retirada de órgãos, informar as equipes de transplantes e de enfermagem do centro cirúrgico, explicitando quais órgãos serão captados, orientar a equipe de enfermagem cuidadora do potencial doador sobre o pré-operatório indispensável e verificar o prontuário e o preenchimento correto dos impressos como: ficha de identificação do doador, autorização da família e protocolo de morte encefálica(20).

No processo de trabalho da enfermagem estão inclusas as três fases do processo: doação, captação e transplante: o início (notificação e busca ativa potenciais doadores), meio (documentação) e fim (distribuição dos órgãos e cuidado ao receptor e família). Constitui-se assim como parte da própria execução do transplante(9).

Infelizmente, além da falta de conhecimento, a enfermagem enfrenta, muitas vezes, condições precárias e sobrecarga de trabalho que fazem com que a assistência ideal e de qualidade com o paciente em ME seja difícil de ser alcançada. Apesar das dificuldades é evidente que a enfermagem desenvolve um papel fundamental nesse cenário(13).

Todo esse processo que envolve o diagnóstico da ME, a notificação à CNCDO, a manutenção do paciente, a comunicação do ocorrido à família e a solicitação da doação, assim como das fases para captação e transplante dos órgãos, necessitam não só da equipe de enfermagem, mas principalmente de uma equipe multiprofissional, que esteja envolvida todo o tempo no processo e atentando para as necessidades que o paciente e família requerem havendo uma necessidade de interação entre as equipes para que o processo flua de forma a satisfazer todas as partes envolvidas, pois a assistência adequada é indispensável para efetivação da doação.

 

Conclusão

Percebe-se, nesse estudo, um hiato entre a afirmação de sentir-se preparado para assistir os pacientes em ME e as respostas sobre os critérios avaliados no diagnóstico de ME, principais cuidados gerais e específicos prestados e as etapas do processo de doação de órgãos e tecidos entre os profissionais de enfermagem pesquisados.

Poucas etapas do processo obtiveram respostas superiores a 70,0% e nenhum profissional elencou todas as etapas fundamentais tanto para o diagnóstico de ME, manutenção do PD e as fases que compõem o processo de doação. Evidenciando a falta de conhecimento teórico-prático da equipe de enfermagem pesquisada, demonstrando a necessidade de se investir em estratégias educacionais.

O conhecimento do processo de doação de órgãos e tecidos e das possíveis alterações do paciente em ME poderá possibilitar melhor manutenção dos órgãos e tecidos para transplante e a efetivação das doações, uma vez que o conhecimento é um dos fatores determinantes para o sucesso dos programas de transplantes.

Cabe ao enfermeiro e sua equipe utilizar-se de estratégias de aprendizagem no seu processo de trabalho em associação com os demais profissionais de saúde e à população para auxiliar na mudança das atitudes e sensibilização, relacionadas ao processo de doação de órgãos e tecidos, especialmente através da educação permanente, com cursos de atualização e campanhas de educação em saúde a população enfatizando da importância da doação.

 

Referências

1. Lima AAF, Silva MJP, Pereira LL. Sofrimento e contradição: o significado da morte e do morrer para enfermeiros que trabalham no processo de doação de órgãos para transplante. Enfermería Global (Internet). 2009 (cited 2012 dez 01); 15:1-17. Available from: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/n15/pt_clinica1.pdf.         [ Links ]

2. Lei N. 9.434, de 04 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União (Brasília). 1997 Jul 01. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm.         [ Links ]

3. Lei N. 10.211, de 23 de março de 2001. Altera dispositivos da Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Diário Oficial da União (Brasília). 2001 Mar 23. (cited 2013 jan 13) Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/leis/LEIS2001/L10211.htm.         [ Links ]

4. Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução CFM no 1.480/1997. Critérios para diagnóstico de morte encefálica. Brasília (Brasil): CFM; 1997. (cited 2012 jan 13) Available from: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/14801997.htm.         [ Links ]

5. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC no 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Ministério da Saúde. Brasília; 2010. (cited 2012 jan 04) Available from: http://www.saude.mg.gov.br/atos normativos/legislacao-sanitaria/estabelecimentos-de-saude/uti/RDC-7_ANVISA%20240210.pdf/.         [ Links ]

6. Guido LA, Bianchi ERF, Linch GFC. Coping among nurses of the operating room and recovery room. Rev Enferm UFPE On Line (Internet). 2009 (cited 2013 jan 04); 3(4):823-30. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/90/pdf_945.         [ Links ]

7. Ribeiro AS, Gabatz RIB, Neves ET, Padoin SMM. Caracterização de acidente com material perfurocortante e a percepção da equipe de enfermagem. Cogitare Enferm (Internet). 2009 oct/dec (cited 2012 dez 01); 14(4):660-6. Available from: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/16379/10860.         [ Links ]

8. Maia BO, Amorim JS. Morte encefálica: conhecimento de acadêmicos de enfermagem e medicina. JBT J Bras Transpl (Internet). 2009 (cited 2012 dez 02); 12(2):1088-91. Available from: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/JBT/2009/2.pdf.         [ Links ]

9. Albuquerque FNA, Silva LMS, Borges MCLA, Janebro ASI, Lima LL. Organs and tissues transplantation: analysis of nurses' performance in the process of donation and capture. R. Pesq: Cuid Fundam online (Internet). 2011 (cited 2012 dez 02); 3(1):1739-46. Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/1278/pdf_372.         [ Links ]

10. Freire ILS, Mendonça AEO, Pontes VO, Vasconcelos QLDAQ, Torres GV. Morte encefálica e cuidados na manutenção do potencial doador de órgãos e tecidos para transplante. Rev. Eletr. Enf. (Internet). 2012 oct/dec (cited 2012 dez 02); 14(4):903-12. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v14/n4/v14n4a19.htm.         [ Links ]

11. Garcia VD. A política de transplantes no Brasil. Revista da AMRIGS (Internet). 2006 (cited 2012 dez 02); 50(4):313-20. Available from: http://www.amrigs.org.br/revista/50-04/aesp01.pdf.         [ Links ]

12. Pereira AW, Fernandes RC, Soler RC. Diretrizes básicas para captação e retirada de múltiplos órgãos e tecidos da associação brasileira de transplante de órgãos. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (Internet). 2009 (cited 2013 jan 04). São Paulo: ABTO. Available from: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/pdf/livro.pdf.         [ Links ]

13. Amorim VCD, Avelar TABA, Brandão GMON. A otimização da assistência de enfermagem ao paciente em morte encefálica: potencial doador de múltiplos órgãos. Rev enferm UFPE on line (Internet). 2010 (cited 2012 dez 02); 4(1):221-29. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista.         [ Links ]

14. Guetti NR, Marques IR. Assistência de enfermagem ao potencial doador de órgãos em morte encefálica. Rev Bras Enferm (Internet). 2008 jan/fev (cited 2013 jan 04); 61(1):91-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n1/14.pdf.         [ Links ]

15. Mendonça AS, Castro DC, Brasileiro ME. Assistência de enfermagem na manutenção do potencial doador de órgãos. Revista Eletrônica de Enfermagem do Centro de Estudos de Enfermagem e Nutrição (Internet). 2010 jan/jul (cited 2013 jan 04); -15. http://www.ceen.com.br/conteudo/downloads/4552_52.pdf.         [ Links ]

16. D'Império F. Morte encefálica, cuidados ao doador de órgãos e transplante de pulmão. Rev bras ter intensiva (Internet). 2007 jan/ mar (cited 2013 jan 04); 19(1):74-84. Available from: http://www.rbti.org.br/rbti/download/artigo_201061416549.pdf.         [ Links ]

17. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Transplantes - SNT, 2010.         [ Links ]

18. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à Saúde. Nota Informativa No 03/2011, 04 de maio de 2011.         [ Links ]

19. Cinque VM, Bianchi, ERF. A tomada de decisão das famílias para a doação de órgãos. Cogitare Enferm (Internet). 2010 jan/mar (cited 2013 mar 04); 15(1):69-73. Available from: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/17174/11309.         [ Links ]

20. Domingos GR, Boer LA, Possamai FP. Doação e captação de órgãos de pacientes com morte encefálica. Enfermagem Brasil (Internet). 2010 jul/ago (cited 2013 mar 04); 9(4):206-12 Available from: http://www.atlanticaeditora.com.br/index.php?option=com content&view=article&id=10 92:eb-v9n4-artigo-2&catid=139&Itemid=68.         [ Links ]

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License