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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.19 n.57 Murcia Jan. 2020  Epub Mar 16, 2020

https://dx.doi.org/eglobal.19.1.360321 

Originais

Controlo da asma infantil: principais fatores asociados

Andreia Filipa Sousa Félix1  , Bruno Acácio Branco Rocha Lopes2  , Maria Adriana Pereira Henriques3  , Maria de la Salete Rodrigues Soares4 

1MsC.; RN; Doutoranda em Enfermagem, Universidade de Lisboa; Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Enfermagem (UI&DE); Unidade Local de Saúde do Alto Minho – Viana do Castelo– Portugal. andreiafilipafelix@gmail.com

2MsC.; RN; Unidade Local de Saúde do Alto Minho – Viana do Castelo - Portugal.

3PhD, RN, Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Lisboa – Portugal.

4PhD, RN, Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Viana do Castelo – Portugal.

RESUMO

Introdução

A asma apresenta-se como uma doença crónica e inflamatória das vias aéreas caracterizada por episódios de obstrução brônquica reversível podendo ser desencadeada por diversos fatores. Constitui-se como a doença infantil mais comum, uma importante causa de internamento hospitalar e um problema de saúde pública. As diretrizes internacionais sobre a gestão da asma reconhecem que o tratamento reside no controlo atual e no risco de exacerbações, sendo baseados na gestão de sintomas. Relativamente à perceção do controlo da asma infantil, existem discrepâncias entre a perceção dos cuidadores e as indicações internacionais.

Objetivos

Descrever e analisar os dados clínicos, sociodemográficos e fatores associados ao controlo da asma infantil.

Metodologia

Estudo metodológico, quantitativo e transversal, numa amostra de crianças, entre os 6 e os 11 anos, com asma e cuidadores. O controlo da asma foi avaliado pelo instrumento Childhood Asthma Control Test.

Resultados

A amostra foi composta por 60 crianças e cuidadores. 12% (n=7) das crianças apresentam asma não controlada e 53% (n=32) asma parcialmente controlada. Em 38% (n=23) dos cuidadores existiram discrepâncias entre o grau classificado mediante as guidelines internacionais e a sua perceção. A análise de Regressão Logística confirma que as crianças com necessidades de terapêutica inalatória de resgate apresentam 7 vezes maior probabilidade da asma estar não controlada.

Conclusão

Torna-se perentório a necessidade de apreensão da complexidade dos fatores que interferem no controlo da asma, existindo necessidade de programas de intervenção de gestão de sintomas centrados nos cuidadores, na criança e nas necessidades identificadas.

Palavras-chave: Asma infantil; Prestador de cuidados; Gestão de sintomas; Controlo da asma; Enfermagem

INTRODUÇÃO

A asma infantil constitui-se como uma doença inflamatória crónica das vias aéreas, manifestando-se por episódios de hiperatividade da traqueia e brônquios como resposta a vários estímulos, tendo como consequência uma obstrução ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou como resultado da implementação de estratégias1. A inflamação das vias aéreas provoca alterações na geometria e propriedades biomecânicas das mesmas, com produção excessiva de muco e consequente entupimento e diminuição do seu lúmen, que resulta no desenvolvimento e persistência da obstrução ao fluxo aéreo2, causando episódios recorrentes de pieira, sensação de falta de ar, sensação de aperto no peito e tosse, com predomínio nos períodos do início da manhã ou da noite1. De acordo com Weinberger3 a asma na criança apresenta mais severidade de sintomas devido à componente fisiológica das vias aéreas, apresentando um calibre pequeno e, desta forma, menos tolerantes à hiperatividade característica.

A esta doença estão intrínsecos fatores de morbilidade já descritos na comunidade científica, sendo a principal causa de absentismo escolar4, que pelo seu impacto é reconhecido como uma questão de saúde escolar5, existindo literatura, ainda, que fundamente a existência de outros problemas associados, como o baixo desempenho académico, problemas de adaptação ao meio escolar e sintomas de stress social e psicológico6)(7.

As guidelines internacionais sobre a gestão da asma reconhecem que o seu tratamento reside no controle atual e no risco de exacerbações, sendo estes baseados na gestão de sintomas1). Nesse sentido, o objetivo do tratamento da asma centra-se em minimizar os sintomas, otimizar a função pulmonar e prevenir as exacerbações8. Em crianças o controlo da asma é avaliado com base na manifestação dos sintomas, na limitação das atividades e no recurso a terapêutica de resgate1. Reddel et al9 alertam para a necessidade da medição do nível de funcionalidade no controlo da asma, ou seja, na indispensável avaliação, não da limitação, mas sim da capacidade na concretização das atividades de vida e na consequente qualidade de vida.

De acordo com o National Heart, Lung and Blood Institute8 o controlo da asma pode-se explicar como o “grau em que as manifestações da asma são minimizados por intervenções terapêuticas, isto é, o grau em que os objetivos da terapia são satisfeitas”. De acordo com a Global Initiative for Asthma (GINA)1, nas crianças, entre os 6 e os 11 anos de idade, existem guidelines para a avaliação do controlo na asma, nomeadamente uma monitorização dos sintomas da asma, num período temporal de 4 semanas, incidindo na avaliação da existência e intensidade dos sintomas diurnos e noturnos, na limitação das atividades de vida e na necessidade de terapêutica de resgate para controlo sintomático, podendo a doença ser classificada de controlada, parcialmente controlada ou não controlada, como podemos verificar na Tabela 1.

Tabela 1. Avaliação do Controlo da Asma em Crianças 

Fonte: GINA

Neste sentido, a asma é considerada como uma doença complexa, pois pode depender de vários fatores multiníveis, sendo a natureza desses fatores e as suas inter-relações não bem compreendidas, podendo ter impacto em vários domínios funcionais, incluindo físico, psicológico, social e familiar10. Em Portugal, o Programa Nacional para as Doenças Respiratórias11, considerado um programa prioritário de intervenção e a asma uma doença de intervenção prioritária, em consonância com as guidelines da GINA1 e com a Norma 016/201112, estabelecem, não só, uma gestão harmonizada de modo a delimitar um diagnóstico precoce, mas também a necessária educação da criança e do cuidador, o uso eficiente da terapêutica no auxílio ao controlo da doença, e igualmente a existência de procedimentos de vigilância, reabilitação e monitorização da gestão integrada da doença.

Os objetivos deste estudo de investigação são analisar e descrever os dados clínicos, sociodemográficos e fatores associados ao controlo da asma infantil, partindo tanto da perceção do controlo da asma pelos cuidadores, assim como da classificação consoantes as guidelines internacionais definidas pela GINA.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo metodológico transversal, com abordagem qualitativa dos dados. A amostra em estudo foi constituída por crianças com asma e seus cuidadores, pertencentes a seis concelhos do Alto Minho, acompanhadas no âmbito dos cuidados de saúde primários. Foram definidos os critérios de inclusão na amostra:

Crianças, entre os 6 e os 11 anos de idade, com diagnóstico de asma (diagnóstico médico efetuado através de codificação no processo clínico) pelo menos há 6 meses, com prescrição de terapêutica de alívio sintomático; Não apresentar outras co morbilidades, para além da asma;

Cuidadores, com mais de 18 anos, das crianças que corresponderam aos critérios acima definidos, com habilidades de leitura e escrita; Aceitar participar no estudo, juntamente com a criança.

A técnica de amostragem pela qual se realizou a seleção dos participantes foi não probabilística de conveniência, e o cálculo do tamanho da amostra dado que a população era de reduzida dimensão (n=67), foi mediante a Plataforma Raosoft, onde para um erro estimado de 5%, com um Intervalo de Confiança de 95%, a amostra recomendada era de 58 observações. Nesse sentido optamos por uma amostra com 60 observações. A recolha de dados foi efetuada pela equipa de investigação entre Setembro de 2017 e Março de 2018.

Como instrumento de recolha de dados foi utilizado o childhood Asthma Control Test (c-ACT) construído por Liu et al13 e validado pela atual equipa de investigação, e o instrumento Severity of Chronic Asthma construído por Horner, Kieckhefer & Fouladi14. Simultaneamente foi aplicado um questionário sociodemográfico e de caracterização da doença.

O instrumento c-ACT foi desenvolvido com o intuito de se constituir como uma “ferramenta simples de mensuração confiável para avaliar o controle da asma em crianças”13. Foi construído para aplicação em crianças com idades compreendidas entre os 4 e os 11 anos, sendo de autopreenchimento e integrando as perspetivas tanto da criança como do cuidador, capturando a “natureza multidimensional” que é necessária à gestão de sintomas13. Este questionário, desenvolvido nos Estados Unidos da América, por Liu et al13, é composto por duas partes, num total de 7 itens, de uma escala tipo Likert, que avalia o nível de controlo da asma nas últimas 4 semanas. A primeira parte, destinada ao preenchimento por parte da criança é formada por 4 questões, com 4 opções de resposta cada uma delas acompanhada de uma imagem ilustrativa da cara de um menino, sobre a perceção do controlo da asma, a limitação nas atividades, os sintomas diurnos e o despertar noturno, sem limite temporal específico. Na segunda parte da escala, constituída por 3 questões, com 6 opções de resposta, de preenchimento pelo cuidador, são realizadas questões sobre os sintomas no período diurno, noturno e sobre os ruídos respiratórios, circunscrevendo-se a um período temporal de 4 semanas. Os achados de validade clínica, para este instrumento, demonstram que tem capacidade de discriminar vários níveis de controlo dos sintomas, sendo consistente com as diretrizes da GINA e sensível com os parâmetros de avaliação da função pulmonar15.

O score total da escala é obtido pela soma de todos os itens, que poderá situar-se entre 0 e 27, onde os valores mais baixos correspondem a pior controlo da asma, em que o autor da escala, na sua primeira publicação do instrumento, considera ponto de corte de 19, onde scores iguais ou inferiores enunciam a presença de um controlo inadequado da doença13. Num momento posterior e com o objetivo da avaliação da validade de conteúdo foi otimizada a interpretação do score do instrumento, tornando-o sensível às orientações da GINA, mais concretamente aos graus de controlo definidos. Nesse sentido, para a avaliação do controlo da asma, existem dois pontos de corte, designadamente: dos 0 aos 12 valores considera-se asma não controlada; dos 13 aos 19 valores considera-se asma parcialmente controlada; dos 20 aos 27 valores considera-se asma controlada16.

O instrumento Severity of Chronic Asthma, originalmente construído e validado por Horner, Kieckhefer & Fouladi14, é dirigido aos cuidadores da criança com asma, onde é avaliada, através de uma escala do tipo Likert (de 0 = 2 ou menos vezes, ou nunca limitaram, a 3 = constantemente, ou não faz atividade física), a frequência dos sintomas no período diurno, a perturbação do sono devido ao descontrolo dos sintomas e a limitação da atividade devido à asma, num enquadramento temporal retrospetivo de 4 semanas. O seu score determina uma medida contínua da gravidade da asma que é categorizada em quatro graus de gravidade (intermitente, persistente ligeira, persistente moderada e persistente grave), consoante as diretrizes do National Heart, Lung and Blood Institute8. No estudo original, relativamente à consistência interna, foi obtido um valor de alfa de Cronbach de 0,44 e restantes parâmetros psicométricos baixos, contudo estes resultados foram expectáveis para os autores, pois referem o facto de ser uma escala multidimensional e com parâmetros independentes14. A sua tradução e adaptação à língua portuguesa foi conduzida por Silva & Barros17, que, relativamente à consistência interna do instrumento, o coeficiente de alfa de Cronbach foi de 0.56, não sendo analisados outros parâmetros psicométricos no estudo. Nesse sentido, neste estudo foram avaliadas as propriedades psicométricas deste instrumento.

Os dados foram organizados e analisados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21. Iniciou-se pela análise de estatística descritiva dos descritores sociodemográficos e clínicos, seguindo-se dos resultados da aplicação dos instrumentos Severity of Chronic Asthma e pelo childhood Asthma Control Test, onde foram avaliadas as suas propriedades psicométricas, dado não se encontrar validado para a população portuguesa, verificando-se consistência interna, através do Coeficiente de Alpha de Cronbach. Numa segunda fase foram avaliadas as relações existentes entre o nível de controlo da asma diagnosticado com variáveis sociodemográficas e clínicas. Posteriormente, com o intuito de aumentar o nível de compreensão dessas relações, optou-se pela técnica de regressão logística para construção de um modelo preditivo. O nível de significância adotado na análise estatística foi de 5% (p = 0,05).

No planeamento deste estudo de investigação, foi solicitada autorização para utilização do instrumento c-ACT ao seu autor13 e à companhia farmacêutica detentora dos diretos de utilização, GlaxoSmithKline. Para a utilização do instrumento Severity of Chronic Asthma foi solicitada autorização à autora da versão original14 e às autoras responsáveis pela tradução e adaptação do instrumento para a língua portuguesa17. O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética para a Saúde da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (Parecer 31/2017) e foi pedida autorização à Comissão Nacional de Proteção de dados (autorização 4377/2017) para consulta de dados do processo clínico das crianças com asma. Foi solicitado consentimento informado e garantida confidencialidade, assegurando o anonimato na participação.

RESULTADOS

Relativamente à amostra utilizada, que consistiu em 60 crianças com asma e respetivos cuidadores. Estes, na sua maioria são mães (91,7%; n=55) e com idades compreendidas entre os 26 e os 59 anos (M=39; SD=6,12). Correspondente ao rendimento do agregado familiar, observamos que 31,7% (n=19) dos agregados familiares, a que a criança pertence, tem um rendimento mensal entre 800 euros e 1350 euros e que 23% (n=14) auferem mensalmente um rendimento entre 500 euros e 800 euros. Respeitante à perceção das dificuldades económicas do agregado familiar, 50% (n=30) dos cuidadores referem que o agregado familiar não apresenta dificuldades económicas, e 28,3% (n=17) referem que “de vez em quando” apresentam dificuldades económicas.

Quanto à condição de trabalho, os cuidadores maioritariamente trabalham em tempo integral (71,7%; n=43), onde 40% (n=24) apresentam habilitações académicas correspondentes ao ensino secundário e 35% (n=21) completou o 3º ciclo do ensino básico.

Relativamente ao consumo aditivo de tabaco, foi considerado não só o prestador de cuidados, mas também outro membro do agregado familiar que coabite com a criança. Os resultados evidenciam que 36,7% (n=22) das crianças residem com pessoas fumadoras ativas.

Em relação às crianças com asma, 53% (n=32) são do género feminino e 47% (n=28) são do género masculino. As crianças apresentam idades compreendidas entre os 6 e os 11 anos (M=9; SD=1,75). Em relação à doença, as crianças apresentam asma com uma média de 5,87 anos de evolução (SD=2,6), em que o diagnóstico, em média foi definido aos 3 anos de idade (SD=2,28). Quanto ao acompanhamento de saúde, em relação à doença, 63,3% (n=38) dos cuidadores referem que a sua opção recaiu sobre serviços do Sistema Nacional de Saúde, mais especificamente 43,3% (n=26) realizam esse acompanhamento em regime de Consulta Externa de Pediatria num Hospital Público e em 20% (n=12) dos casos esse acompanhamento é realizado no âmbito dos cuidados de saúde primários com a Equipa de Saúde Familiar. Nos restantes 36,6% (n=22) a opção recaiu em acompanhamento em regime Particular, sendo efetuado em consultas médicas de especialidades, nomeadamente Pediatria e Pneumologia.

Relacionado com as exacerbações da asma, em médica cada criança apresentou 4 dias (SD=7) de absentismo escolar no último ano letivo, com uma média de 1 (SD=2) atendimento em Serviço de Urgência, e com uma média de 1 (SD=3) consulta médica não programada, nos últimos 12 meses (por exacerbação da asma). Referente à necessidade de consumo de terapêutica de resgate, num período temporal de quatro semanas, em média cada criança necessitou de uma toma de terapêutica farmacológica (SD=2,73; Range=12). Importa referir que 33% (n=20) não necessitaram de recurso a terapêutica de regaste, ou seja, 67% (n=40) apresentaram necessidade de pelo menos uma toma de terapêutica de resgate nas últimas 4 semanas.

No que diz respeito à perceção do controlo da asma da criança pelo prestador de cuidados, 85% (n=51) classificaram a asma como parcialmente controlada e 15% (n=9) como controlada. De referir que nenhum cuidador classificou a asma como não controlada.

Os resultados gerados mediante a aplicação do instrumento c-ACT evidenciam que 35% (n=21) das crianças apresentavam asma controlada e 65% (n=39) asma não controlada, segundo a primeira versão deste instrumento que apenas tinha um ponto de corte aos 19 valores. No intuito de perscrutar objetivamente estes resultados, analisando os scores considerados de asma não controlada e as recentes indicações do autor da escala, com dois pontes de corte, observamos que 11,7% (n=7) das crianças apresentam asma não controlada e 53% (n=32) a sua asma é classificada de parcialmente controlada.

Relativamente ao instrumento Severity of Chronic Asthma, dado não haver estudos de validação do mesmo, procedemos à análise das suas propriedades psicométricas. O estudo da fidelidade do instrumento, realizado pela análise da consistência interna, permitiu-nos verificar que o valor de alfa de Cronbach foi de 0,59, evidenciando níveis inadequados de consistência interna18. Nesse sentido e dado que este instrumento não revela qualidades psicométricas apropriadas, optamos por uma análise qualitativa das questões que compõe o instrumento, não prosseguindo com a análise fatorial.

Com o objetivo de quantificar a força da associação entre o score do instrumento c-ACT e as variáveis que constituem o instrumento Severity of Chronic Asthma foi calculado o coeficiente de Pearson. O resultados apontam para a existência de uma relação moderada e duas relações fortes (R=-0,41 p=0.001; R=-0,53 p=0,000; R=-0,68 p=0,000). Perante estes resultados, a quantificação do controlo da asma foi realizada mediante o instrumento c-ACT.

Tendo como objetivo avaliar o grau de concordância entre o controlo da asma obtido através do instrumento c-ACT e a perceção do controlo da asma por parte dos cuidadores recorremos ao cálculo do teste de Kappa Cohen19. O coeficiente apresentado é de 0,024 (p=0,694), sendo classificado de uma relação pobre20.

Dada a dimensão da amostra em estudo, para análise da Normalidade recorremos ao teste de Kolmogorov-Smirnov. Pretendeu-se testar se nos 3 grupos, que constituem o controlo da asma, as variáveis seguem uma distribuição Normal. As variáveis testadas foram as seguintes: idade do cuidador; idade da criança; idade da criança no diagnóstico da asma; número de anos de evolução da doença; número de consultas médicas não programadas, nos últimos 12 meses (por exacerbação da asma); número de dias de absentismo escolar, no último ano letivo (por exacerbação da asma); número de atendimentos em Serviço de Urgência nos últimos 12 meses (por exacerbação da asma) e o recurso a terapêutica inalatória de resgate nas últimas 4 semanas. Das variáveis estudadas, a idade do cuidador (KS=0,30 p=0,062; KS=0,14 p=0,137; KS=0,16 p=0,165) e a idade da criança no diagnóstico (KS=0,16 p=0,200; KS=0,13 p=0,190; KS=0,17 p=0,125) seguem uma distribuição normal. Estas variáveis igualmente apresentam Homogeneidade de variâncias, estimado pelo teste de Levene, apresentando valores de p<0,05.

Nesse sentido, para a análise da comparação nos três grupos face à idade do cuidador e à idade da criança no diagnóstico recorremos à análise de variância One-Way ANOVA, dado ser um teste paramétrico e apresentarmos condições necessárias à sua aplicabilidade. Os resultados evidenciam que não se rejeita a hipótese nula, ou seja, não há evidências da diferença em relação aos valores médios da idade dos cuidadores (p=0,511) nem da idade da criança no diagnóstico (p=0,415).

Dado não estarem reunidas condições para a aplicação de testes paramétricos, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis para a análise de variância nos grupos quanto à idade da criança, ao número de anos de evolução da doença; ao número de consultas médicas não programadas, nos últimos 12 meses (por exacerbação da asma); ao número de dias de absentismo escolar, no último ano letivo (por exacerbação da asma); ao número de atendimentos em Serviço de Urgência nos últimos 12 meses (por exacerbação da asma) e ao recurso a terapêutica de resgate nas últimas 4 semanas. Os resultados são explanados na Tabela 2, onde podemos, em relação às variáveis número de consultas médicas não programadas, nos últimos 12 meses (por exacerbação da asma), número de atendimentos em Serviço de Urgência nos últimos 12 meses (por exacerbação da asma) e recurso a terapêutica de resgate nas últimas 4 semanas, rejeitar a hipótese nula, concluindo que existe uma diferença significativa entre os três grupos definidos.

Tabela 2. Teste de Kruskal-Wallis 

Analisando as médias dos grupos validamos que as crianças com asma não controlada, em média necessitam de mais 4 consultas que as crianças com asma controlada. Relativamente à necessidade de recorrer a Serviços de Urgência, por agudização da asma, as crianças com asma não controlada, em média, tiveram necessidade de mais 2 episódios que as crianças com asma controlada. Relativamente ao consumo de terapêutica inalatória de resgate, as crianças com asma não controlada consumiram, em média, mais 4 vezes terapêutica do que as crianças com asma parcialmente controlada e mais 8 vezes do que as crianças com asma controlada.

Partindo destas três variáveis, que, de forma fundamentada, apresentam diferenças entre as médias, consoante o grau de controlo da asma, optamos por analisar o risco que estas variáveis tem no grau de controlo da asma na criança. Para esse efeito recorremos a regressão multinomial, no entanto não tínhamos as condições necessárias, pois as frequências apresentadas não eram semelhantes e os resultados daí advindos não se poderiam considerar robustos. Nesse sentido, optamos pela Regressão Logística, considerando como variável dependente o Grau de controlo da asma, apenas com duas classes, Não Controlado (score do instrumento c-ACT de 0 a 19 valores) e Controlado (score do instrumento c-ACT de 20 a 27 valores).

Na análise dos resultados provenientes da Regressão Logística, o teste do rácio de verosimilhanças entre o modelo nulo e os modelos de cada um dos passos e o modelo final, obtivemos (2(3)=12,635; p=0,005, onde podemos concluir que existe pelo menos uma variável estudada no modelo com poder preditivo sobre o controlo da asma. A adequação do modelo de regressão foi avaliada pelo teste de Hosmer and Lemeshow, onde os dados pedem ser observados na Tabela 3.

Tabela 3. Teste de Hosmer and Lemeshow 

Sendo (2(4)=4,590; p=0,332, podemos concluir que os valores estimados do modelo são próximos dos valores observados, ou seja, o modelo é adequado, ajustando-se aos dados das variáveis.

A Tabela 4 apresenta a classificação do controlo da asma nas crianças observada e prevista pelo modelo ajustado.

Tabela 4. Controlo da Asma observado e prevista pelo modelo de regressão 

Relativamente à interpretação dos dados descritos acima, podemos concluir que o modelo construído tem uma sensibilidade de 82,1%, classificando corretamente as crianças que apresentam a asma não controlada.

Neste modelo apenas encontramos uma variável independente significativa, consumo de terapêutica inalatória de resgate (dicotomizada em duas categorias - com necessidade de toma de terapêutica nas últimas 4 semanas e sem necessidade de toma de terapêutica nas últimas 4 semanas). Essa variável apresenta significância estatística para o modelo, com teste de Wald (2(1)= 7,613; p=0,006, com um exp(B)=7,287, onde se pode concluir que as crianças que tem necessidade de recorrer a terapêutica inalatória de resgate tem aproximadamente 7 vezes maior probabilidade de apresentarem asma não controlada. Para este modelo ajustado, na amostra de 60 observações apenas um caso não é corretamente classificado por ele.

Com o objetivo de avaliar a qualidade do ajustamento deste modelo de regressão logística recorremos à análise de Curva ROC, onde constatamos uma área de 0,77, onde, o poder descriminante do nosso modelo pode ser considerado de aceitável, como se pode comprovar no Gráfico 1.

Gráfico 1. Curva ROC do modelo de regressão logística 

DISCUSSÃO

Numa amostra de 60 crianças com asma e respetivos cuidadores, o controlo da asma apresentado é preocupante, dado que apenas 35% apresentavam asma controlada, 12% asma não controlada e 53% parcialmente controlada. Estes dados são consistentes com a realidade nacional, onde se estima que 20,7% dos utentes com asma se encontrem não controlados21. Rabe et al22 referem que em todo o mundo coexiste um nível baixo de controlo da asma que ficam muito aquém das diretrizes e objetivos da GINA1). No entanto, e num prisma de intervenção de Enfermagem centrada na pessoa23) e baseada nas suas necessidades, o profissional terá de ter em conta que a asma como doença crónica vai ter sempre implicações na vida quotidiana da criança e dos seus cuidadores, independentemente do seu grau de controlo24.

Coexiste, ainda, uma discrepância entre o controlo da asma manifestado e aquele que é percecionado pelos cuidadores. Apesar de globalmente os cuidadores terem uma perceção da asma de controlada ou parcialmente controlada, apenas 62% (n=37) dos pais apresentaram respostas consistentes com os sintomas manifestados. Dos restantes 38% dos cuidadores, 18% classificou com um grau de controlo superior e 20% com um grau de controlo inferior. Estes dados de discrepância na perceção do controlo da asma nas crianças já está documentado na literatura internacional25, invocando atenção para os riscos de morbilidade acrescida, como consequência das discordâncias na perceção do controlo da asma dos cuidadores.

Os indicadores de morbilidade significativos no controlo da asma desocultados nesta investigação são os atendimentos (em consulta e em Serviço de Urgência) não programados e o recurso a terapêutica inalatória de resgate. Esta última, muito significativa e com um valor preditivo para a existência de uma asma não controlada. Este facto foi documentado na literatura internacional por um estudo levado a cabo por Vermeire et al26, que aponta que o consumo de terapêutica inalatória de resgate “nas últimas 4 semanas foi alto em todos os países”. Nesse estudo não se conseguiu comprovar que um consumo maior estava associado a aumento da gravidade dos sintomas. Nesta investigação, igualmente não conseguimos comprovar essa relação, mas foi possível comprovar que as crianças que necessitam de consumir terapêutica de resgate apresentam cerca de 7 vezes mais probabilidade da sua asma estar não controlada.

Um dos objetivos deste estudo consistiu em avaliar as propriedades psicométricas do instrumento Severity of Chronic Asthma de forma a viabilizar a sua utilização na investigação. Após a aplicação do instrumento procedeu-se a análise e estudo das propriedades psicométricas, no entanto não demonstrou qualidades necessárias para a sua validação. Neste sentido, recomenda-se a sua utilização numa perspetiva qualitativa.

Com os resultados deste estudo, devem ponderar-se alguns constrangimentos, nomeadamente, o facto de estar circunscrito a uma área geográfica e a amostra ser de carácter não probabilística e de conveniência não possibilita a generalização de resultados. O recurso a esta amostra, baseada na participação voluntária dos cuidadores e das crianças, pode ser considerado como uma potencial fonte de enviesamento dos resultados. Outro constrangimento de referir reside no facto da asma ser uma doença crónica com um valor abaixo da estimativa de prevalência em Portugal, pois em 2013 a percentagem de pessoas inscritas nos cuidados de saúde primários com o diagnóstico de asma, referenciado no seu processo clínico, era de 1,98%21, muito inferior à estimada prevalência nacional de 7,4%21, sendo estes uns indicadores claros de um subdiagnóstico da doença27. Contudo, apesar destas limitações identificadas, os resultados deste estudo enquadram-se e são consistentes com a literatura nacional e internacional, pelo que se poderá considerar que a amostra é de facto representativa.

Os dados empíricos deste estudo, mostram que é necessário uma análise crítica que vai muito para além daquilo que é estatisticamente significativo, alcançando o clinicamente significativo, pois torna-se preponderante para os profissionais de saúde, mais concretamente os Enfermeiros, pautarem a sua prática profissional de acordo com as diretrizes internacionais, como por exemplo as emitidas pela GINA, implementando instrumentos de medida que podem coadjuvar na gestão de sintomas na criança com asma, como exemplo do instrumento c-ACT. Estes resultados validam a necessidade veemente de uma intervenção de Enfermagem especializada em Reabilitação que garantam programas de intervenção na gestão de sintomas centrados na família, na criança e nas necessidades identificadas28. Um dos pilares que a Enfermagem de Reabilitação se pode fundamentar é na teoria de médio alcance Symptom Management Theory permite uma abordagem da gestão de sintomas como um processo multidimensional29. Neste modelo teórico a gestão de sintomas é focalizada em três dimensões interativas designadamente: a experiência do sintoma, as estratégias de gestão do sintoma e os resultados obtidos. Neste enquadramento o instrumento c-ACT pode ser utilizado com o intuito de melhorar a comunicação com o cuidador e com a criança, no sentido de alcançar uma compreensão da experiência vivida com os sintomas, promovendo uma janela de oportunidade no desenvolvimento de estratégias mais eficazes e com resultados mais satisfatórios.

CONCLUSÃO

A asma constitui-se como a doença crónica mais comum na infância27 e está associada a uma elevada morbilidade, sendo responsável pelo recurso a atendimentos não programados e constituindo a principal causa de internamento em crianças em Portugal30.

As características da asma, principalmente a variabilidade dos sintomas e a existência de múltiplos fatores desencadeantes e indicadores de morbilidade, exigem uma gestão de sintomas, tomada de decisões fundamentada e com sucessivas adaptações e alterações por parte da criança e do cuidador. Alicerçada nesta problemática, surge o foco de atenção da Enfermagem, tornando-se determinante a apreenção da complexidade dos fatores para o controlo da asma, existindo a veemente necessidade de programas de intervenção de gestão de sintomas.

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Recebido: 27 de Janeiro de 2019; Aceito: 21 de Fevereiro de 2019

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