INTRODUCÃO
O goleiro de handebol apresenta algumas especificidades em seu posto, sobretudo por ser considerado o último jogador a tentar evitar o gol adversário e o primeiro jogador a iniciar as ações ofensivas de sua equipe. Arias Estero (2009) destaca que o goleiro tem as suas intenções defensivas, caracterizadas pela alta concentração sobre as ações da equipe adversária, procurando manter-se bem posicionado para facilitar a sua interceptação a bola. Para Antúnez Medina, García Parra, Argudo Iturriaga, Ruiz Lara, & Arias Estero (2009, 2010c, 2010d) as habilidades específicas principais de um goleiro estão divididas em quatro: a sua posição-base; o seu controle da situação de jogo em relação ao seu posicionamento e o posicionamento da bola; os deslocamentos para executar as defesas a bola e por fim, as ações de defesa do goleiro.
Percebe-se que o posto do goleiro de handebol é influenciado por várias características e que todas elas contribuem para o seu desempenho em uma partida. A efetividade do goleiro de handebol deve ser entendida como o resultado da interação de múltiplos fatores, como as capacidades físicas, psicológicas, técnico-táticas (Espina-Agullo, Perez-Turpin, Jimenez-Olmedo, Penichet-Tomás, & Pueo, 2016) que devem ser abordadas e avaliadas ao longo do período de ensino e durante situações competitivas.
Por se tratar de um posto específico com atribuições diferentes em relação aos jogadores de quadra, torna-se importante verificar aspectos que estão relacionados ao processo de ensino e de análise dos goleiros de handebol. Nesse sentido, o desempenho do goleiro pauta-se na interação de diversas características. É preciso então, descobrir que características devem ser abordadas em uma perspectiva de longo prazo. O treinamento dos goleiros apresenta, assim, diferenças em aspectos como a especificidade das ações e, por muitas vezes, ocorre de forma separada dos jogadores de quadra.
O crescente interesse de pesquisadores por estudos envolvendo o handebol já foi abordado nas revisões sistemáticas realizadas por Aguilar (2014) e Prieto, Gómez, & Sampaio (2015). O objetivo desses estudos foi analisar a produção científica existente sobre o handebol ao longo dos anos, porém não foram apontadas perspectivas para o estabelecimento de um panorama que envolvesse os goleiros de handebol.
A revisão sistemática é um tipo de pesquisa no qual busca-se responder a uma pergunta, por meio da identificação, seleção e análise das pesquisas relevantes em uma determinada área (Galvão, Pansani, & Harrad, 2015), para identificar o estado da arte de um determinado campo de estudo, verificando a sua produção científica com base em critérios pré-estabelecidos (Sánchez-Meca, 2010). Além disso, permite identificar possíveis lacunas de pesquisa a serem exploradas pelos pesquisadores (Fernández-Rios & Buela-Casal, 2009).
Sendo o handebol um esporte mundialmente difundido, este pode ser um fator de interesse para cientistas de diferentes áreas, ao produzirem artigos/trabalhos científicos sobre esse esporte (Aguilar, 2014; Prieto et al., 2015), pois existem várias possibilidades de pesquisas. Além do grande número de pessoas envolvidas com o handebol (treinadores, atletas, dirigentes, etc.) que tem nas pesquisas desenvolvidas uma fonte de conhecimento confiável e validada cientificamente.
Toma-se como linha de base para esta revisão a temática referente ao goleiro de handebol, pautando-se nas intrínsecas relações entre treino e jogo (Garganta, 2009). Espera-se, para tanto, que seja revelado um panorama das pesquisas relacionadas às questões de ensino/treinamento do goleiro e da análise do seu desempenho em jogo. Assim, o objetivo desta revisão sistemática foi identificar o panorama dos artigos científicos publicados a partir do ano 2000 sobre a temática do ensino e da análise de jogo do goleiro de handebol.
MÉTODOS
Esta revisão sistemática foi construída a partir de uma série de procedimentos metodológicos, como a definição dos critérios de inclusão para os estudos, um método de revisão que fosse claro e que pudesse ser reproduzido, assim como a avaliação rigorosa da relação entre os critérios estabelecidos e os estudos encontrados. Por fim, a apresentação sistemática dos estudos que foram incluídos ao final da pesquisa (Higgins & Green, 2008).
Para a realização desta revisão sistemática foram consultadas diversas bases de dados online que agrupam uma grande quantidade de trabalhos acadêmicos, que se constituem como as fontes mais confiáveis para se utilizar na construção de uma revisão sistemática (Prieto et al., 2015). Nesta revisão, foram acessadas as seguintes bases de dados: Scielo, Web of Science, EBSCOHost (considerando aqui apenas a base SPORTDiscus), Lilacs, Redalyc, Scopus e Medline. Os termos descritores utilizados foram "goleiro" AND "handebol" para a língua portuguesa, "goalkeeper" AND "handball" para a língua inglesa e "portero" AND "balonmano" para a língua espanhola. Estes descritores foram pesquisados nos campos de busca "título", "palavras-chave" e "resumo" de cada base de dados.
As pesquisas nas bases de dados foram feitas nos três idiomas supracitados e cada um deles apresenta uma justificativa diferente. Os descritores em português foram utilizados para verificar a existência de trabalhos que pudessem mostrar as possibilidades de ação na formação dos goleiros de handebol no contexto brasileiro. Os descritores em inglês foram utilizados por se tratar do principal idioma de comunicação científica, sendo que a maioria dos artigos são publicados nesse idioma (Prieto et al., 2015; Volpato, 2011). Já os descritores em espanhol se justificam pelo fato da Espanha ser um dos países com maior produção científica no handebol (Prieto et al., 2015), atrelado à sua tradicional escola do esporte.
Definidas as bases de dados e os descritores em cada idioma, buscou-se estabelecer os critérios de pesquisa e de inclusão dos trabalhos na amostra desta revisão sistemática, assim constituídos:
publicações entre janeiro de 2000 e dezembro de 2017;
artigos originais com texto completo online, publicados em revistas indexadas nas bases de dados selecionadas previamente em um dos três idiomas supracitados;
artigos que tinham como temática os aspectos relacionados ao ensino/formação do goleiro de handebol e/ou aspectos relacionados à análise de jogo do respectivo posto específico.
No Quadro 1 está apresentado um resumo do número de trabalhos encontrados nas buscas feitas nas bases de dados a partir dos descritores e dos critérios de inclusão e exclusão definidos para o estudo.
Na busca inicial foram encontradas 561 ocorrências que foram separadas por base de dados. Os artigos que tiveram mais de uma ocorrência dentro da mesma base de dados, devido à busca em diferentes idiomas, foram computados apenas uma vez. A partir disso, esses artigos passaram por uma segunda fase de seleção, a partir dos seguintes critérios de exclusão: a) artigos duplicados nas buscas entre os três idiomas; b) artigos sem texto integral; c) artigos publicados em outros idiomas que não português; inglês e espanhol; d) artigos de revisão; e e) capítulos de livros, anais de congressos científicos e outros formatos que não artigo. Diante dos critérios adotados, foram excluídos 484 artigos, juntando as exclusões em todas as bases de dados pesquisadas.
Dos achados na busca inicial, restaram 77 artigos que contemplavam os critérios de inclusão. Estes foram reorganizados em planilha única, sendo classificados pelo ano de publicação em ordem decrescente e pelo nome dos autores. Assim, foi possível excluir um total de 30 artigos que se repetiram em mais de uma base de dados, pelo fato de algumas revistas serem indexadas em mais de uma base.
Na última fase de seleção dos artigos foram lidos os resumos dos 47 selecionados para verificar as relações com as temáticas desta revisão (ensino e análise de jogo do goleiro de handebol). Após a leitura dos resumos, quando a dúvida persistiu, o pesquisador procedeu a leitura do artigo completo. Ao final desta fase foram excluídos 15 artigos que, embora tenham investigado o goleiro de handebol, abordavam outras características, como as psicológicas, as avaliações dos esforços, as variáveis fisiológicas em contexto de jogo, as variações antropométricas e os padrões biomecânicos em diferentes ações de defesa.
Ao final do processo de seleção foram selecionados 32 artigos, dos quais foi realizada a análise dos dados bibliométricos (Prieto et al., 2015), considerando os seguintes critérios: artigos publicados por ano, número de autores por artigo, países das universidades do primeiro autor, idioma de publicação e quantidade de artigos publicados sobre cada uma das temáticas centrais desta revisão sistemática, sendo o ensino e a análise de jogo do goleiro de handebol. Apesar da relação íntima entre treino e jogo (Garganta, 2009), o ensino e a análise de jogo são áreas de pesquisa com características diferentes, as quais podem abordar vários aspectos importantes e complementares. Optou-se, portanto, por separar os artigos por temática para identificar o panorama das publicações de cada área e as possíveis contribuições para a formação do goleiro handebol.
Posteriormente, partiu-se de uma abordagem qualitativa para analisar as temáticas centrais desta revisão, de acordo com os seguintes critérios: o subtema principal do trabalho (ensino ou análise de jogo), se os estudos tiveram ou não intervenção, a identificação da amostra/faixa etária, assim como das diferentes áreas de pesquisa contempladas nos estudos, analisando os métodos e as variáveis utilizadas. O objetivo dessa análise qualitativa foi identificar as características dos estudos e apontar as principais tendências de pesquisa.
RESULTADOS
Na Figura 1 está apresentada a frequência de artigos publicados ao longo do período analisado (2000 a 2017).
Na Figura 2 estão apresentados os resultados da análise do número de autores por artigo. A partir dessa informação, a Figura 3 apresenta a média de autores por artigo ao longo dos anos analisados.
Na Figura 4 estão apresentados os países das universidades dos primeiros autores de cada artigo selecionado. A Figura 5 apresenta a porcentagem dos idiomas mais utilizados na escrita dos artigos que foram selecionados.
Na Figura 6 apresenta-se o número de artigos divididos entre as duas temáticas centrais desta revisão sistemática, o ensino e a análise de jogo do goleiro de handebol, no qual destaca-se maior frequência de pesquisas relacionadas à análise de jogo.
DISCUSIÓN
O objetivo desta revisão sistemática foi identificar um panorama dos artigos sobre o ensino e a análise do goleiro de handebol. Nossos achados mostram que, após a seleção final dos 32 artigos originais, o interesse pelas temáticas pesquisadas nas bases consultadas ainda é recente. Considerando que a pesquisa teve um recorte temporal dos anos 2000 até 2017, o primeiro artigo que contemplou os critérios de inclusão só foi publicado em 2009 (Antúnez Medina et al., 2009).
A partir de 2010 nota-se aumento da produção de artigos, corroborando os achados de (Prieto et al., 2015), porém tal aumento ocorre de forma irregular, alternado com períodos de diminuição na produção. Essa tendência parece se repetir atualmente, visto que nos anos de 2015 e 2016 foram publicados 12 artigos e em 2017 foram publicados apenas três artigos. Observa-se, de modo geral, que ao longo do tempo há um aumento do interesse da comunidade acadêmica em pesquisas sobre as temáticas de ensino e análise de jogo do goleiro de handebol.
Sobre o número de autores por artigo, observou-se um alto percentual em artigos com 3, 4 e 5 autores, representando 75% do analisado. No entanto, ao contrário do que se observou sobre o crescimento da produção acadêmica nestas temáticas, quando a análise se referiu à média de autores por artigo ao longo dos anos percebeu-se uma diminuição desse índice. Esse resultado difere dos achados de Prieto et al. (2015) e da maioria dos estudos da área de ciências do esporte (Valcárcel, Devís-Devís, Villamón, & Peiró-Velert, 2010).
Diante desses achados não é possível afirmar que há menos autores interessados, quando o número de publicações apresenta um aumento, porém a hipótese para este resultado pode estar relacionada com a formação de novos grupos de trabalho que investigam a temática em diferentes centros de pesquisa, e que possivelmente estejam iniciando as pesquisas em grupos menores. Tal hipótese pode ser sustentada a partir dos resultados encontrados sobre os países das universidades do primeiro autor, considerado como o principal (Prieto et al., 2015). Os resultados apontaram que 37.5% dos artigos selecionados foram produzidos na Espanha, que aparece como o país com maior percentual de estudos sobre as temáticas investigadas, demonstrando a tradição desse país no handebol. Ao todo, 13 países foram identificados, sendo nove europeus, dois asiáticos, um da Oceania e um sul-americano, refletindo a popularidade que o handebol tem no continente europeu. Destaca-se o fato de que não foram encontrados artigos originais do Brasil, considerando o país da universidade do autor principal, o que aponta uma lacuna na literatura brasileira sobre a formação do goleiro de handebol.
Em relação aos idiomas das publicações científicas, apesar de a Espanha ser o país com maior número de publicações desta revisão, a língua inglesa foi predominante (65.6%), seguida pela espanhola (31.3%). Esses achados reafirmam a posição do inglês como principal idioma referente às comunicações científicas (Volpato, 2011) e a necessidade e a importância das buscas também em língua espanhola, dada à tradição da Espanha no handebol. Destaca-se que apenas 3.1% dos artigos foram publicados em língua portuguesa (provenientes de Universidades de Portugal), reforçando a lacuna no cenário brasileiro mencionada anteriormente, bem como o acesso a esse tipo de informação pelos treinadores do país.
Como as temáticas centrais desta revisão sistemática foram o ensino e a análise de jogo do goleiro de handebol, os 32 artigos selecionados foram subdivididos nessas duas categorias, totalizando 21 artigos sobre a análise de jogo e 11 artigos sobre o ensino do goleiro de handebol, cujos panoramas estão apresentados a seguir.
Estudos sobre análise de jogo e o goleiro de handebol
Wright, Carling, & Collins (2014) entendem a análise de jogo como o estudo dos comportamentos (de jogadores e equipes) que ocorrem em jogo. Esses comportamentos podem ser identificados por meio de diversas variáveis de natureza técnica, tática, de preparação física e de preparação psicológica, seja em contexto de treino ou de jogo (Menezes & Reis, 2010). Considerando a íntima relação entre treino e jogo (Garganta, 2009), os artigos que contemplaram a temática da análise de jogo do goleiro de handebol estão apresentados no Quadro 2.
Os resultados apontaram que 95.23% dos artigos sobre análise de jogo do goleiro de handebol possuem abordagem quantitativa e 4.77% (um estudo) apresentou abordagem mista. Em relação à intervenção dos estudos, 47.61 % optaram por uma intervenção direta sobre a amostra a partir de diferentes métodos, enquanto 52.3% não apresentaram algum tipo de intervenção.
Sobre a composição das amostras dos estudos, 80.95% analisaram atletas adultos masculinos, preferencialmente com experiência em nível nacional e/ou internacional. Também houve estudos com a presença da categoria adulta feminina (14.28%), também com experiência em nível nacional e/ou internacional, corroborando a preferência por amostras com atletas de elite também em outros esportes, como o basquetebol (Díez Flórez, González, & Hernández, 2014)
A comparação entre goleiros experientes e não-goleiros (sem experiência prévia) também foi adotada em dois artigos (Javier-Rojas, Gutierrez-Davila, Ortega, Campos, & Párraga, 2012; Loffing, Sölter, Hagemann, & Strauss, 2015) com o objetivo de comparar o nível de experiência entre diferentes grupos. Chama-se a atenção para o fato de que não houve estudos com goleiros de categorias de formação, indicando a preferência pela categoria adulta e uma lacuna em relação aos jovens goleiros.
De maneira geral, a maioria dos estudos (66.6%) centrou seu interesse na eficácia durante a competição e apoiou-se em diferentes métodos. O método de análise notacional foi o mais utilizado nos estudos selecionados, seja in loco ou a partir de vídeos dos jogos (González Ramíres, Bermúdez Pirez, Martínez Martin, & Chirosa Ríos, 2017; Hansen et al., 2017). Outro tipo de análise se baseou nas súmulas e estatísticas oficiais da Federação Internacional de Handebol (IHF) (Bilge, 2012; Calin, 2015; Skarbalius, Pukenas, & Vidunaite, 2013). De modo geral, entende-se que a alta eficácia do goleiro é um importante indicador de performance (González Ramírez, 2016) para que a sua equipe tenha um bom desempenho e tenha mais chances de vencer uma partida (Leuciuc, Pricop, Grosu, & Pacuraru, 2016).
Apesar de ser um indicador que pouco mudou nos últimos anos (Espina-Agullo et al., 2016), ainda é utilizado como um dos principais preditores de vitória de uma equipe, em competições internacionais (Bilge, 2012) e nacionais (Blanco, Ibáñez, Antúnez Medina, & Hernández-Mendo, 2015), especialmente em situações específicas, como quando o jogo é em casa (Lago-Peñas, Miguel Gómez, Viaño, Gonzáles-Garcia, & Fernándes-Villarino, 2013), em relação aos tipos de arremesso (Foretic, Rogulj, & Papic, 2013), as situações de colaboração entre defensores e goleiro (Sousa, Prudente, Sequeira, López-López, & Hernández-Mendo, 2015) e nos últimos 10 minutos de jogo (Teles & Volossovitch, 2015).
Destacando a importância da eficácia para o desempenho do goleiro de handebol, dois trabalhos de um mesmo grupo de autores desenvolveram uma proposta de treinamento para melhorar a eficácia de duas goleiras de handebol em competição (Antúnez Medina, García Parra, Argudo Iturriaga, Ruiz Lara, & Arias Estero, 2010a, 2010b). Baseado nas capacidades de percepção e antecipação do goleiro, visando melhorar a sua tomada de decisão, verificou-se que a eficácia das goleiras melhorou durante a aplicação desta proposta de treinamento e que manteve os índices de eficácia atingidos, mesmo após o período em que foi feito esse treinamento.
Além dos estudos de eficácia outros assuntos se mostraram interessantes para os pesquisadores, como as análises biomecânicas do goleiro diante de arremessos de longa distância (9m). As principais considerações apontam que os goleiros experientes conseguem identificar o lado do arremesso de acordo com a trajetória dos atacantes (Javier-Rojas et al., 2012) e que os sinais e estratégias utilizados pelos goleiros mais experientes para identificar, por exemplo, a altura do arremesso, são percebidos momentos antes da bola sair da mão do atacante (Gutierrez-Davila, Javier- Rojas, Ortega, Campos, & Parraga, 2011). Além disso, em um estudo com a categoria sub-18, identificou-se que a oposição do goleiro no gol, relacionada com o seu posicionamento, causa interferência na precisão de arremesso dos atacantes (Jesús Rivilla-García, Navarro Valdivieso, & Sampedro Molinuevo, 2011). Isto indica que, quanto antes os goleiros conseguirem perceber a direção do arremesso, mais cedo eles poderão se posicionar e ter vantagens sobre o jogador atacante, induzindo-o a decidir o seu arremesso de maneira mais rápida, o que pode diminuir a sua precisão e ajuda a aumentar a eficácia do goleiro.
Os artigos que utilizaram testes motores centraram seu interesse na capacidade perceptiva visual dos goleiros de handebol, com o objetivo de identificar os estímulos relevantes para antecipar o resultado do arremesso. Este tema encontrado nos artigos desta revisão sistemática, também foi apontado como um dos principais temas de interesse em artigos que estudavam o goleiro de futebol (Garcia-Angulo & Ortega, 2015). Nos artigos com o handebol, por meio de vídeos com arremessos de 7m, os resultados dos estudos apontam que apesar de olharem normalmente para o mesmo estímulo, os goleiros experientes conseguem antecipar mais rápido e de forma mais precisa o arremesso (Jesus Rivilla-García, Muñoz Noval, Grande Rodriguez, Sanchís Almenara, & Sampedro Molinuevo, 2013).
Um dos artigos, voltado à análise de parâmetros fisiológicos, utilizou a frequência cardíaca e o tempo de jogo efetivo para determinar as zonas de esforço em cada um dos postos específicos do handebol (Karpan, Skof, Bon, & Sibila, 2015). Percebeu-se que os goleiros passam a maior parte do jogo em zonas de esforço moderado, porém as ações de defesa estão concentradas em zonas de esforço máximo.
Nos artigos selecionados sobre análise de jogo do goleiro de handebol foi observada uma predominância na utilização de abordagens quantitativas de pesquisa. Diversos aspectos são analisados nos estudos, contribuindo para a compreensão de diversos aspectos relacionados com a formação, com o treinamento do goleiro e com a quantificação do seu desempenho. Em contrapartida, há uma escassez de trabalhos com abordagem qualitativa, que também poderiam contribuir para o desenvolvimento das pesquisas sobre o goleiro de handebol.
Estudos sobre ensino do goleiro de handebol
O goleiro de handebol é um posto específico que pode influenciar o resultado de uma partida e tem em seu processo de formação diversos aspectos como a sua posição-base, as técnicas de defesa e a sua concentração em jogo, que são alguns exemplos de suas características a serem treinadas para que se atinja um bom nível de desempenho (Arias Estero, 2009; Pascual Fuertes, Lago-Peñas, & Casáis-Martinez, 2010).
Considerando a inexorável relação entre ensino e treino (Greco, 2001), é fundamental conhecer as características do posto específico em cada etapa da formação dos goleiros em diferentes faixas etárias/níveis de rendimento (Sá, Gomes, Saavedra, & José Fernandez, 2015). Desse modo será possível sistematizar o treinamento para estimular os goleiros a desenvolver as capacidades necessárias para um bom desempenho durante as situações apresentadas no jogo (Greco, 2001).
Os achados desta pesquisa revelaram um número escasso de trabalhos quando comparados com outras revisões no handebol (Aguilar, 2014; Prieto et al., 2015), sendo o ensino uma temática ainda pouco explorada pela literatura. No Quadro 3 estão apresentadas as características dos artigos incluídos na amostra.
Dos estudos selecionados nesta temática, 72.7% adotaram abordagem quantitativa, 9.1% abordagem qualitativa e 18.2% abordagem mista. Os estudos quantitativos apresentaram diversos tipos de intervenções, desde a aplicação de testes motores e aplicação de um tipo de treino e a sua comparação com um grupo controle em relação ao resultado desse treino. O estudo qualitativo utilizou uma entrevista semiestruturada com atletas (Sá et al., 2015) e o estudo misto baseou-se na aplicação de uma proposta de treino em conjunto com um questionário (Abernethy, Schorer, Jackson, & Hagemann, 2012).
Em relação à composição das amostras dos estudos selecionados observou-se a preferência pela categoria adulta masculina, com experiências de atuação no alto nível do handebol, tendo disputado competições nacionais e internacionais (81.8%). Essa preferência pode estar relacionada ao fato de representarem o mais alto nível competitivo, o qual torna-se referência sobre as habilidades e sobre os processos que os levaram até o alto rendimento, servindo de parâmetros para as categorias mais jovens (Sá et al., 2015) assim como apontado nos estudos sobre análise de jogo. Alguns dos estudos selecionados também apresentaram a divisão em grupos de goleiros experientes e grupos de "não-goleiros", sem experiência prévia (Cañal-Bruland, van der Kamp, & van Kesteren, 2010; Loffing & Hagemann, 2014). A experiência é apontada como uma das razões em conjunto com o tempo de prática, que explicam a melhora do rendimento do goleiro em competição (Sá et al., 2015).
Destaca-se que apenas três estudos utilizaram uma amostra composta pela categoria adulta feminina comparando as goleiras que atuavam a nível nacional e internacional (Antúnez Medina et al., 2009, 2010c, 2010d). Estudos como os de Loffing & Hagemann (2014) e Abernethy et al. (2012) utilizaram amostras masculinas e femininas, comparando o nível de experiência na execução de diferentes tarefas. Apesar da pouca presença de estudos com goleiras, os resultados das variáveis analisadas não apontaram diferenças entre o sexo masculino e feminino (Loffing & Hagemann, 2014), mas que a qualidade do processo de ensino dos goleiros que determina o desempenho em situação de jogo.
Apenas um estudo enfatizou as categorias de formação. Alsharji & Wade (2016) compararam a percepção e a antecipação em tiros de 7m entre goleiros adultos e um grupo de goleiros da categoria sub-18 a partir de vídeos, nos quais os goleiros deveriam indicar as informações que consideravam importantes para antecipar as ações do atacante no momento da cobrança.
A partir dos resultados encontrados verificou-se uma lacuna nos estudos com goleiros jovens. Apesar disso, existem alguns trabalhos de revisão que discutiram alguns temas sobre o treinamento com goleiros jovens. A revisão feita por Acero Gómez (2007) procurou apresentar propostas de treinamento do goleiro de handebol para as categorias jovens. Já Romero Novoa (2012), ao fazer uma revisão sobre as capacidades de percepção e antecipação do goleiro de handebol, apresentou propostas de exercícios direcionados para as categorias jovens. Em ambos os trabalhos foi destacado que o treinamento do goleiro deve ser adequado para a faixa etária correspondente e não somente uma reprodução do que se faz na categoria adulta (Acero Gómez, 2007; Romero Novoa, 2012).
Os artigos selecionados nesta pesquisa investigaram três grandes grupos de variáveis: o desempenho em testes motores, as características dos goleiros e os efeitos do treinamento em diferentes variáveis do desempenho. Nos artigos que avaliaram o desempenho em testes motores, os métodos mais utilizados foram testes de vídeo para a percepção dos sinais relevantes na antecipação do resultado de uma cobrança de 7m pelos goleiros (Alsharji & Wade, 2016; Cañal-Bruland et al., 2010; Loffing & Hagemann, 2014). Alguns artigos utilizaram baterias de testes motores para estabelecer uma relação entre esses e a capacidade técnica dos goleiros (Pori, Šibila, Justin, Kajtna, & Pori, 2012), comparando as diferenças entre goleiros experientes e novatos (Helm, Reiser, & Munzert, 2016).
No caso dos testes motores, os resultados encontrados apontaram que não houve relação direta entre esses e a capacidade técnica dos goleiros de handebol, sugerindo que outras características como a capacidade de percepção e antecipação podem influenciar no seu desempenho (Pori et al., 2012). Outro resultado encontrado foi o de que o tempo de reação dos goleiros melhora, quanto melhor for o seu repertório motor e sua capacidade de perceber os estímulos relevantes da ação do atacante em posse de bola (Helm et al., 2016).
Em relação aos testes de vídeo, foram utilizados em uma situação específica como a cobrança de 7m e, nesse caso, confirmaram o que foi sugerido nos estudos com testes motores: há uma íntima ligação entre a qualidade do repertório motor e a capacidade de perceber os estímulos relevantes da situação de jogo no desempenho dos goleiros em antecipar mais rápido e com maior precisão o resultado das cobranças de 7m, especialmente as cobranças diretas, mas com melhora destacada também nas cobranças com fintas dos atacantes (Alsharji & Wade, 2016; Cañal-Bruland et al., 2010; Loffing & Hagemann, 2014). Pelas razões apresentadas é destacada a importância da construção de experiências em longo prazo (Loffing & Hagemann, 2014).
Os artigos apresentados sugerem que deve haver um treinamento de habilidades motoras específicas com os goleiros (Helm et al., 2016) e também um treinamento de capacidades como a percepção e antecipação pautando-se nos movimentos dos atacantes no momento do arremesso (Alsharji & Wade, 2016; Loffing & Hagemann, 2014).
Sobre os artigos que pesquisaram o efeito do treinamento em diferentes variáveis, três artigos de um mesmo grupo de autores (Antúnez Medina et al., 2009, 2010c, 2010d) aplicaram uma proposta de treinamento da capacidade de percepção do goleiro de handebol, diante de diferentes estímulos, em situação de jogo. Os resultados apontaram que o treinamento perceptivo aplicado foi importante para a melhora do desempenho das goleiras em situação de jogo. Já no artigo mais recente sobre a temática, foi desenvolvida uma proposta de sistematização do treinamento de equilíbrio para o goleiro de handebol (Cătălin & Ion, 2017). O artigo apontou que o treinamento dessa capacidade deve ser feito de maneira individualizada pelo goleiro, buscando inserir elementos técnico-táticos nos exercícios para que se aproximem da situação real de jogo.
Em relação ao tema das características dos goleiros de handebol, houve apenas o artigo de (Sá et al., 2015) que realizou uma entrevista semiestruturada com goleiros de handebol de nível internacional, para identificar as características importantes para a sua formação e para a atuação em alto nível. A síntese dos resultados aponta a importância da interação entre o treinamento de diferentes capacidades físicas, técnico-táticas e psicológicas desde que seja feita pelo prazer da criança, motivando-a a continuar a treinar como goleiro (Sá et al., 2015). Sobre esse aspecto, o trabalho de revisão feito por Muñoz Moreno, Martín Redondo, Lorenzo Calvo, & Rivilla-García (2012) que pesquisou diversas propostas de treinamento para o goleiro de handebol, corrobora os achados apresentados anteriormente, os quais apontam uma interação entre as capacidades desenvolvidas adequadas de acordo com a faixa etária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a busca pelos artigos nas bases de dados e a seleção final de 32 artigos originais, verificou-se que o interesse pela temática é recente (com o primeiro estudo publicado em 2007), sugerindo que há um vasto campo a ser explorado.
Percebeu-se que houve um crescimento na produção científica sobre essas temáticas do goleiro de handebol, especialmente a partir de 2010. Além disso, os resultados apontam para uma possível disseminação de novos grupos de trabalho em vários países. Todavia, foi verificada uma hegemonia espanhola na produção acadêmica sobre o goleiro de handebol, mesmo com o inglês ainda sendo o principal idioma utilizado, corroborando trabalhos anteriores (Aguilar, 2014; Prieto et al., 2015). Há, sobretudo na literatura brasileira, uma lacuna referente à publicação de artigos originais sobre a formação do goleiro de handebol.
Observou-se resultados semelhantes para as duas áreas de interesse (análise de jogo / ensino), relacionadas à preferência pela pesquisa quantitativa e atletas adultos de alto nível. Dessa forma, há duas importantes lacunas: as pesquisas com atletas de categorias jovens e as pesquisas com os treinadores.
A primeira lacuna deve-se à preferência por atletas adultos de alto nível, uma vez que estes representam, em tese, o melhor nível de desempenho dentro de um determinado esporte como o handebol. É preciso continuar a estudar o alto nível para fornecer subsídios para o treinamento de alto nível. No entanto, a lacuna de estudos com goleiros jovens, dificulta a contextualização das características importantes para se formar um goleiro em diferentes faixas etárias ao longo do processo de formação esportiva. Dessa forma, com poucos estudos, muitos treinadores podem acabar reproduzindo os modelos de treinamento adultos nas categorias jovens, prejudicando a sua formação. Nesse âmbito destaca-se que o atleta passa por diferentes etapas até alcançar a elite do esporte, da iniciação às etapas de desenvolvimento (Torregrosa, Chamorro, & Ramis, 2016).
A segunda lacuna se dá pelo fato de não haver estudos que consideraram a opinião dos treinadores sobre o ensino ou análise de jogo do goleiro de handebol. Acredita-se que, uma vez que estes irão atuar na prática com os atletas e são importantes personagens no processo de formação esportiva, as suas opiniões e experiências enquanto treinadores, em diferentes categorias, seriam importantes para melhor contextualizar as eventuais características, propostas de treinamento e modelos de análise de jogo que possam surgir, de maneira prática e realista com as suas condições de trabalho.
Espera-se que esta revisão sistemática possa ser utilizada por pesquisadores para suscitar problemas relacionados às categorias jovens, estimulando o crescimento das pesquisas que envolvam a formação dos goleiros considerando as diferentes faixas etárias, bem como o desenvolvimento de pesquisas que possam integrar a opinião dos treinadores às perspectivas de ensino e análise de jogo do goleiro de handebol.
Como limitação do estudo aponta-se que existem revistas e jornais científicos que não estão indexados nas bases de dados pesquisadas, dessa forma alguns artigos podem não ter sido incluídos na amostra desta revisão sistemática.