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Enfermería Global
versión On-line ISSN 1695-6141
Enferm. glob. vol.19 no.58 Murcia abr. 2020 Epub 18-Mayo-2020
https://dx.doi.org/eglobal.389381
Originais
Caracterização de usuários de drogas psicoativas residentes em comunidades terapêuticas no Brasil
1Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Universitário do Araguaia (CUA) e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Brasil.
2Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Campus Universitário do Araguaia (CUA). Brasil.
3Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT) Campus Tangará da Serra. Brasil.
4Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Brasil.
Introdução
O consumo de drogas psicoativas está cada vez mais crescente, de forma precoce e abusiva, causando dependência química. Essa dependência requer tratamento e controle. Um dos locais disponíveis no Brasil para esse acolhimento é o serviço de comunidade terapêutica.
Objetivo
Identificar o perfil dos usuários de drogas psicoativas residentes em comunidades terapêuticas.
Métodos
Estudo transversal, descritivo quantitativo, realizado com usuários de drogas de três comunidade terapêutica, localizadas no interior da região Centro-Oeste Brasileira. Para a coleta de dados utilizou-se um questionário semiestruturado cuja respostas foram lançados e analisados no programa BioEstat versão 5.0, após aprovação ética da Universidade de São Paulo, sob parecer nº 2.487.000.
Resultados
Participaram 21 homens, adultos jovens, solteiros, com baixa escolaridade, desempregado e com religião. O uso de drogas foi precoce, por meio do álcool, tabaco e da maconha, usado por influência de amigos e curiosidade. Houve histórico de múltiplas internações para tratar a dependência química, sendo a comunidade terapêutica o serviço mais procurado. O conflito familiar, a perda do trabalho renumerado e os problemas com a saúde mental, assim como a maneira em que o usuário considera o tratamento recebido e a vontade de usar drogas durante o tratamento apresentaram forte associação com o consumo de drogas.
Conclusão
Conhecer o perfil dos usuários de drogas pode subsidiar ações de saúde voltadas a atender as demandas integrais dos usuários, contribuindo com a elaboração de políticas públicas e estratégias de reabilitação que contribua com a adesão ao tratamento.
Palavras-chave: Usuários de Drogas; Saúde mental; Transtornos do Abuso de Substâncias
INTRODUÇÃO
Mundialmente tem se observado que o consumo de drogas está cada vez mais crescente, de forma precoce e abusiva. Particularmente, as drogas ilícitas são vislumbradas como motivo constante de pesquisa e intervenção, porém as demais drogas, com destaque o álcool, possui o maior consumo registrado nas Américas e consequentemente responsável pelos maiores danos e complicações1.
O consumo aumentado vem causando dependência química em várias faixas etárias, sexo e configurações familiares. A dependência química é considerada uma doença crônica e multifatorial, que provoca alterações cerebrais, desafiando o equilíbrio do comportamento social e o autocontrole para manter a sobriedade. E requer tratamento e acompanhamento por um longo período2.
No Brasil, um dos locais existentes voltado ao tratamento dessa dependência são as Comunidades Terapêuticas (CT), apesar de pesquisadores desaconselharem essa forma de cuidado3. São entendidas como modelo de atenção coletiva/comunitária, destinada a usuários que fazem uso de drogas psicoativas de forma abusiva, porém, em condições clínicas estáveis e tem como terapêutica a mudança de comportamento e de crenças4.
Embora as comunidades terapêuticas estejam espalhadas pelo mundo, tem se tornado um desafio cuidar desse perfil de pessoas, associado a diversidade de histórias e contextos de vida. Para que esse cuidado possa atender as necessidades de seus usuários, os projetos terapêuticos precisam ser estabelecidos e alguns aspectos são necessários no direcionamento do cuidado personalizado a ser realizado, como considerar o perfil dos usuários5.
Assim, o estudo foi desenvolvido de acordo com a questão norteadora que foi “Qual o perfil dos usuários de drogas psicoativas residentes em comunidades terapêuticas? O objetivo desta pesquisa foi identificar o perfil dos usuários de drogas psicoativas residentes em comunidades terapêuticas.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo transversal, descritivo e com abordagem quantitativa, realizado em três comunidades terapêuticas localizadas no interior da região centro-oeste brasileira, no período de março a maio de 2018. A escolha dessas CT foi por conveniência, seguindo os critérios ocorreu pela similaridade na modalidade de recuperação masculinas e por serem consideradas unidades de referência para a região do Vale do Araguaia.
A população da pesquisa foi composta por 29 homens residentes nestas CT. A amostra foi por conveniência, tendo como critérios de inclusão, ser maior de 18 anos, residentes pelo menos a uma semana em uma das três CT. Foram excluídos indivíduos que não se encontravam na CT nas últimas 24h por motivo de abandono do tratamento ou por saída temporária para consultas médica e judicial. Após aplicação desses critérios, atingiu-se uma amostra de 21 usuários.
A coleta de dados ocorreu por entrevista com roteiro semiestruturado, composto por questões objetivas sobre aspectos sociodemográficos (sexo, idade, estado civil, escolaridade, etnia, renda familiar, profissão e religião) e que abordaram o perfil do consumo de drogas psicoativas, consequências do consumo e o tipo de tratamento recebido na CT.
Os dados foram organizados e processados no programa Microsoft Excel 2013 e analisados por estatística descritiva pelo programa Bioestat versão 5.0, por meio da análise de correlação “Coeficiente de Contingencia C” (resultado de C=0, determina que não há associação entre as variáveis, quando C≠0, determina que há associação entre duas variáveis (0.1 fraca, 0.1 a 0.3 moderada e >0.3 forte), sendo o nível de significância adotado de 5% (p=0,05)6.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil, sob CAAE: 68444017.8.0000.5393 e parecer nº 2.487.000, tendo sido respeitado rigorosamente todos os princípios e diretrizes éticas de pesquisa envolvendo seres humanos, em atendimento a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes aceitaram participar assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Na Tabela 1, verifica-se que os participantes do estudo possuíam faixa etária entre 19 a 61 anos, com média de idade de 37,57 anos e que se autodeclararam como pardos (62%). Houve maior distribuição de usuários com idade entre 19 a 39 anos (57%), solteiros (62%), tendo cursado de forma completa/incompleta o ensino fundamental (67%), desempregados (82%), sem renda familiar (57%) e com religião (86%).
Quanto ao consumo de drogas psicoativas, a Tabela 2aponta que 76% dos participantes reportaram histórico familiar desse consumo, ocorrendo por parte de parente de primeiro grau (8) e segundo grau (8). O consumo de drogas psicoativas iniciou-se entre 11 a 18 anos (84%), sendo o álcool (48%) a droga de primeira escolha, seguida do tabaco (24%) e da maconha (19%), usada por influência de amigos (48%) e curiosidade (43%). Anterior ao tratamento a droga de maior consumo, ou seja, que contribuiu para o processo de dependência na perspectiva dos usuários foi o crack (48%), seguida do álcool (28%).
Quanto as características relacionadas ao tratamento recebido, a amostra foi composta majoritariamente por usuários que buscaram o tratamento de forma voluntária (67%), com histórico de múltiplas internações para tratar a dependência química (67%), com mais de duas internações (67%), sendo a comunidade terapêutica o serviço mais procurado como recurso de tratamento (63%). Quando necessário cuidados de saúde os usuários eram acolhidos por serviços vinculados a Rede de Atenção Psicossocial - RAPS (96%), entre eles a Estratégia de Saúde da Família (ESF), o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS AD) e Hospital público (Tabela 2).
*Os usuários podiam assinalar mais de uma alternativa referente ao local que já buscaram para tratar a dependência de drogas (N=19). CAPS AD: Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas; ESF: Estratégia de Saúde da Família
No que diz respeito as consequências do consumo de drogas entre os participantes o teste de associação revelou uma forte relação entre o conflito familiar (C=0,408), a perda do trabalho renumerado (C=0,417) e os problemas com a saúde mental (C= 0,322), enquanto que as demais variáveis testadas apontou para uma relação menos expressiva (moderada ou fraca) entre a dificuldade de aprendizado (C= 0,270), problemas com a justiça (C= 0,152), abandono dos estudos (C= 0,015), prejuízos materiais e financeiros (C= 0,195), envolvimento em brigas (C= 0,015) e problemas com a saúde física (C=0,195).
Na Tabela 3observa-se uma forte relação com a forma que o usuário considera o tratamento recebido (C=0,500, p=0,047) e a vontade de usar drogas durante o tratamento atual (C=0,500, p=0,047), associação não identificada com a mesma expressividade entre as demais variáveis (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Para iniciar a discussão fez-se um levantamento na base de dados Scielo (www.scielo.org) em busca de localizar artigos que pudessem contribuir com essa fase da pesquisa que abordassem sobre comunidades terapêuticas e usuários de comunidade terapêutica. Um total de 109 artigos considerados potencialmente relevantes foram encontrados e apreciados através de seus títulos e resumos, independente do ano, país e língua publicada. Deste total, seis foram incluídos para compor os quadros 1 e 2 de comparação, por apresentar em seu conteúdo dados referentes ao perfil dos participantes. Outros estudos também foram utilizados para sustentar esta discussão.
As comparações da presente pesquisa com outros estudos são aproximadas, uma vez que não se encontrou padronização quanto as variáveis investigadas. É necessário considerar que não foi possível encontrar investigação que apontassem delineamento próximo aos resultados aqui apresentados, quanto ao tipo de instituição participante, ao número de instituições investigadas e ao tamanho da amostra.
Observou-se ainda, uma ausência de padronização entre as categorias que definem a faixa etária, a escolaridade e a cor da pele. Portanto, são muitas as diferenças e em função disso, buscou-se fazer a aproximações com os dados do presente estudo e para que fique mais evidente, foi elaborado um quadro de síntese com os principais resultados verificados deste e de outras pesquisas (Quadro 1).
*Brasil (BR); Rio Grande do Sul (RS); Minas Gerais (MG); México (MEX); Rio Grande do Norte (RN); Ceará (CE).
Em termo de idade como não foi encontrado uma padronização, optou-se por utilizar a média de idade que ficou entre 287e 37,57 anos, intervalo de tempo em que as pessoas são consideradas como adulto-jovem, cheio de força e vitalidade.
No que se refere ao estado civil evidenciou-se a predominância de usuários solteiros em Tijuana (MEX)8, no Rio Grande do Sul (BR)9, em Minas Gerais10e no Rio Grande do Norte (BR)11, o que corrobora com os achados dessa pesquisa. Ambos os dados revelam a dificuldade desses usuários estabelecerem ou manterem relacionamentos, dificuldade desses usuários na formação de vínculos afetivos, o que compromete seus vínculos sociais.
A respeito da cor da pele também as semelhanças são parciais, dado que categorizaram de diferentes tipos essa informação. Entre os estudos que informaram, houve aproximações com pesquisas de Minas Gerais10e do Rio Grande do Norte11, apontando predomínio de pessoas autodeclaradas como pardas.
Quanto a escolaridade, embora os dados apresentaram um padrão similar, pode-se afirmar que corroboram com o presente estudo, ao revelarem predomínio de pouca escolarização entre usuários do Rio Grande do Sul (BR)9, Ceará7, México8e Nepal12. Ambos os dados mostram que as amostras investigadas consistem de pessoas com baixa escolaridade, o que acaba refletindo na pouca profissionalização e consequentemente em melhores oportunidades de trabalho.
A maioria dos usuários de drogas psicoativas apresentaram ausência de renda mensal, bem como ausência de emprego fixo. Estudo realizado no Rio Grande do Sul9mencionou que essa população não encontra em condições de contribuir economicamente com a sociedade, o que prejudica o crescimento do país e pelo contrário, tornam um custo elevado para o setor de saúde em decorrência de gastos com o tratamento da dependência e das comorbidades.
Quanto à crença religiosidade, apenas três pesquisas mencionaram esse dado8 9 10, mostrando que a religião protestante foi a mais autorreferida, assim como no presente estudo. Infere-se que tal informação possam estar relacionada com a crença professada pelas comunidades terapêutica em que se tratam os participantes, não podendo afirmar que esses usuários praticam suas crenças.
Sobre as características sociodemográficas, percebe-se que independente da região e país manteve-se o perfil de usuários. Esse cenário aponta para pessoas que sofrem prejuízos de várias ordens. Isso deve-se ao fato de que o consumo abusivo de drogas traz prejuízos não somente no aspecto social, como frequentemente referido por autores em documentos que mencionam políticas públicas13.
Além de compreender quem são os usuários baseado em seu contexto de vida, identificar o perfil dessa população pode facilitar o entendimento das condições sociodemográficos e o contexto social onde os mesmos estão inseridos, para pensar em implementar alternativas auspiciosas de reabilitação, interferindo no planejamento da assistência e no desfecho de tratamento, o que pode contribuir para a sua adesão9 14.
O quadro síntese 2, revela que quanto ao consumo de drogas, a comparação do presente estudo com outras pesquisas, demonstrou que nenhum ou poucos deles investigaram a presença do histórico familiar para uso de drogas, e/ou a primeira droga de uso e/ou o motivo que levou ao consumo7 8 9 10 12.
*Brasil (BR); Rio Grande do Sul (RS); Minas Gerais (MG); México (MEX); Rio Grande do Norte (RN); Ceará (CE).
No presente estudo os usuários reportaram o uso de drogas psicoativas por algum membro familiar. Ter um membro familiar envolvido com drogas pode predispor a um aumento para o consumo por outros membros familiares, o que torna fator agravante15 16. Por outro lado, a família também tem sido considerada como um fator protetor ao uso de drogas, desde que desenvolva um papel de acompanhamento de seus membros, dando suporte, participando de atividades em coletivo e tendo convivência diária saudável17 18.
Consumir drogas nesta pesquisa esteve motivado pelos pares, assim como também essa influência esteve presente em um estudo realizado no norte do Brasil, que considerou que esse consumo inicial se deu pela interação de grupos que as pessoas faziam parte, atrelado a aceitação em grupos sociais e desta forma, aparentemente exercendo uma influência direta no processo de interação sociocultural entre os indivíduos que compõem um grupo17.
O início precoce ao uso de drogas foi comum neste e em outras pesquisas10 11. Assim como reportado entre usuários de três comunidades terapêuticas em Minas Gerais19(BR), onde a primeira droga consumida foi o álcool aos 14,3 anos, seguido pela maconha aos 21,6 anos. O uso do álcool como a droga de primeira escolha também foi reportado entre usuários dos centros de reabilitação de drogas no Nepal12, seguido do uso da maconha (56,3%) e dos opioides (47,6%), com início do consumo entre 15 a 19 anos (53,9%).
O álcool foi a primeira droga de escolha presente neste e em outros estudos11 12 19. No Brasil o consumo nocivo de álcool foi registrado em maior prevalência em um quarto da população20. Cada vez mais, pesquisas tem se reportado os danos causados pelo seu início precoce, o que sugere a necessidade de revisão do controle, fiscalização, prevenção e tratamento15 18.
Pode-se perceber que entre os usuários das comunidades terapêuticas o crack foi a droga que mais contribuiu para sua internação, consequentemente contribuiu para a dependência química, assim como observado em outras pesquisas7 8 9 10 11 12 16 17. Essa droga, tem sido considerada de alto poder viciante, estando presente entre a população de maior vulnerabilidade social, como comprovado neste e entre outro estudo16. A maioria das pessoas que fazem uso de crack tem o desejo e, a priori, colocam-se de forma voluntária para vivenciar um processo de tratamento, o que pode justificar a procura desses usuários por tratamento nesses serviços de saúde21.
As informações apresentadas até aqui, levam a pensar que a vida dos usuários de drogas psicoativas frequentadores de CT, independente das diferenças nos resultados apresentados pelo conjunto de pesquisas consultadas em alguns aspectos, evidenciam uma semelhança de indivíduos. Trata-se de pessoas que apresentam uma história de vida em cascata de vulnerabilidade, no que diz respeito ao convívio próximo ou no seu entorno com usuários de drogas, o consumo precoce de álcool ou tabaco, consumo este que com o decorrer da idade foram sendo agregadas outras drogas como a maconha, cocaína e o crack, levando a um desfecho de dependência química.
Como esperado, os usuários apresentaram histórico anterior para tratar a dependência de drogas, assim como múltiplas internações, em especial recorreram ao serviço de comunidade terapêutica para se tratarem, semelhante ao que foi encontrado em outras pesquisas7 10 11.
Destaca-se que a CT é a modalidade de tratamento mais procurada pelos usuários que apresentam transtorno advindo de dependência por alguma substância psicoativa no Brasil e em outras partes do mundo. Esta procura é demarcada pela forma de tratamento que visa a convivência para uma reinserção social e a reabilitação física e psicológica22, embora nem todas tenham profissionais especializados, podendo ainda ser respondida pelos apontamentos dos usuários, quanto a dificuldade de acesso ao tratamento nos serviços públicos de saúde e a sua baixa qualidade e resolubilidade23.
As CT participantes deste estudo não apresentavam em seu quadro de trabalhadores profissionais de saúde, por isso de acordo com os registros, buscavam suporte de saúde nos serviços vinculados a RAPS, com destaque para o atendimento em hospital público e ESF. Não se pode afirmar que essa característica esteja sendo repetida em outras comunidades terapêuticas, pela ausência dessa informação entre as pesquisas nacionais avaliadas.
A garantia desse atendimento tem base pelas diretrizes da legislação de saúde brasileira24, proporcionando a oferta de atendimento público pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que é resguardado pela Política Nacional sobre Drogas, a qual descreve a estrutura de acesso a saúde ofertada no âmbito do SUS pela RAPS, como exemplo a oferta do CAPS AD.
Assim como neste estudo, as consequências advindas do consumo de drogas psicoativas foram observadas em outras pesquisas17 18 19, que destacaram doenças físicas e psíquicas, dificuldade de aprendizagem, perdas sociais, perdas materiais, perdas afetivas, morte física e problemas com a justiça, como as principais consequências mencionadas por seus participantes.
Um dos destaques entre as consequências encontrada foi o conflito familiar, o que também foi reportado entre usuários do Rio de Janeiro e São Paulo16, Mato Grosso13e na Ásia12. É importante destacar que a existência desses conflitos familiares podem estar associado a perda do contato familiar, muitas vezes ocasionado pelo consumo compulsivo de drogas16. Outros pesquisadores mencionam que a existência desses conflitos modifica o padrão de consumo entre os usuários, seja aumentando ou reiniciando o uso, ao mesmo tempo que contribui para o início do consumo18.
Os problemas familiares acabam contribuindo para ausência do envolvimento da família no tratamento do usuário, prejudicando a adesão ao processo de cuidado e reabilitação, permeado por sentimento de solidão, abandono e consequentemente isolamento social. Autores salientam que quando a família adere juntamente com o usuário ao planejamento terapêutico proposto para tratar a dependência de drogas, ela também é respeitada em sua dor, acolhida e tratada, o que contribui significativamente para sua melhora e melhora do relacionamento com seus pares25.
Assim como em outros estudos13 15 19, problemas de ordem econômica foram levantados como uma consequência negativas na vida de seus participantes, o que também correspondeu ao aqui verificado. Isso se deve ao fato de que o uso indiscriminado de drogas psicoativas não traz prejuízos apenas de ordem familiar, acarretando também em prejuízos de ordem financeira. Esses prejuízos podem contribuir ainda mais para o aumento da violência, vulnerabilidade social e criminalidade, como apontou uma pesquisa realizada em CT no interior de Minas Gerais19.
Outra consequência verificada entre os participantes deste estudo é a presença do adoecimento mental posterior ou concomitante ao envolvimento com as drogas psicoativas. O uso de drogas altera as condições orgânicas do indivíduo, contribuindo para sua desordem física e mental. O consumo nocivo de drogas contribui para a presença de comorbidades psiquiátricas, destacando a ansiedade, depressão, esquizofrenia, delírios ou alucinações, pensamentos suicidas e a tentativa de suicídio7 9 10 11 12 14, bem como um agravante de doenças existentes, prejudicando ainda mais a saúde desses usuários e consequentemente sua qualidade de vida.
Desta forma, o que se percebe é a necessidade da oferta de um tratamento relacionado a saúde mental capaz de atender as necessidades não apenas voltadas a abstinência ou redução do consumo, mas também as necessidades que envolvem as comorbidades físicas e psíquicas.
A comparação entre os estudos permitiu verificar que quanto ao tratamento recebido, a maioria dos usuários deram entrada na comunidade terapêutica por vontade própria, como reportado no México8e em Porto Velho-BR26, o que foi semelhante aos dados aqui apresentado, assim como o tipo de entrada esteve diretamente associado a forma com que os usuários consideravam o tratamento da CT.
O fato de os participantes considerarem adequado o tratamento recebido, vem de encontro ao que autores descrevem que, muitas vezes esses usuários recorrem a este serviço em busca de encontrar uma alternativa de moradia que ofereça proteção, segurança, ao mesmo tempo solidariedade27.
Apesar das críticas sofridas como modelo de assistência asilar manicomial28, é preciso aqui reportar, que as CT precisam ser vistas como um dos sistemas que acolhem usuários de drogas dentro de suas peculiaridades, e procurada pela maioria dos usuários como modalidade de tratamento, como identificado no presente estudo.
Esse acolhimento pôde ser visto entre usuários que apresentaram pós entrada na CT, melhores expectativas para desenvolverem um novo estilo de vida e habilidades de enfrentamento das questões relacionadas à dependência de drogas29. A CT precisa ser vista pelos profissionais que acolhem esses usuários, como um local representativo ao resgate da cidadania, emancipador em busca de uma perspectiva de futuro melhor30.
As comunidades participantes do estudo são de cunho religioso e não possuem equipe de assistência à saúde ou social para o cuidado dos usuários, contando apenas com tutores e pastores, que muitas das vezes são ex dependentes de drogas. A ausência de suporte especializado dificulta o processo de abstinência esperado pelas CT, pois parte dos usuários em reabilitação apresentam vontade de usar drogas7, o que acaba por comprometer o tratamento.
Como intuito de manejar esse comportamento de retornar ao uso de drogas promovido pela abstinência, é que muitas comunidades terapêuticas precisam da retaguarda da assistência do serviço de saúde local, como das unidades básicas de saúde e do CAPS AD, em busca de conseguir atendimento médico clínico e psiquiátrico para seus usuários, além do atendimento e acolhimento de toda a equipe de multidisciplinar disponível.
Como limitações, destacam-se as mesmas de alguns dos estudos consultados, ou seja, a amostra de comunidades terapêuticas e o número de usuários participantes insuficiente para caracterizar um grupo de pessoas internadas que consumem drogas psicoativas, por tanto não se tem a intenção de generalizar os achados. Dada a relevância do assunto, sugere-se que novas pesquisas sejam realizados no intuito de ampliar o conhecimento.
CONCLUSÃO
Este estudo delimitou o perfil dos usuários de três comunidades terapêuticas referência para o interior do centro-oeste brasileiro, revelando um perfil sociodemográfico, de consumo de drogas psicoativas, de consequências do consumo e do tratamento recebido que seguem em suas características gerais semelhante as encontradas em outras pesquisas nacionais e internacionais, permitindo inferir que o consumo em drogas psicoativas acarreta em prejuízos significativos na vida dos usuários.
Cabe salientar, que o perfil que este e outros estudos revelam é de usuários adultos jovens, já bastante comprometidos na sua saúde e inserção social, levando ao questionamento de quais serão as expectativas futuras em relação a continuidade da sociedade humana como tem sido conhecida nas últimas décadas e pressupõe um grande desafio para a enfermagem.
Tais inquietações deveriam sensibilizar os idealizadores de políticas públicas, no sentido de investir no cuidado a saúde dessa população, bem como estimular outros pesquisadores, a investigarem em profundidade as motivações que estão levando ao consumo descontrolado de drogas psicoativas, pois esse consumo tem retornado em prejuízos a todos os setores da sociedade.
Além disso, esses dados podem contribuir com a prática de enfermagem, uma vez que podem subsidiar ações de saúde voltadas a atender as demandas integrais dos usuários, aprimorando a qualidade da assistência prestada, podendo ainda contribuir com a elaboração das políticas públicas e estratégias de reabilitação que contribuam com a adesão ao tratamento.
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Recebido: 12 de Julho de 2019; Aceito: 16 de Janeiro de 2020