1. Introdução
A nanotecnologia define-se como um campo científico multidisciplinar baseado no desenvolvimento, caracterização, produção e aplicação de estruturas, dispositivos e sistemas com forma e tamanho na escala nanométrica, podendo apresentar propriedades químicas, físico-químicas e comportamentais diferentes daquelas apresentadas em escalas maiores (MEYER e PERSON, 1998; ALLARAKHIA e WALSH, 2012).
Esta ciência tem sido apontada como uma nova revolução tecnológica, devido ao seu enorme potencial de inovação para o desenvolvimento industrial e econômico. Hoje, praticamente todos os setores industriais, utilizam algum tipo de processo nanotecnológico. Uma das áreas em crescente desenvolvimento é a nanobiotecnologia ou nanomedicina, que engloba os estudos na área da saúde, incluindo os medicamentos. Esta área abrange mais especificamente o desenvolvimento de novos sistemas de liberação de fármacos em escala nanométrica (BATISTA e PEPE, 2014; MELO, 2010).
Estes medicamentos passam a ser chamados de nanomedicamentos, e podem ser definidos como sendo: "toda substância ou combinação de substâncias elaborada que possui distintas propriedades físico-químicas, usada com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. Sendo esta, uma forma farmacêutica terminada que contém um fármaco em nanoescala ou associado a um nanoadjuvante com ação farmacológica específica visando modular funções metabólicas ou fisiológicas'' (PEREIRA e BINSFELD, 2017).
O material utilizado na formulação do nanocarreador, com a finalidade de se produzir o nanomedicamento, é selecionado de acordo com a funcionalidade desejada e das características físico-químicas do fármaco utilizado. Dentre os nanocarreadores mais empregados na área farmacêutica destaca-se o uso de nanopartículas poliméricas e lipídicas, além de nanofibras, micelas e nanocarreadores metálicos (MOGHIMI et al., 2005).
Se por um lado, os nanomedicamentos prometem grandes benefícios, por outro, esses medicamentos podem estar sujeitos a riscos intrínsecos relacionados ao desenvolvimento de novas tecnologias. Além da possibilidade de serem adicionados aos medicamentos outros riscos ao longo das atividades desenvolvidas no seu ciclo (COSTA, 2013).
Devido ao caráter emergente das nanotecnologias, especialmente aquelas relacionadas ao desenvolvimento de nanomedicamentos, estes se constituem em uma ligação muito importante na cadeia interativa entre a ciência e a tecnologia que fazem as suas contribuições para o campo de estudo da bioética. Isto porque um dos objetivos da bioética é contribuir para que as pessoas estabeleçam uma conexão entre a cultura científica e a cultura humanística, de forma que se possa discutir e avaliar os impactos que a tecnologia possa vir a causar sobre a vida.
Neste cenário, com as reflexões trazidas no artigo, os autores abordam e discutem, a interação entre a nanociência, a nanotecnologia, e sua influência no desenvolvimento de medicamentos, assim como seus riscos e benefícios à luz da bioética.
2. Benefícios dos nanomedicamentos
A indústria farmacêutica é uma organização baseada em conhecimentos e se caracteriza pelo alto dinamismo e capacidade de globalização, funcionando como porta de entrada de novos paradigmas tecnológicos (AKKARI et al, 2016).
Inúmeros são os benefícios da nanotecnologia na terapêutica. Especialmente no desenvolvimento de formulações nanotecnológicas destinadas ao tratamento de diversas enfermidades tais como câncer, doenças inflamatórias, cardiovasculares, neurodegenerativas, entre outras.
Atualmente, a nanotecnologia é um dos principais focos de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, visto que as formulações nanotecnológicas apresentam diversos benefícios quando comparadas às formas farmacêuticas convencionais.
Dentre as vantagens apresentadas por estas formulações, destaca-se a possibilidade de apresentarem um sistema de liberação de fármacos controlado e específico, permitindo a vetorização de fármacos a tecidos e células alvo (PURI, et al., 2009). A funcionalização de superfície nos nanocarreadores vêm sendo bastante utilizada tanto na forma de direcionamento passivo como ativo, principalmente com o intuito de diminuir possíveis efeitos adversos de medicamentos (VIEIRA e GAMARRA, 2016). Além disso, devido a seletividade em relação ao alvo específico, torna-se possível a utilização de menor dose do medicamento (ASAI, 2012).
O estudo acerca de nanomedicamentos fornece ainda conveniências como a proteção frente a volatilização de compostos, aumento de solubilidade, e resistência a enzimas gástricas, proporcionando medicamentos mais eficazes devido ao aumento da biodisponibilidade dos fármacos. Além disso, os nanocarreadores têm a característica de melhorar a estabilidade de princípios ativos quando comparados ao mesmo material na forma molecular, sendo uma alternativa para compostos instáveis, que podem diminuir ou perder sua eficácia pela degradação (MIHRANYAN, et al, 2012; DAUDT et al., 2013).
Para que se possa compreender a magnitude da pesquisa e desenvolvimento da nanotecnologia na área farmacêutica, na atualidade, existem vários medicamentos sendo comercializados e, centenas de estudos clínicos com nanomedicamentos em andamento (BOBO et al, 2016; CLINICALTRIAL, 2017).
3. Nanomedicamentos e os seus riscos
A nanobiotecnologia apresenta inúmeros desafios atuais a serem enfrentados, como estudos toxicológicos, pré-clínicos e clínicos, scale-up e regulamentação.
Apesar dos diversos benefícios e da promessa de inovação tecnológica positiva que a nanotecnologia apresenta, é importante salientar que o conhecimento científico disponível ainda não permite uma avaliação rigorosa do risco que a exposição às nanopartículas podem trazer para a saúde da população. Da mesma forma, ainda não existem regulamentos específicos que possam responder aos anseios da investigação. Os riscos embutidos no avanço da pesquisa em nanotecnologia só tendem a aumentar. Por outro lado, há uma falta de discussão sobre o alcance de suas consequências (FERREIRA, 2013).
Engellman (2017) ao tratar do tema da nanotecnologia, relaciona os riscos das nanotecnologias à sociedade de risco, ao ressaltar que, a partir das nanotecnologias, surge um componente inusitado: a produção de efeitos -negativos e positivos- em escala invisível e com as propriedades físico-químicas modificadas, um potencial de risco maior.
Por isso, medidas de prudência recaem instantaneamente no princípio da precaução a fim de não interromper o desenvolvimento tecnológico, mas de garantir e/ou preservar os direitos básicos, como o respeito à vida (FERREIRA e SANT`ANNA, 2010).
Os dados acerca dos riscos de nanomedicamentos ainda são limitados, visto que existem diversos nanomateriais, como polímeros naturais ou sintéticos, lipídeos, fosfolipideos ou metais (KAYSER, et al., 2005). Os nanocarreadores também podem diferir quanto a formas de síntese, além do desconhecimento em relação ao mecanismo de ação e forma de excreção de alguns nanocarreadores (SILVA et al., 2014).
Muitas vezes os aspectos negativos somente são conhecidos após se atingir os objetivos propostos (LÊDO et al., 2007). Entretanto, os riscos dos nanomedicamentos podem ser pensados anteriormente, evitando maiores problemas e permitindo que os malefícios não sejam negligenciados.
Nesse contexto, a nanotoxicologia surgiu recentemente, após a expansão da nanotecnologia, quando diversos materiais já haviam sido introduzidos no mercado. Apesar do conhecimento acerca das moléculas utilizadas, existem novas propriedades quando estas são na escala nanométrica, por isso a importância de estudar os efeitos nocivos ou adversos de nanomateriais (STONE e DONALDSON, 2006).
Devido ao fato destes apresentarem características próprias, de acordo com a morfologia, composição e tamanho, a nanotoxicologia estuda a interação entre as nanoestruturas e os sistemas biológicos, com o intuito de avaliar as respostas de toxicidade dentro dos estudos pré-clínicos, e garantir a segurança no uso de nanomedicamentos (ELSAESSER E HOWARD, 2012; SILVA et al., 2014).
Contudo, ainda não existem regramentos que possam responder aos anseios da sociedade, uma vez que mesmo com o avanço da pesquisa na área da nanotoxicologia, a legislação atual, ainda, não exige a realização de testes específicos para o desenvolvimento de nanomedicamentos.
As normativas do órgão regulatório nacional recomendam a utilização do guia para a condução de estudos não clínicos de toxicologia e segurança farmacológica, onde estão descritos os testes pré-clínicos necessários para o desenvolvimento de novos medicamentos (ANVISA, 2013), todavia, sem qualquer ressalva no que tange a medicamentos de base nanotecnológica.
Fica evidente, que a avaliação da sua segurança toxicológica, deveria incluir ensaios específicos de toxicidade de dose única e repetida, reprodutiva, genotoxicidade, carcinogenicidade, tolerância local e toxicocinética, uma vez que os nanomedicamentos apresentam farmacocinética baseada nos nanocarreadores e não no princípio ativo (ANVISA, 2013).
Os testes de segurança farmacológica dispostos no referido guia, tem o objetivo de avaliar potenciais efeitos farmacodinâmicos indesejáveis da substância teste, da mesma maneira, espera-se que existam testes específicos para os nanomedicamentos, com o intuito de validar a segurança destes, em diversos sistemas como nervoso central, cardiovascular e respiratório, tal qual os testes para desenvolvimento de novos medicamentos (ANVISA, 2013).
Da mesma forma, ainda pouco se conhece em relação a possível toxicidade, biocompatibilidade e reações adversas destes produtos, de maneira que torna-se premente a padronização de protocolos de toxicidade para nanomedicamentos (OBERDORSTER et al., 2004, BREMER-HOFFMANN et al, 2018).
Não obstante, é imprescindível ainda considerar a probabilidade de que essas nanopartículas possam ameaçar a saúde e a segurança dos indivíduos envolvidos em sua produção e/ou manipulação. Uma vez que, como ressalta Engelmann (2016), além dos riscos concretos, não se pode desconsiderar os riscos invisíveis inerentes à sociedade de risco.
Neste contexto, e com o intuito de contribuir para a avaliação dos possíveis riscos de tais medicamentos, a bioética surge para garantir que estudos sejam realizados com informações sobre a toxicidade de nanomateriais e seus efeitos de longo prazo sobre o meio ambiente e a sociedade.
4. Reflexões nanoéticas
A inovação e o desenvolvimento tecnológico ao mesmo tempo em que se apresentam como o principal fator de progresso de uma sociedade, surgem como um elemento paradoxal. Pois podem gerar perspectivas diferentes, tanto positivas quanto negativas, a partir do impacto do conhecimento científico e do contexto social envolvido com determinado risco.
Dada a convergência tecnológica da nanotecnologia, ainda não há um mecanismo genérico de regulamentação que possa responder aos anseios da investigação. No Brasil, ainda não existem normativas referentes à gestão de riscos dos nanomedicamentos. Os esforços vêm sendo realizados no sentido de desenvolver políticas públicas para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.
Entretanto, os riscos embutidos no avanço da pesquisa em nanotecnologia ainda não podem ser integralmente previstos quando utilizados na prevenção e tratamento de patologias, pois mesmo diante dos avanços na avaliação desses riscos, ainda há uma falta de discussão sobre o alcance de suas consequências (FERREIRA, 2013).
Estamos vivenciando uma era, em que grandes mudanças têm acontecido nas últimas décadas voltadas para a segurança do paciente (NASCIMENTO e DRAGANOV, 2015). Nesta perspectiva, os avanços no desenvolvimento de nanomedicamentos devem ser avaliados com prudência, uma vez que ainda existem inúmeras questões toxicológicas, de biossegurança e socioambientais que precisam ser avaliadas e compreendidas.
As implicações suscitadas pelo avanço da nanobiotecnologia, devem se constituir nos fundamentos e diretrizes a serem adotados nas discussões filosóficas, políticas e de segurança.
Temas estes, ressaltados por Beck (2008), quando afirma que a sociedade de riscos exige controle, moralidade e ética para avançar na antecipação de eventuais perigos, demonstrando com isso os desafios que a nanotecnologia impõe à gestão de riscos.
Vem, portanto, tomando vulto um amplo campo da ética e das questões sociais envolvidas no desenvolvimento da nanociência, proporcionando uma reflexão sobre a existência de uma nanoética. Na literatura já é possível identificar diversos artigos e até alguns livros sobre a definição e alcance desta temática. Inclusive, pode-se dizer que esta encontra-se em consolidação, com o surgimento em 2003 de uma revista científica intitulada Nanoethics (NANOETHICS, 2017).
O termo, mesmo que controverso, foi definido em torno das questões e dilemas éticos levantados a partir do desenvolvimento da nanotecnologia. A polêmica em relação ao termo está baseada no que vários autores relatam, de que não há nada de novo ou específico, do ponto de vista ético, que apenas a nanotecnologia tenha apresentado, e que seja diferente das demais problemáticas que tenham sido detectadas e avaliadas pelas novas tecnologias que surgiram ao longo do tempo.
Entretanto, uma questão levantada naquela revista especializada, refere-se a quais políticas que foram desenvolvidas em torno da nanotecnologia poderiam contribuir para que a sociedade tivesse uma maior participação nas decisões relativas à produção e uso de produtos de base nanotecnológica, levando em conta os potenciais riscos associados (SCHULZ, 2009).
O conceito central da nanoética considera fundamental o de se avaliar riscos, e a competência para se posicionar nas discussões sobre a introdução de novas tecnologias e produtos no nosso cotidiano. E considerando a multiplicidade de áreas e de fatores envolvidos nesse processo, pode-se fazer valer a oportunidade de construção de espaços que possibilitem o fortalecimento do diálogo constante entre ciência e sociedade (ESCALANTE, 2005).
Pois é mister a necessidade de compreensão de que até mesmo a ciência possui limites para sua aplicação e utilização, não sendo eticamente correta a aplicação destas novas técnicas no desenvolvimento de nanomedicamentos de maneira precipitada e indiscriminadamente.
A ética a ser aplicada deve levar em consideração as consequências e os efeitos colaterais dos atos de cada um dos envolvidos. Portanto, para que se possa analisar e discutir os possíveis riscos gerados pela aplicação de medicamentos de base nanotecnológica é, preciso, estabelecer as funções de responsabilização com a consciência das consequências sociais, éticas e legais que permeiam a ciência.
Isto porque, diferente de outras tecnologias, em que a discussão sobre a regulação e avaliação dos riscos associados à sua produção e difusão ocorrem posteriormente, na nanotecnologia essa discussão tem ocorrido concomitantemente com seu desenvolvimento (LEVI-FAUR e COMANESHTE, 2017).
Atentos ao caráter limitado da informação disponível sobre a toxicidade destas partículas, o princípio da precaução impõe ao legislador, no plano internacional e nacional, que legisle ora regulando o exercício das atividades que as envolvem, minimizando os riscos delas decorrentes para a saúde humana, ora introduzindo moratórias ou, mesmo, proibindo a prática de atos que, na sequência de uma análise de custo/benefício, se conclua poderem implicar a produção de danos graves para a população (MEDEIROS et al., 2006; LOVESTAM, 2010).
A elaboração de regulamentos sobre o desenvolvimento, registro e vigilância pós-comercialização de nanomedicamentos é bem-vinda e suas ausências traduzem-se em lacunas que podem gerar incertezas quanto à aplicabilidade das normas relacionadas à proteção da saúde.
Apesar da incerteza científica, algumas organizações e instituições internacionais, já vem desenvolvendo uma série de estudos no intuito de tornar mais seguro o processo desenvolvimento e utilização destes nanomedicamentos.
Essa preocupação é demonstrada pelas agências reguladoras que estão trabalhando para entender e avaliar os impactos da nanotecnologia para a saúde humana (FDA, 2018, 2017, 2014, 2013; EMA, 2016), por meio da organização de grupos de trabalho específicos para avaliar as necessidades dessa nova tecnologia, presença nos fóruns de discussão sobre o tema e trocas de experiências com outras organizações internacionais.
Apesar da incerteza científica, algumas organizações e instituições internacionais, vem desenvolvendo uma série de estudos no intuito de reunir informações sobre a nanotoxicologia, de forma a tornar mais seguro o processo de desenvolvimento e utilização dos nanomedicamentos (FDA, 2018, 2017, 2014, 2013; EMA, 2016). Neste sentido, diversos manuais, relatórios e, regulamentos vêm sendo publicados por parte de órgãos e instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a UNESCO e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Além de iniciativas, com o mesmo propósito, da Agência de Proteção Ambiental, da Organização Internacional de Padronização (ISO), da Comissão Europeia e, ainda, do projeto europeu intitulado NANoREG, que congregou os principais organismos globais que lidam com regulação (LENZ E SILVA, 2008; NANOREG, 2017).
Cabe destacar ainda, a importância de se abordar aspectos sobre os deveres e responsabilidades das partes interessadas envolvidas no processo de desenvolvimento nanotecnológico. É possível identificar que a comunidade científica vem se empenhando em aprimorar o conhecimento acerca dos possíveis impactos sobre a saúde humana e segurança ambiental, que possam ser gerados por meio do uso de nanomateriais (International Labour Organization, 2010).
Em função dos poucos dados existentes acerca da segurança e saúde do trabalhador na manipulação nanotecnológica, os empregadores adotam uma abordagem preventiva sempre que a exposição às nanopartículas possa ocorrer (ABDI, 2010; EU-OSHA, 2012). Isto porque várias questões nanoespecíficas ainda são difíceis de abordar com eficiência e podem dificultar a avaliação da segurança.
Os elementos nano-específicos mais importantes a serem considerados devem ser aqueles relacionados à avaliação do risco como: potencial de exposição, dissolução, transformação, acúmulo, genotoxicidade e imunotoxicidade. Claramente, estratégias ainda precisam ser desenvolvidas, testadas e debatidas sobre produção e avaliação do ciclo de vida desses produtos.
Os estudos, ora desenvolvidos ou em desenvolvimento, buscam atender às necessidades das autoridades sanitárias e do setor regulado, uma vez que corrobora com os órgãos governamentais para formular as questões legislativas que precisam ser abordadas pela indústria. Ao mesmo tempo, auxilia a indústria na identificação de quais as informações necessárias, pelas autoridades, para avaliação de segurança destes produtos, com o intuito de realizar uma produção consciente e sustentável.
Entretanto, no âmbito nacional brasileiro, ainda são escassas as orientações neste sentido, especialmente na área farmacêutica, uma vez que, em virtude da diversidade e da heterogeneidade das matérias-primas e dos sistemas de liberação de fármacos utilizados nos nanomedicamentos pode-se compreender a enorme dificuldade que os órgãos regulatórios enfrentam, no sentido de buscar o correto equilíbrio entre as questões fundamentais sobre a existência humana, a regulação do mercado e a possível inibição da inovação tecnológica.
A realidade atual diante da revolução tecno-científica promovida pela nanociência, ainda suscita inúmeros desafios, dada a imprevisibilidade e às incertezas científicas sobre os riscos relacionados aos nanomedicamentos. Todavia, é possível identificar a adoção de ações e estratégias para a formulação de políticas vinculadas à pesquisa e desenvolvimento de produtos nanotecnológicos, por parte dos órgãos de deliberação, numa perspectiva transdisciplinar, pautada na ética e no diálogo entre as partes interessadas, com vistas a segurança e minimização de riscos.
5. Conclusão
A área dos medicamentos pode ser considerada como uma das mais promissoras da nanobiotecnologia. É inegável a relevância da sua utilização e aplicação. Todavia, por se tratar de uma área extremamente dinâmica e com alto potencial de inovação, deve-se avaliar quais os possíveis impactos e riscos que essa nova tecnologia pode eventualmente causar aos seus usuários.
Em vista de que os nanomedicamentos podem ser compostos por carreadores metálicos, fibrosos, poliméricos ou lipídicos, além de apresentarem diferenças em relação ao tamanho e demais características físico-químicas, estes podem apresentar diferenças em seu comportamento (KAISER, et al., 2005).
Nesse sentido, é importante que todas as partes envolvidas tenham plena compreensão dos nanomateriais e de suas propriedades específicas. É evidente que a nanoformulação pode melhorar as características biofarmacêuticas, reduzir a toxicidade geral de um fármaco e/ou a severidade dos efeitos colaterais. Contudo, diferenças na toxicocinética dos nanomedicamentos pode resultar em diferenças significativas na toxicidade e nos efeitos colaterais.
Ainda são escassos os estudos que relacionem a toxicidade de medicamentos de base nanotecnológica ou, ainda, que a relacionem a certos tipos de estruturas de nanocarreadores. Entretanto, mesmo diante dos resultados encontrados, os autores têm adotado posturas cautelosas sobre os desfechos toxicológicos, uma vez que quando comparados os efeitos dos medicamentos tradicionais com os nanomedicamentos, quaisquer diferenças no tratamento ou nos regimes de dosagem, podem ser a causa de certas diferenças (BRAND, 2017).
Numa ótica construtiva, diante dos enormes desafios advindos do uso e da aplicação destas novas tecnologias, é preciso que os avanços relacionados aos nanomedicamentos tenham suas ações embasadas no conceito de um desenvolvimento sustentável, e que se avance em busca de conhecimentos para que estas inovações possam ser vislumbradas como promoção para uma melhor qualidade de vida e não de agravos à saúde.
Os avanços no conhecimento exigem que o homem se adapte continuamente a novos preceitos e valores. Para tanto, é preciso que se faça a adoção do princípio da precaução (tendo como base o ordenamento jurídico), mas necessariamente com visão de futuro, para que se possa aplicar não apenas o conceito da prudência, mas também o da responsabilidade.
E, diante do iminente surgimento do marco regulatório, faz-se necessária a adoção do diálogo entre os diferentes atores, de forma transdisciplinar, para que assim seja possível dialogar e responder aos inúmeros questionamentos e anseios que urgem da sociedade.
Além disso, não se pode admitir que se permaneça estagnado à espera de um regramento tradicional, sem estar conectado à velocidade da construção de conhecimentos nas mais diversas áreas envolvidas no processo de desenvolvimento da nanotecnologia e, mais especificamente na dos nanomedicamentos.
À luz de tal perspectiva, deve-se, portanto, focar nas reflexões nanoéticas sobre os riscos e efeitos que possam emergir decorrentes do enorme avanço tecnológico ditado pela manipulação de nanomateriais, com a finalidade precípua do desenvolvimento de nanomedicamentos.