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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.13 no.33 Murcia ene. 2014

 

ADMINISTRACIÓN-GESTIÓN-CALIDAD

 

Acessibilidade aos serviços públicos de saúde: a visão dos usuários da Estratégia Saúde da Família

Accesibilidad a los servicios públicos de salud: la visión de los usuarios de la Estrategia Salud de la Familia

Accessibility to public health services: the vision of the users of the Family Health Program in Campina Grande, state of Paraiba, Brazil

 

 

Figueroa Pedraza, Dixis* e Cavalcanti Costa, Gabriela Maria**

*Doutor em Nutrição. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública. E-mail dixisfigueroa@gmail.com
**Doutora em Enfermagem. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública. Universidade Estadual da Paraíba. Brasil

 

 


RESUMO

Objetivo: Avaliar, sob a ótica do usuário, a acessibilidade à atenção primária à saúde da população coberta pela Estratégia Saúde da Família no município de Campina Grande, Paraíba, Brasil, estabelecendo sua relação com a qualidade e utilização dos serviços de saúde.
Metodologia: Trata-se de um estudo de corte transversal em 20 unidades básicas de saúde da família. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário estruturado com questões relacionadas à percepção dos usuários sobre a utilização, acessibilidade e qualidade dos serviços prestados.
Resultados: Dos indicadores de acessibilidade sócio-organizacional, o tempo de espera para marcar uma consulta, o tempo de espera para ser atendido na realização da consulta e o tempo de espera entre a marcação da consulta e o atendimento, foram relatados como insuficientes por aproximadamente 1/3 dos informantes. O deslocamento a pé até as unidades de saúde foi destacado. Os indicadores de acessibilidade sócio-organizacional apresentaram associação estatística significante tanto com a percepção sobre a qualidade do serviço quanto com a utilização dos serviços de saúde.
Conclusão: A avaliação que os usuários fazem da qualidade dos serviços de saúde oferecidos e a utilização dos mesmos está diretamente relacionada aos tempos compreendidos entre a espera para marcar uma consulta e o atendimento.

Palavras chave: Acesso aos serviços de saúde; Avaliação de serviços de saúde; Atenção primária à saúde.


RESUMEN

Objetivo: Evaluar, bajo la óptica del usuario, la accesibilidad a la atención primaria de salud de la población adscrita a la Estrategia Salud de la Familia del municipio de Campina Grande, Paraíba, Brasil, estableciendo su relación con la calidad y utilización de los servicios de salud.
Metodología: Estudio transversal en 20 unidades básicas de salud de la familia. La colecta de los datos utilizó cuestionario estructurado con preguntas relacionadas a la percepción de los usuarios sobre la utilización, accesibilidad y calidad de los servicios.
Resultados: De los indicadores de accesibilidad socio-organizacional, el tiempo de espera para marcar una consulta, el tiempo de espera para ser atendido en la realización de la consulta y el tiempo de espera entre marcar la consulta y la atención, fueron relatados como insuficientes por aproximadamente 1/3 de los informantes. Desplazarse a pie hasta las unidades de salud fue destacado. Los indicadores de accesibilidad socio-organizacional presentaron asociación estadísticamente significante con la percepción sobre la calidad del servicio y con la utilización
Conclusión: La evaluación que los usuarios hacen de la calidad de los servicios de salud ofrecidos y la utilización de los mismos está directamente relacionada a los tiempos comprendidos entre la espera para marcar la consulta y la atención.

Palabras clave: Acceso a los servicios de salud; Evaluación de los servicios de salud; Atención Primaria de salud.


ABSTRACT

Objective: To evaluate, from the perspective of the user, accessibility to primary health care of the population enrolled in the Family Health Program in Campina Grande, Paraiba, Brazil, establishing its relationship with the quality and use of health services.
Methodology: This is a cross-sectional study in 20 family health units. For data collection it was used a structured questionnaire with questions about user's perception on the use, accessibility and quality of services provided.
Results: The indicators of socio-organizational accessibility, the waiting time for an appointment, the waiting time to be served in the consultation and the delay time between the appointment and the care, were reported as inadequate by approximately one third of informants. The shift to walk to health facilities was highlighted. Indicators of socio-organizational accessibility showed a statistically significant association with both the perception of service quality as with the use of health services.
Conclusion: The quality of health services available and their use is directly related to the times ranging from waiting for an appointment and the care provided.

Keywords: Access to health services; Health services evaluation; Primary health care.


 

Introdução

Compreendemos que o acesso a ações e serviços de saúde pode ser conceituado como a capacidade do paciente obter, quando necessitar, cuidado de saúde, de maneira conveniente(1). As reflexões teóricas apontam que este indicador tem seu marco a partir da década de 60-70 no cenário norte americano(2).

Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) represente a política de saúde no Brasil e tenha ao longo da história garantido avanços significativos, vivencia dificuldades para garantir o acesso oportuno e atenção à saúde de qualidade aos brasileiros(3). Em reconhecimento a esta realidade, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou recentemente a obra intitulada "Um panorama da saúde no Brasil: acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde"(4), com resultados do levantamento suplementar de saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008. A pesquisa tencionava gerar informações sobre acesso e utilização de serviços de saúde, mobilidade física dos moradores e sobre a realização de exames preventivos da saúde. As análises das informações revelaram que o acesso a serviços vem aumentando de forma importante, seja para os serviços mais simples, como a consulta médica, ou procedimentos mais complexos, como a mamografia. Entretanto, apesar do maior acesso da população residente nas regiões mais carentes e pelos que mais necessitam, ainda permanecem desigualdades geográficas e sociais.

Com objetivo de viabilizar a institucionalização da cultura de avaliação da atenção primária no SUS, foi instituído o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). O PMAQ propõe um modelo de avaliação de desempenho dos sistemas de saúde, nos três níveis de governo, que pretende mensurar os possíveis efeitos da política de saúde com vistas a subsidiar a tomada de decisão, garantir a transparência dos processos de gestão do SUS e dar visibilidade aos resultados alcançados, além de fortalecer o controle social e o foco do sistema de saúde nos usuários(3).

Por outro lado, dada a evidência da importância, necessidade, utilidade e pertinência da realização e disseminação dos resultados de pesquisas em serviços de saúde, surge o projeto nacional de Desenvolvimento de Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro (http://www.proadess.cict.fiocruz.br). O projeto propôs uma matriz de dimensões a serem consideradas na definição dos indicadores, incluindo a acessibilidade, efetividade, eficiência e aceitabilidade dos serviços de saúde. Indicadores estes propostos, considerando-se, principalmente, seu valor para o monitoramento do desempenho do SUS(5).

Entendida enquanto componente da oferta e do processo de avaliação de serviços de saúde(5, 6), considera-se acessibilidade como o grau de ajuste entre as necessidades dos usuários e os recursos de atenção à saúde. A acessibilidade representa a relação funcional entre os obstáculos na procura e obtenção de cuidados (resistência) e as capacidades correspondentes da população para superar tais obstáculos (poder de utilização)(6).

No conceito de acessibilidade, se distinguem dimensões de ordem geográfica (deve ser medida em função do tempo que, pelos meios habituais de transporte, se consome para obter assistência à saúde), organizacional (refere-se aos obstáculos que se originam nos modos de organização dos recursos de assistência à saúde), sociocultural (refere-se à apreciação dos fenômenos que determinam a busca de assistência à saúde tais como: percepção sobre o corpo e a doença, crenças relativas à saúde, tolerância à dor e credibilidade nos serviços de saúde, dentre outros) e econômica(7).

Destaca-se, ainda, que a acessibilidade deve ser compreendida considerando os requisitos específicos de análise que diferem para cada nível de complexidade (atenção primária, média e alta)(8). A respeito da atenção primária, são consagradas, como características importantes, as funções relacionadas com a continuidade e o vínculo entre as equipes de saúde e os usuários, a integralidade da atenção em seus aspectos de coordenação e abrangência dos cuidados prestados, o enfoque familiar e comunitário e a acessibilidade(9). A acessibilidade representa uma dimensão relevante sobre a equidade nos sistemas de saúde e um dos principais atributos da atenção primária à saúde(6, 10).

Na realidade brasileira, o Ministério da Saúde, dado a necessidade de solucionar os problemas enfrentados pela atenção primária, lançou em 1994 o Programa Saúde da Família como forma de reorganização da atenção. Posteriormente, como alternativa para a efetiva consolidação da Estratégia Saúde da Família percebe-se a preocupação do Ministério da Saúde com a avaliação da atenção primária(11, 12).

Ante o exposto, este estudo pretendeu avaliar, sob a ótica do usuário, a acessibilidade à atenção primária à saúde da população coberta pela Estratégia Saúde da Família no município de Campina Grande, Paraíba, Brasil, estabelecendo sua relação com a qualidade e utilização dos serviços de saúde.

 

Metodologia

Este estudo faz parte da pesquisa intitulada "Atenção Básica à saúde no município de Campina Grande, Paraíba: avaliação do desempenho e efetividade da Estratégia Saúde da Família e da incorporação das ações de alimentação e nutrição". Trata-se de um estudo de corte transversal com coleta de dados primários obtidos no período de junho a dezembro de 2010, no município de Campina Grande, Paraíba, Brasil.

O município de Campina Grande foi escolhido por possuir área geograficamente delimitada com unidades básicas de saúde da família, razoável tradição histórica de organização de serviços de atenção primária à saúde, e parceria entre academia e gestores/equipes de saúde. Campina Grande é o segundo maior município do Estado, com população de 376.060 habitantes. Foi município pioneiro na implantação do Programa Saúde da Família em 1994 quando seu surgimento(13). Possui um sistema de saúde composto por seis distritos sanitários com 67 unidades básicas de saúde da família, perfazendo uma cobertura de 71% da população(14).

A unidade de coleta e análise dos dados foi a unidade básica de saúde da família, independente da quantidade de equipes. Foi considerado o estudo de 30% das unidades de saúde da família do município (20 unidades). Foram selecionadas unidades segundo alguns parâmetros de escolha: (a) se situarem em áreas da cidade com situação socioeconômica semelhante; (b) serem unidades consideradas de bom padrão relativo de atendimento; (c) apresentarem baixa rotatividade de servidores. As unidades de saúde foram selecionadas de forma aleatória considerando a divisão por distritos sanitários com a finalidade de representar os diferentes espaços geográficos/áreas da cidade. Em cada unidade básica de saúde da família selecionada, uma amostra intencional de usuários foi composta por todos os atendimentos realizados em um dia típico de trabalho.

Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário estruturado que continha questões sobre a utilização dos serviços de saúde, perfil dos usuários e sua percepção sobre a disponibilidade, acessibilidade e qualidade dos serviços prestados. Para a avaliação da acessibilidade foram consideradas duas dimensões, tal como sugerido por Donabedian(15): a) a acessibilidade sócio-organizacional, relacionada aos aspectos de funcionamento dos serviços que interferem na relação entre os usuários e os serviços; b) a acessibilidade geográfica, relacionada à distribuição espacial dos recursos, à existência de transporte e à localização das unidades de saúde.

Na acessibilidade sócio-organizacional, as variáveis de estudo consideradas foram: tempo de espera para marcar uma consulta, tempo de espera entre a marcação da consulta e o atendimento, tempo de espera para ser atendido na realização da consulta e tempo de duração do atendimento. Essas variáveis utilizaram as categorias de análise suficiente, regular ou insuficiente. Na acessibilidade geográfica, as variáveis de estudo consideradas foram: tempo necessário para chegar à unidade de saúde (< 15 minutos; > 15 minutos) e meio utilizado para chegar à unidade de saúde (carro/moto/ônibus; a pé).

Os indicadores de acessibilidade foram utilizados como variáveis explicativas da utilização dos serviços de saúde e da percepção dos usuários sobre a qualidade dos mesmos. A percepção da qualidade considerou as categorias bom/regular ou ruim. Considerou-se utilização dos serviços de saúde o recebimento de atendimento referido pelo usuário nos últimos 30 dias anteriores à entrevista por qualquer motivo relacionado à própria saúde. Como não utilização considerou-se as pessoas que não procuraram serviços de saúde no período, ou que procuraram, mas não receberam o atendimento.

A análise dos dados foi realizada, primeiramente, apresentando a descrição da distribuição de frequências relativas das variáveis de acessibilidade. Em seguida, para avaliar a influência destas variáveis na utilização dos serviços de saúde e percepção da qualidade, estimou-se a Razão de Chances (RC) e seus Intervalos de Confiança (IC 95%). Os dados foram processados e analisados com a utilização do software Statistical Package for Social Science (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos) versão 15.0. Foram excluídos das análises os registros sem informação ou quando o individuo não soube responder.

O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (parecer no 0355013300009), respeitando as diretrizes da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Após os esclarecimentos, os sujeitos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo garantido o sigilo das informações e autorizando a utilização das informações contidas no questionário para a realização da pesquisa.

 

Resultados

De um total de 508 indivíduos da amostra original, 443 (87,2%) participaram deste estudo. Foram excluídos 21 registros sem informação e 44 referidos aos entrevistados que não souberam responder.

A acessibilidade, que foi avaliada a partir de seis indicadores, está representada na tabela 1. Dos indicadores de acessibilidade sócio-organizacional, o tempo de espera para marcar uma consulta, o tempo de espera para ser atendido na realização da consulta e o tempo de espera entre a marcação da consulta e o atendimento, foram relatados como insuficientes por aproximadamente 1/3 dos informantes. Além disso, a predominância (91,6%) da forma de deslocamento a pé até as unidades básicas de saúde da família foi destacada.

 

 

A qualidade dos serviços oferecidos nas unidades básicas de saúde da família foi percebida como ruim por 10,2% (n=45) dos entrevistados. Para todos os indicadores de acessibilidade sócio-organizacional, a chance de considerar a qualidade do serviço ruim foi maior entre aqueles que classificaram o indicador como regular e entre aqueles que o classificaram como insuficiente. A chance de os usuários apontarem a qualidade do serviço como ruim, ao se comparar com os usuários que avaliaram o serviço prestado como bom/regular, foi 33 vezes maior naqueles que consideraram o tempo de espera para ser atendido na realização da consulta insuficiente (RC = 32,55; IC95% 3,37-5,31); 26 vezes maior naqueles que consideraram o tempo de duração do atendimento insuficiente (RC = 25,71; IC95% 2,31-4,14); 19 vezes maior naqueles que consideraram o tempo de espera entre a marcação da consulta e o atendimento insuficiente (RC = 18,96; IC95% 2,44-3,96); e 10 vezes maior naqueles que consideraram o tempo de espera para marcar uma consulta insuficiente (RC = 10,45; IC95% 2,11-3,18). Maiores chances de os usuários perceberem os serviços oferecidos como ruim, também, foram encontradas nos casos dos indicadores anteriores terem sido considerados como regular. O tempo necessário para chegar à unidade de saúde e o meio utilizado não apresentaram associação estatística significante com a percepção dos usuários sobre a qualidade do serviço (tabela 2).

 

 

Analisando a utilização dos serviços de saúde, observou-se que 374 indivíduos (84,4%) utilizaram algum atendimento nos últimos 30 dias. A não utilização dos serviços de saúde ocorreu mais frequentemente nos usuários que classificaram como insuficiente, em relação aos que classificaram como suficiente, o tempo de espera para marcar uma consulta (RC = 2,33; IC95% 1,07-3,39), o tempo de espera entre a marcação da consulta e o atendimento (RC = 2,83; IC95% 1,58-3,74), o tempo de espera para ser atendido na realização da consulta (RC = 3,25; IC95% 1,23-3,38) e o tempo de duração do atendimento (RC = 2,64; IC95% 1,09-2,67). Da mesma forma, a não utilização dos serviços de saúde apresentou maiores chances nos casos da classificação como regular dos indicadores anteriores de acessibilidade sócio-organizacional (tabela 3).

 

 

Discussão

A organização do sistema de saúde passa pelo questionamento das necessidades do ponto de vista do modelo da assistência e do usuário(16). O usuário contribui tanto na organização do sistema de saúde quanto na compreensão das representações sociais relacionadas ao processo saúde-doença e das dimensões do acesso ao sistema de saúde (disponibilidade, acessibilidade, adequação funcional, capacidade financeira e aceitabilidade)(17). A incorporação do usuário na avaliação dos serviços de saúde tem sido valorizada por constituir um indicador sensível da qualidade, além de estar potencialmente relacionado à maior adequação no uso do serviço(18). A avaliação que os usuários fazem dos serviços de saúde possibilita repensar as práticas profissionais ou modificar a forma de organização, visando seu aperfeiçoamento(19). Em outras palavras, a participação dos usuários na avaliação dos serviços de saúde implica num julgamento sobre a característica e qualidade dos serviços, o que fornece informação essencial para completar e equilibrar a qualidade da atenção(20).

Para os usuários, os principais obstáculos relacionados à acessibilidade às unidades de saúde foram por problemas na marcação de consultas, para a realização da consulta e para ser atendido. As barreiras organizacionais como importantes entraves da acessibilidade aos serviços de atenção primária à saúde foram igualmente apontadas por usuários de unidades de saúde em diferentes contextos geográficos: município de médio porte do interior da Bahia(21); municípios do Estado de São Paulo com mais de 100 mil habitantes(22); três capitais do Nordeste brasileiro, sendo duas metrópoles e um município de médio porte(23); cinco municípios da Região Metropolitana de São Paulo(24). O aperfeiçoamento dos manuais de organização do trabalho nas unidades de saúde da família e a construção de protocolos enfatizando o agendamento, a marcação de consultas, o acolhimento, o cuidado dos usuários, as rotinas para o atendimento, a articulação das ações, entre outros, pode contribuir positivamente na acessibilidade aos serviços de atenção primária à saúde(21, 25, 26).

Destaca-se o deslocamento a pé até as unidades de saúde da família, e em 15 minutos ou menos, na maioria dos usuários. O bom desempenho da acessibilidade geográfica da Estratégia Saúde da Família, ao colocar as unidades de saúde próximas do local de moradia da população da sua área de cobertura, facilita o acesso, a promoção da equidade e o direito à saúde(27-29). Apesar de alguns autores indicarem o benefício da descentralização e territorialização no contexto da Estratégia Saúde da Família na acessibilidade geográfica(21), destaca-se a necessidade de rever o atual desenho da territorialização para melhorar a organização da assistência(27). Argumenta-se a apropriação do território como processo dinâmico de relações, condicionado pelo perfil de saúde-doença, e não somente na lógica normativa de espaços delimitados ou no número de pessoas para atender às exigências de funcionamento(27, 30). Os avanços em termos de acessibilidade geográfica da estratégia de saúde da família vêm sendo mostrados em diferentes contextos geográficos(21, 28, 31-33). Tempos de deslocamento ao serviço de saúde, semelhantes aos apontados pelos usuários de Campina Grande, foram anteriormente reportados em Porto Alegre, Rio Grande do Sul(25) e em Uberaba, Minas Gerais(31).

A percepção que os usuários têm sobre os serviços de saúde recebidos constitui uma das principais maneiras de verificar a satisfação com os mesmos. Altas taxas de satisfação, como as encontradas neste estudo, é resultado peculiar na literatura, acontecendo mesmo quando as expectativas sobre os serviços de saúde são negativas. Este fenômeno é conhecido como efeito de "elevação" das taxas de satisfação(18, 34). Estes resultados devem ser interpretados com cuidado, pois existem indícios de que os usuários manifestam a insatisfação com os serviços de saúde apenas quando consideram os cuidados extremamente negativos(34). A "elevação" das taxas de satisfação tem sido explicada por inconsistências no conceito de satisfação, por falta de sensibilidade dos métodos utilizados para sua avaliação e por apropriação das dimensões utilizadas. Na avaliação dos serviços públicos de saúde, o receio dos usuários em perder o direito aos serviços oferecidos e o viés de gratidão têm sido apontados como fatores importantes nas altas taxas de satisfação(18, 31, 35).

São dois os grandes grupos de fatores relacionados com a satisfação, um relativo ao serviço e aos seus provedores, e outro inerente aos próprios usuários. A acessibilidade é destacada como uma dimensão dos serviços de saúde bastante valorizada pelos usuários na determinação da satisfação com os mesmos(34, 36, 37). Em revisão sistemática da literatura, Moreira et al.(38) identificaram 28 aspectos que podem influenciar o acesso e a utilização de serviços de saúde. Nessa análise, predominaram os aspectos relacionados ao serviço, agrupados pelos autores na categoria organização e planejamento das ações de saúde, ressaltando a importância da organização e da dinâmica do processo de trabalho.

A satisfação ou escolha dos serviços de saúde marcada por aspectos da acessibilidade organizacional, mais do que baseado na acessibilidade geográfica, também tem sido apontada em outros estudos(31, 39-41). Estes resultados revelam a persistência de problemas nos modos de organização dos recursos de assistência à saúde, prejudicando a longitudinalidade e utilização dos serviços.

A utilização dos sistemas de saúde baseados na atenção primária é resultante da interação do comportamento do indivíduo que procura cuidados, do profissional que o conduz dentro do sistema de saúde e dos recursos disponibilizados. Entre seus determinantes destacam-se as necessidades de saúde, as características dos usuários e as características dos serviços oferecidos(42). Nesse contexto, a relação dos usuários com o uso de serviços é mediada pela acessibilidade, isto é, a acessibilidade expressa as características da oferta que intervêm na relação entre as características dos indivíduos e o uso dos serviços de saúde(6).

De modo semelhante aos resultados apresentados neste estudo, as barreiras de acessibilidade foram razões atribuídas para a não utilização de certos serviços no bairro de Pau da Lima, Salvador, Bahia(40) e no município de Uberaba, Minas Gerais(31). Segundo Mendoza-Sassi, et al.(43), a distância entre a casa e os serviços de saúde tende a estar associada com a utilização dos mesmos nos casos de países de topografia difícil ou de determinados grupos populacionais particularmente afetados pela distância. Os autores citam que, contrariamente, essa associação não acontece em países com uma rede de atenção razoável, a exemplo de resultados encontrados em Estados Unidos.

 

Conclusões

O conceito de acessibilidade discursa sobre aspirações da população em termos de ações e serviços de saúde, tendo nos limites de espaço e tempo bases teóricas de sua reflexão. Os indicadores de acessibilidade sócio-organizacional, relacionados aos tempos compreendidos entre a espera para marcar uma consulta e o atendimento, foram apreciados pelos usuários como importantes barreiras do acesso da população às unidades básicas de saúde da família. A avaliação que os usuários fizeram da qualidade dos serviços de saúde oferecidos e a utilização dos mesmos esteve diretamente relacionada aos tempos compreendidos entre a espera para marcar uma consulta e o atendimento. Esses resultados são relevantes para conferir direcionalidade às intervenções de melhora da organização dos serviços de saúde no âmbito do SUS.

Considerações finais

A acessibilidade vai além do seu contexto geográfico e sócio-organizacional. Algumas dessas questões não foram tratadas neste trabalho. Ressalta-se, por exemplo, a adequação dos serviços às necessidades, hábitos e costumes da população. Sabe-se que o impacto de uma intervenção está diretamente relacionado a sua capacidade de atender aos preceitos culturais da população em que se inserem. Nesse contexto, deve ser garantido que o agente comunitário de saúde seja morador da comunidade, possibilitando atuar como elo mediador entre a comunidade e o serviço de atenção primária à saúde. Esse fato se torna ainda mais importante nas condições atuais de urbanização e modernização, haja vista sua influência na organização e funcionamento da atenção à saúde e, consequentemente, na qualidade e utilização dos serviços.

 

 

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