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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.16 no.47 Murcia jul. 2017  Epub 01-Jul-2017

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.16.3.253011 

Originales

Comportamentos de risco relacionado com o consumo de substâncias psicoativas em crianças e jovens da cidade de Lisboa

Sérgio Deodato1  , Elisabete Nunes1  , Manuel Capelas2  , Paulo Seabra1  , Alexandra Sarreira-Santos3  , Lurdes Medeiros-Garcia3 

1PhD, Professor Auxiliar, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa. Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS). Lisboa. Portugal.

2PhD, Professor Adjunto, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa. Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS). Lisboa. Portugal.

3MSc, Professora Assistente, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa. Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS). Lisboa. Portugal.

RESUMO

Objetivo

Caracterizar os comportamentos de risco face ao consumo de substâncias psicoativas numa população juvenil da cidade de Lisboa

Método

Estudo observacional, descritivo, transversal. Os participantes foram 113 crianças e jovens que responderam à versão portuguesa do Questionário de Comportamento de Risco e Saúde - Youth Risk Behavior Survey.

Resultados

Os participantes no que se refere à idade estavam entre os 9-13, a maioria frequentava o 5º ano de escolaridade, vivia com os pais, tinha bom aproveitamento escolar, boa relação com colegas embora ¼ referira problemas. Quando preocupados, recorrem à mãe, mas é significativa a atenção dos pares. Quanto à experimentação de substâncias psicoativas apurou-se: tabaco 9,7%, álcool 19,5%, outras substâncias 5,3%.

Conclusão

No que se refere aos comportamentos de risco destaca-se principalmente a experimentação precoce de álcool. Emergiram como fatores protetores: relação familiar e relação com o espaço escola. Esta faixa etária pode constituir-se o momento ideal para a prevenção.

Palavras-chave Crianças; escola; prevenção; drogas ilícitas

INTRODUÇÃO

A caracterização do estado de saúde pode ser realizada nas suas várias dimensões, uma delas, têm a ver com os comportamentos de risco sejam eles, características pessoais e comportamentais, assim como, variáveis sócio ambientais que possam vir a ser determinantes para o consumo de substâncias.

O consumo de substâncias psicoativas, prática ancestral em muitas sociedades, tem sido estudado sob diferentes perspetivas. O foco de análise consoante a faixa etária é uma perspetiva que pode ajudar na compreensão deste fenómeno complexo ao longo de todo o ciclo de vida. Esta análise pode também permitir a construção de intervenções mais adequadas. Alguns estudos têm permitido associar as faixas etárias mais tardias às consequências do uso de drogas 1, as faixas associadas à idade ativa como a fase complexa da vivência da dependência 2 e, por fim, o foco nas idades mais precoces como de primordial importância para a prevenção, apontada como a estratégia mais adequada para fazer face a esta problemática 3,4. As vantagens da prevenção universal (centradas na aquisição de estilos de vida saudáveis e capacidade de decisão) nesta faixa etária, têm sido reconhecida como uma estratégia que pode evitar e atrasar o contacto com as substâncias, tal como, a necessidade de uma prevenção seletiva em contextos de aproximação comportamental ou maior exposição ao risco, no que se refere a diminuir a vulnerabilidade, a exposição a fatores de risco e aumentar a resiliência 5.

A promoção da saúde, definida pela “Carta de Otawa” em 1996, é um processo que visa criar condições que permitam aos indivíduos controlar a sua saúde, a dos grupos onde se inserem e agir sobre os fatores que a influenciam. Está interligada com a necessidade de prevenção universal do consumo de substâncias psicoativas e a promoção de comportamentos saudáveis. A prevenção pode ser entendida como um processo ativo de implementação de iniciativas tendentes a modificar e melhorar a formação integral e a qualidade de vida, fomentando competências pessoais e sociais no sentido do bem-estar 6. Nesse sentido, tem-se discutido qual a idade mais adequada para a “prevenção”. A faixa etária apontada como mais adequada para a prevenção seletiva dos consumos é entre os 11-14 anos 7 pois a consciência do risco está associada à menor probabilidade de consumo 8)(9. É unânime que a prevenção universal deverá ser feita numa idade mais precoce e as estratégias a desenvolver devem basear-se na evidência disponível 5.

O paradigma da prevenção universal e seletiva, necessário para fazer face às necessidades em saúde da população juvenil, previamente ao consumo de substâncias, associa-se numa linha mais recente, à necessidade da prevenção ambiental que visa a alteração das normas sociais, através de estratégias globais que intervêm ao nível da sociedade e dos sistemas sociais. Estas estratégias preconizam a transformação dos ambientes culturais, sociais, físicos e económicos, que interferem com as escolhas individuais do uso de substâncias psicoativas. Nesta faixa etária destaca-se a atenção especial à exposição a mensagens publicitárias, o controlo da idade para compra / venda dessas substâncias ou ainda medidas em contextos particulares como o meio escolar 10. Nesse sentido destaca-se a recente alteração legislativa que eleva, em Portugal, para os 18 anos a possibilidade de adquirir bebida alcoólicas 11. As abordagens preventivas devem ser frequentes mas devemos ter em conta a racionalização de recursos e a sobrecarga de mensagens dirigidas ao mesmo grupo alvo 12.

A abordagem preventiva tem sido aprofundada em alguns estudos, com a substância relacionada com o consumo nas faixas etárias mais precoce, nomeadamente, nicotina. Sobre a problemática do consumo de nicotina identificaram-se como atitudes protetoras: a perceção que há pouco beneficio em fumar, a crença que fumar é danoso e aditivo em curto espaço de tempo, a crença que fumar diminui o stresse e que contribui para uma boa imagem ou promove a imagem de maior idade que a real, por fim, a recusa de que fumar facilita a aceitação social. A investigação aponta que os que fumam têm crenças e atitudes opostas às referidas 4.

Numa perspetiva analítica, dirigida à população em estudo, destacamos que no desenvolvimento das crianças e adolescentes, a vivência em grupo caracteriza a sua sociabilidade e frequentemente não é inclusiva para todos. Este isolamento pode ser considerado um acontecimento adverso com impacto na saúde, mas também, pode estar relacionado com bullying e maus tratos 13. A este conhecimento, podemos juntar para refletir numa perspetiva desenvolvimentista, o facto que o conhecimento efetivo de uma criança deve incluir a construção que cada criança faz da sua situação particular, a forma como ela interpreta e elabora os significados das experiências que vive e a análise que ela faz sobre os outros.

O presente artigo surgiu na lógica da caracterização do estado de saúde de uma população juvenil. Pretendeu-se com esta caracterização, identificar alguns comportamentos efetivos e com impacto na saúde, para lá da perceção dos profissionais de saúde e do domínio psicossocial que intervêm com estas populações. Este estudo foi realizado por investigadores do Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS) da Universidade Católica Portuguesa (UCP), em parceria com a Organização Não Governamental “Médicos do Mundo”, com o objetivo de caracterizar o estado de saúde, comportamentos de risco, autoestima e autoconceito, da referida população que integra diversos projetos de intervenção comunitária, num determinado contexto social, na cidade de Lisboa. Este recorte do estudo assume o objetivo de caracterizar os comportamentos de risco face ao consumo de substâncias psicoativas nesta população juvenil.

MATERIAL E MÉTODO

Estudo observacional, descritivo e transversal com abordagem quantitativa.

Foi utilizado um questionário para caracterização sociodemográfica, o “Questionário de comportamento de risco e comportamentos de saúde - Youth Risk Behavior Survey- (YRBS)”, validada para a população portuguesa 14 e que tem como objetivo avaliar comportamentos de risco, comportamentos de saúde e perceção do envolvimento com a família, amigos e escola em adolescentes. A versão utilizada neste estudo apresenta 102 questões, organizadas em 18 domínios: 1) Características sociodemográficas; 2) Estrutura familiar; 3) Perceção do desempenho escolar; 4) Ambiente escolar; 5) Adaptação social; 6) Suporte social pelos pais amigos, pares, agentes educativos e outros adultos; 7) Saúde e bem-estar; 8) Altura e peso corporal; 9) Segurança e acidentes; 10) Comportamentos de violência; 11) Humor depressivo e ideação auto agressora; 12) Consumo de tabaco, álcool e drogas ilícitas; 13) Comportamento sexual; 14) Perceção do peso corporal e hábitos alimentares; 15) Atividade física; 16) VIH/ SIDA; 17) Uso de serviços de saúde dentária; 18) Proteção solar.

A recolha de dados decorreu em setembro e outubro de 2013, através de sistema online, em computadores nas sedes do projeto de intervenção comunitária e com apoio dos animadores para esclarecimento de qualquer dúvida que surgisse. A população alvo eram todas as crianças e jovens que frequentavam estruturas de apoio comunitário, nomeadamente centros de convívio e atividades juvenis. Como critérios de inclusão foram definidos: crianças e jovens, entre os 9 e os 13 anos (completos no ano de 2013), provenientes de contextos desfavorecidos, nomeadamente bairros de habitação social e outros territórios identificados como prioritários da região de Lisboa, integrados no projeto de intervenção “Like ME” (junto de centros de animação juvenil). A amostra coincidiu com a população-alvo, sendo constituída por 113 sujeitos. Critérios de exclusão: Jovens que se apresentassem momentaneamente nessas estruturas comunitárias mas que não estavam a elas filiados. Os dados foram analisados, com recurso ao programa SPSS Statistical Software for Windows, versão 22 (IBM SPSS, Inc), para obtenção de medidas estatísticas de tendência central, não-central e dispersão consoante a normalidade das distribuições. O estudo teve um parecer positivo da Comissão de Ética para as Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa em parecer emitido em 24 de maio de 2013. Os participantes assim como o seu representante legal assinaram o Formulário de Consentimento livre e esclarecido para participação em estudo de investigação e era garantido a confidencialidade no tratamento dos dados recolhidos na plataforma informática de forma anónima.

RESULTADOS

Os jovens que constituem a amostra, nem todos responderam à totalidade das questões, pelo que nas mesmas não se atinge os 100%. As respostas são apresentadas com a percentagem dos respondentes (n variável). Os participantes que responderam à questão sobre o género distribuem-se em 51,3% de género masculino e 44,2% de género feminino. Têm idades compreendidas entre os 9 (5,3%) e os 13 (15,0%) com a mediana de 11 anos (média de 11,2 anos). A maioria tem como continente de origem a Europa (87,0%) e frequenta o 5º ano de escolaridade (46,9%).

A estatura varia entre 1,24m e 1,73m com média de 1,47m. O peso oscila entre 20kg e 65kg com média de 42,4kg (desvio padrão (s) = 0,1), sendo que 56,8% apresenta peso normal, 8,1% apresenta peso abaixo do normal, com 16,2% a apresentarem obesidade. A média do IMC é de 19,2 (s=3,2)

A maior parte dos jovens vive com ambos os pais (59,3%) e 23,9% vive apenas com um deles. Os pais de 59,3% dos jovens estão casados ou vivem juntos e em 26,5% estão separados. O agregado familiar varia entre 1 e 16 pessoas, mediana de 5.

Perante uma preocupação em termos gerais, as pessoas de referência com as quais os sujeitos mais partilham esse problema são, por ordem decrescente, a mãe (54,0%), os irmãos (35,9%), os amigos (35,4%), o pai (32,7%), os avós (20,4%), o professor (17,7%), entre outros com menos representação percentual. Por outro lado, referem que perante a existência de problemas, aqueles que melhor se apercebem são, por ordem decrescente, a mãe (64,6%), os amigos (44,2%), os irmãos (44,0%), o pai (34,5%), os avós (20,0%), o professor (16,7%), os tios (12,4%), entre outros.

Quanto ao rendimento escolar, 47,8% consideram-no como Bom, 25,7% como Suficiente, 15,0% como Muito Bom e 8,0% Insuficiente. A maioria dos jovens não tem, segundo a sua perceção, problemas de relacionamento com os seus pares, considerando que se “dão bem” com todos os colegas (54,0%) e não se sentindo provocado ou ameaçado pelos mesmos (69,9%). Todavia, 40,7% refere ter problemas de relacionamento com colegas, sendo que 25,7% com um ou dois colegas, 10,6% com alguns deles e 4,4% com todos. Sentem-se algumas vezes provocados ou ameaçados 23,9%. No último ano a maioria dos jovens não se sentiu triste ou sem esperança, de forma a sentir necessidade de abandonar as suas atividades habituais (96,0%).

Consideram que a sua saúde é excelente 40,7%, muito boa 31,0%, boa 23,0% e fraca, apenas 1.8%. No que se refere ao consumo de substâncias psicoativas, a experiência do contacto com o fumo do tabaco foi negada pela maioria dos jovens (90,3%). Dos 6 jovens que responderam positivamente, 4 referem que já fumaram um cigarro inteiro. Apenas um declarou que comprou cigarros no último mês não lhe tendo sido solicitada a identificação.

A maioria dos jovens (80,5%) refere nunca ter ingerido bebidas alcoólicas, sendo que 15,0% refere ter bebido, entre os 6 e os 13 anos, mais que o ato de prova. No último mês um jovem ingeriu pelo menos uma bebida alcoólica num dia e um bebeu cinco ou mais bebidas alcoólicas seguidas, mas nunca no recinto escolar. Relativamente a outras substâncias 94,7% refere não ter experimentado marijuana, 95,6% não ter experimentado alucinogénios, tal como LSD, ácido, ecstasy ou cogumelos. Quanto à experiencia de inalação de drogas, 69,0% nega tê-lo feito. Um jovem refere ter consumido de heroína e cocaína. Também, um jovem refere que existiu oferta de drogas ilegais no recinto escolar, nos últimos 12 meses.

DISCUSSÃO

A necessidade sentida por parte da equipa de investigadores, partindo de uma intervenção no terreno, levou a uma caracterização sociodemográfica e comportamental de uma população ainda muito jovem, com alguns comportamentos de aproximação ao consumo de substâncias, eventualmente subjacentes ao seu meio ambiente. Caracterizavam-se por serem maioritariamente de sexo masculino, com uma estatura média e peso adequados à idade, apesar de que uma pequena parte dos participantes, e no que se refere a esta caracterização inicial, apresentarem excesso de peso. A maioria vivia em agregados familiares com a média de 5 pessoas. Estes dados preliminares podem ser refletidos, enquadrados nos determinantes sociais e económicos para a saúde mental como sejam a educação, as condições habitacionais, as experiências precoces e interação familiar, a cultura e o acesso aos serviços de saúde 15, que muitas vezes vão tornar necessário fatores protetores para uma vivência satisfatória e bem-estar.

Desta caracterização inicial, parece-nos que podemos apontar um dado da caracterização física, como indicador de risco para o consumo de substâncias. Referimo-nos aos participantes com obesidade, que tem sido identificado como um fator que leva as crianças a isolamento no contexto escolar e interpares, relacionado com o fenómeno do bullying que por sua vez tem sido apontado como fator de risco para o consumo de substâncias 13.

Emerge ainda dos dados, alguns dados comportamentais, relacionados com o contexto ambiental, algumas perceções, problemas e preocupações que têm sido considerados igualmente fatores de risco. Referimo-nos aos contextos onde estas crianças e jovens vivem, interagem, se desenvolvem e onde vivenciam eventos de vida mais ou menos stressantes, eventos estes, que são igualmente determinantes para a saúde mental, até porque, estão neste caso, relacionados com o espaço e o tempo escola. Apuramos alguns dados relevantes que se podem considerar fatores de risco para o consumo de substâncias, como seja, um grupo de participantes que tem um aproveitamento escolar insuficiente 16, participantes com preocupações que de alguma forma podemos considerar causadoras de angústia ou mal-estar, problemas de relacionamento, alguns com um ou mais que um colega, e uma pequena percentagem, que consideramos como de grande risco, pois referiram problemas com todos os colegas, o que nos remete para níveis de angústia e ansiedade elevados e a possibilidade da vivência escolar com desprazer 13. A dimensão dos participantes que referiram problemas com todos os colegas, é sobreponível aos que referiram viver tristes e sem esperança para enfrentar o dia-a-dia, com vontade de abandonar as atividades habituais, não podendo os autores apurar se seriam os mesmos participantes. A possibilidade da existência ou vivência de bullying sai reforçada pelos que referiram ser provocados ou ameaçados e podendo ser considerados como de risco para o consumo de substâncias 17. Este risco é acrescido pelas consequências tardias de perturbação mental quando as crianças nesta faixa etária são alvo de bullying, ou mesmo agressores. Estas crianças terão maior probabilidade de desenvolver patologia mental nas faixas etárias mais precoces que outros com níveis de pressão psicológica não tão intensos, que tenderão a sofrer consequências mais tardias 17.

Enquanto fatores protetores para estes fatores de risco os dados apontam para as figuras maternas e os professores. Destaca-se que os participantes se referiram a estes, como recurso extrínseco, quem primeiramente se apercebe dos seus problemas e dificuldades, com quem partilham os problemas, e sobre esta necessidade surge também a figura do amigo, a quem reconhecem também a capacidade de reconhecer os seus estados de zanga e preocupação. Esta proximidade com os pares da mesma idade pode ser apontada nesta população como fator protetor de riscos comportamentais relacionados com a pressão psicológica interpares, com impacto positivo sobre os fatores de risco dos consumos de substâncias 13)(17.

A relação com o professor, no que se refere às questões de saúde e de compreensão de assuntos pessoais, reforça o papel fundamental na prevenção de comportamentos de risco e promoção de estilos de vida saudável, pois estes, livres das relações mais profundas emocionalmente, que caracterizam a relação com os pais, por terem uma relação mais limitada no tempo, menos exclusiva e mais mediatizada pelo saber, poderem desenvolver comunicações emocionalmente menos tensas 6. Refira-se que o apoio social quer a nível instrumental, cognitivo e emocional é um fator determinante para a saúde dos indivíduos, nomeadamente podendo ser vantajoso no que se refere aos fatores de risco do consumo de substâncias 18.

Em relação ao consumo de substâncias psicoativas, e de uma forma geral, estes dados devem ser analisados enquanto fatores de risco. O recurso ao consumo de substâncias deve ser analisado com base nas características intrínsecas da própria criança e adolescente, as atitudes, comportamentos geradores de ansiedade, insegurança e a insatisfação. Devem ser analisados face ao contexto de cada jovem individualmente e face ao seu contexto social, económico, familiar, físico e psicológico 17)(19. O seu estilo de vida, a subcultura juvenil vigente e as capacidades de cada adolescente, irá influenciar a sua relação com as substâncias. Verificou-se que uma parte dos participantes (9,7%) já tinha experimentado tabaco e, outra parte (19,5%) já tinha experimentado álcool, e alguns (15%) mais que apenas provar. Refira-se que uma criança assinalou um episódio de binge drinking. Estes dados evidenciam consumos excessivos antes da maioridade que poderão ter contribuído para o legislador elevar a idade legal para consumo / venda de bebidas alcoólicas 11. Esta lei poderá ser considerada uma estratégia no âmbito da prevenção seletiva.

Estes dados referentes à experimentação e consumo de álcool, apontam para valores inferiores do que os encontrados em populações mais velhas e com mais anos de escolaridade, que são a maioria dos que encontramos na literatura e face a populações com idade e escolaridade semelhantes, os valores foram inferiores 8. No que se refere ao consumo de tabaco, o assinalado pelos nossos participantes, surge em menor percentagem comparativamente a populações mais velhas ou em graus de escolaridade superiores, sendo que se verifica alguma unanimidade na percentagem de consumidores quando na mesma faixa etária e o mesmo nível de escolaridade 9. Podemos considerar que a boa perceção com a sua saúde e a proximidade relacional e capacidade de expressar preocupações com as mães pode contribuir para atitudes que menorizem o risco de experimentação do tabaco 4. Por outro lado a identificação comportamental com o grupo de amigos surge como um fator de risco acrescido, sendo que outros podem ser apontados, como viver apenas com um elemento parental, pais fumadores, nível educacional, atividade física e frequência de eventos festivos 9.

No que se refere ao consumo de outras substâncias psicoativas, nomeadamente canábis e alucinogénios como LSD, ácido, ecstasy ou “cogumelos”, foram assumidos por uma pequena pate dos participantes, embora, com valores percentualmente superiores aos encontrados numa determinada população estudantil com 13 anos de média 19. No entanto, são valores percentualmente inferiores a estudos com populações com mais idade e escolaridade 19. Destaca-se que o nosso estudo aprofundou especificamente a questão do consumo de solventes por via inalada (cola, sprays ou tinta) e esta, foi referida por um terço das crianças. Este dado não destacado noutros estudos é relevante pela iniciação e aproximação aos efeitos das substâncias psicoativas. Com pouca expressão estatística mas de grande relevância clínica e social destaca-se que uma criança assinalou consumos de heroína e cocaína.

A análise dos resultados do nosso estudo, face a outros com populações da mesma faixa etária ou progressivamente mais velhas, apontam para um crescimento do consumo de álcool e de outras substâncias ao longo do crescimento das crianças e jovens 4,6. Progressivamente os consumos são crescentes atingindo um máximo no ensino superior 8. No entanto, importa ainda refletir sobre alguns dados. Portugal é dos países com maior taxa de consumo de álcool “per capita”, mas menor nos adolescentes. O consumo frequente dos progenitores poderá ser apontado como um fator que contribuir para menorizar o consumo nas crianças e adolescentes. Esta afirmação requer mais investigação para se confirmar a sua relevância em termos sociais e o seu impacto na saúde. Outro fator desafiante é a investigação sobre o impacto das campanhas de prevenção e a sua efetividade 19, pois os números apesar de terem menor expressão que noutros países e nesta faixa etária, não deve deixar de ser considerado preocupante enquanto fator de risco para a continuidade de consumos, impacto na saúde em geral e mental em particular 16. O crescimento progressivo dos números referidos nos estudos indica que quando aumenta a faixa etária, é necessária uma resposta legislativa que vise diminuir a exposição ao risco, aumentando em alguns países a idade mínima legal de acesso ao consumo de álcool11.

Assim, sabendo que a procura de substâncias pode ser considerada um recurso de bem-estar imediato, mas com impacto negativo no futuro 20, as estratégias de prevenção deverão ter em conta a maioria dos incluídos nos grupos e um olhar atento aos outros mais excluídos e que porventura estejam em grande sofrimento. A prevenção deve estar atenta ao ambiente familiar e ao ambiente dos adolescentes 9.

Verificamos a dificuldade de comparar os nossos resultados com outros estudos, pela ausência de estudos em populações tão jovens. A maioria dos estudos de identificação de consumos de substâncias centra-se em populações com um mínimo de 9 anos de escolaridade, ou seja com cerca de 15 anos de idade 6.

CONCLUSÃO

Em relação ao consumo de substâncias psicoativas, e de uma forma geral, este estudo coloca em discussão um conjunto de fatores de risco e identifica um conjunto de crianças e jovens em risco, que mesmo tendo uma expressão reduzida na amostra, são relevantes, pela idade precoce destes mesmos participantes. Os dados obtidos permitem contribuir para a caracterização e compreensão do fenómeno na população em estudo e sugerem o planeamento de uma intervenção comunitária mais focada nos comportamentos reais destes jovens.

A análise dos dados relativos ao projeto “Like Me” permite-nos concluir que as crianças e jovens reconhecem a figura materna e o professor como fatores protetores para o seu bem-estar, que o para o consumo de bebidas alcoólicas devem ser adotadas medidas que possibilitem o acesso e consumo numa fase mais tardia das suas vidas. Podemos considerar que o consumo de substâncias nesta população é praticamente inexistente, não podendo deixar de se destacar, a pequena percentagem de jovens que já contactou e contínua com este comportamento, que nesta fase, pode ser considerado como fator de risco para as perturbações por consumo de substâncias.

Consideramos que os fatores protetores encontrados, como a relação familiar de apoio, a forma como se relacionam no espaço e o tempo escola, e a forma como se relacionam, nesta fase, com as substâncias psicoativas, fazem desta faixa etária, um momento ideal de se trabalhar aspetos centrais da prevenção universal, seletiva face ao consumo de substâncias e segue na linha das intervenções de prevenção ambiental.

Como limitação podemos apontar a natureza transversal e descritiva do estudo, assim como o número de participantes que dificulta análise estatística. O tipo de estudo impossibilita relacionarmos dados como a obesidade, insuficiente aproveitamento escolar e os problemas com os colegas, com os dados relacionados com o consumo de substâncias psicoativas, para verificarmos se são efetivamente esses fatores que determinam a aproximação ao consumo de substâncias. A possibilidade de ouvir em entrevista estes jovens poderia, igualmente, fornecer dados comportamentais e vivenciais sensíveis que um estudo quantitativo não fornece.

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Recebido: 08 de Março de 2016; Aceito: 18 de Julho de 2016

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