1. Introdução
As recomendações para a realização de pesquisas com seres humanos no Brasil foram definidas em 1975 quando o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução 671/751, propôs que fossem seguidos os termos internacionais da Declaração de Helsinki1,2,3. A elaboração de critérios nacionais para a prática de pesquisas (por exemplo, a probabilidade de sofrimento de danos imediatos ou tardios para o participante torna-se considerada como risco e classificação de pesquisas com medicamentos como de "risco maior que o mínimo") aconteceu somente em 1988 a partir da organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde (CNS).3,4
Um importante critério estabelecido pela Resolução CNS no 01/88 foi o processo de consentimento informado, que visa fornecer as informações adequadas ao participante de pesquisa possibilitando que este tome a decisão de participar ou não do estudo de maneira voluntária, livre de pressões externas. Apenas o aceite formal no papel do participante da pesquisa, muitas vezes apenas uma permissão, não é válido eticamente. Em uma revisão histórica do processo de consentimento, Ruth Faden e Tom Beauchamp5 estabeleceram uma abordagem abrangente para o processo de Consentimento Informado composto de três etapas: as condições prévias da pessoa que irá consentir, os elementos de informação, e o consentimento propriamente dito.
A voluntariedade do consentimento pode ser afetada pela restrição, parcial ou total, da autonomia da pessoa ou ainda pela sua condição de membro de um grupo vulnerável. A situação coercitiva, imposta por uma redução da voluntariedade, pode estar presente em grupos nos quais existe uma clara dependência hierárquica, como em militares, funcionários, membros de organizações religiosas, estudantes, ou com outros tipos de vulnerabilidade, tipo a verificada em pacientes, comunidades carentes, e presidiários6. Quando houver a previsão de retribuir a participação no projeto, cuidados especiais devem ser tomados para evitar que haja comprometimento da voluntariedade6,7. As retribuições, tais como: dinheiro, medicamentos para pacientes crônicos, acesso a serviços de saúde, entre outros, não devem ser de tal montante a ponto de interferir na liberdade de opção do individuo. (8
Recentemente, em 2012, o CNS tornou possível a remuneração de participantes de pesquisa em estudos clínicos de Bioequivalência e de Fase I por meio da Resolução 466/20129. Os estudos de biodisponibilidade relativa ou bioequivalência são parte do processo de registro de medicamentos e consistem na demonstração de equivalência farmacêutica entre diferentes produtos apresentados sob a mesma forma farmacêutica10. Já os estudos de fase I consistem do primeiro teste em seres humanos de um novo princípio ativo ou nova formulação, em geral em pequenos grupos de pessoas sadias11. Por ser essa a primeira forma regulamentada de remuneração em pesquisas no Brasil e por não serem estabelecidos parâmetros monetários para a sua realização, tornam-se necessários estudos que avaliem as adequações éticas dessa prática. O presente estudo, portanto, objetivou verificar o efeito da remuneração de participantes de pesquisa saudáveis, e se este pagamento influencia na tomada de decisão em participar ou não de uma pesquisa.
2. A remuneração na pesquisa
Em âmbito internacional, a remuneração de participantes de pesquisa tem grande adesão, ainda que existam divergências acerca de sua prática12,13. Por exemplo, para alguns pesquisadores, qualquer pagamento dificulta o entendimento de possíveis riscos para os participantes por fazer com que estes desconsiderem efeitos colaterais ou prejuízos de um estudo em detrimento de um valor em dinheiro14. Nessa linha, qualquer prejuízo desse tipo configura um obstáculo no exercício da autonomia dos participantes, e, assim, uma forma de influência. Já para outros, o pagamento como incentivo financeiro para a participação de pesquisas, não deve ser considerado como um dificultador da liberdade de decisões dos participantes, mas como uma compensação monetária justa pelo tempo pessoal despendido para os estudos13,15.
Apesar das divergências, a remuneração de participantes de pesquisa nos Estados Unidos acontece há mais de 100 anos, sendo realizada de acordo com quatro modelos de remuneração12: Mercado, Salário, Reembolso, e Apreciação. Segundo o autor, o Modelo de Mercado permite aos pesquisadores o cálculo de valor necessário para recrutar o número e o tipo de participantes no tempo desejado, de acordo com sua "disponibilidade no mercado". Estudos que necessitam de uma amostra clínica com uma patologia rara, por exemplo, pagarão um valor alto a seus participantes, por estas pessoas serem mais escassas dentre a população. É o modelo com maior rapidez de recrutamento e maior taxa de retenção dos participantes, enquanto também tem o potencial de ser o mais coercitivo, já que prevê que se estabeleça um valor alto o bastante para ultrapassar uma possível aversão ao risco ou periculosidade dos procedimentos aos participantes, como um incentivo financeiro direto. Já o Modelo de Salário oferece uma compensação aos participantes de acordo com o tempo e contribuição para a pesquisa. É estabelecido previamente um valor por hora e, em cima deste, é adicionado outro valor por inconveniência de cada procedimento que será realizado. O Modelo de Reembolso prevê um ressarcimento pelas despesas da participação, como transporte e alimentação, e promove uma participação neutra quanto a despesas por somente reembolsar os participantes na medida das despesas gastas com a pesquisa. No entanto, o autor sugere que esse modelo pode ter pouco impacto no recrutamento, já que não é previsto nenhum "ganho" financeiro ao participante, e reembolsos muito discrepantes entre participantes. Por exemplo, um participante que reside longe do local da pesquisa e recebe R$ 200,00 por hora em seu emprego exigirá maior reembolso do que um participante com residência perto e desempregado, o que pode levar somente ao recrutamento de populações com baixo ganho salarial. Por fim, o Modelo de Apreciação entende o pagamento como uma gratificação pela disponibilidade do participante, acontecendo, muitas vezes, a partir de formas não-monetárias, como presentes (e.g., camisetas, canecas). Esse modelo, geralmente, não resulta no fechamento da amostra necessária de participantes.12
Dentre esses quatro modelos, Grady12 considera que o Modelo de Salário é o mais eticamente adequado, por reconhecer a contribuição individual de cada participante, oferecendo a menor probabilidade de influência excessiva pelo dinheiro sobre pessoas que não desejam participar de pesquisas, ainda que ofereça compensação para os que desejam. Esse método possui impacto favorável quanto ao recrutamento, permitindo angariar o número adequado de participantes necessários, sendo relativamente padronizado entre pesquisas clínicas. A partir disso, o National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos elaborou diretrizes (revisitadas em 2015) para a remuneração de participantes de pesquisa16. O órgão estabeleceu "unidades de inconveniência," ou seja, uma quantia monetária de US$ 10,00 que estimula que os pesquisadores estabeleçam um valor prévio por cada hora de participação e, em cima desse, adicionem "unidades" por grau de desconforto que cada procedimento gera para o participante. Por exemplo, se um pesquisador estipula 5 unidades para uma ressonância magnética feita no período de duas horas, o participante pode receber US$ 80,00, $30 pelo tempo e $50 pelo procedimento. Se designa 2 unidades por uma coleta de sangue feita em uma hora, o participante pode receber $ 35,00, sendo $15 pelo tempo e $20 pela coleta, estipulando que a ressonância cause maior desconforto do que a coleta de sangue17. Já o U.S. Food and Drug Administration (FDA), considera o pagamento a participantes como um incentivo, sendo aceitável para quem completa a pesquisa, desde que não apresente influência indevida, não explicitando maiores detalhes sobre o que configuraria essa influencia.18
2.1 Consequências da remuneração
Os questionamentos éticos acerca da adequação da remuneração em pesquisa concernem, principalmente, quanto ao pagamento ser considerado uma possível influência excessiva sobre o participante. Uma recompensa monetária, por exemplo, poderia incentivar participantes a esconder, modificar ou omitir respostas que os desqualificariam da pesquisa e, logo, do pagamento, o que pode ser considerado uma consequência dessa influência indevida12. Uma revisão de 13 estudos com participantes voluntários nos Estados Unidos, Europa, e Maláui mostrou que a recompensa financeira era a motivação primária para participantes saudáveis de estudos clínicos, seguido da vontade de contribuir com a ciência e saúde de outras pessoas19. Dois estudos com participantes nos Estados Unidos, Bélgica, e Cingapura também sugeriram que o tipo de intervenção e as características individuais dos participantes influenciam a decisão dos indivíduos20,21. Além disso, é importante ressaltar que alguns autores destacam que a remuneração em pesquisa pode ser um importante ponto de discussão sobre a exploração de indivíduos e comunidades em situação de vulnerabilidade, principalmente socioeconômica, uma vez que estes estariam mais predispostos a esconder, omitir ou modificar respostas que os desqualificassem do protocolo clínico. (22,23
No entanto, essa visão não é consenso na literatura. Por exemplo, Grady considera algo como coercitivo quando este apresenta uma ameaça à integridade física, psicológica, ou social de uma pessoa, e, em sua visão, a remuneração de uma pesquisa deve ser considerada como uma oportunidade, sem ameaças e, portanto, não coercitiva12. A autora reflete, no entanto, se uma remuneração pode ser uma influência excessiva sobre o participante. Segundo o manual oficial dos Comitês de Ética (Institutional Review Board) dos Estados Unidos, uma influência excessiva e problemática em pesquisas clínicas acontece quando o atrativo financeiro tem o poder de "cegar" os participantes para os potenciais riscos da pesquisa, assim comprometendo sua livre decisão. Segundo a autora, mesmo que a pessoa não consiga clarificar os riscos com que se compromete ao participar de uma pesquisa, essa já teria passado pela aprovação de um Comitê de Ética e seus possíveis riscos já teriam sido, então, avaliados e aprovados. Destaca ainda que, para voluntários saudáveis, as pesquisas não oferecem benefício terapêutico algum, ao contrário de pesquisas com uma amostra clínica. Para esses voluntários, a remuneração seria uma gratificação pelo tempo despendido ou uma compensação justa pela inconveniência que alguns procedimentos da pesquisa podem apresentar, não uma influencia.13,24,25
Dickert, Emanuel e Grady observaram que pacientes também são frequentemente pagos para participar de uma pesquisa clínica, apesar da ideia, vigente na literatura, de que apenas indivíduos saudáveis são pagos2637.5% had written guidelines about paying subjects; all but 1 reported having rules of thumb. Few (18.8%. Esta situação poderá ocorrer no Brasil quando Estudos de Fase I envolverem a participação de pacientes, especialmente nas áreas de Oncologia e de Psiquiatria7. Em um estudo de 2008, Williams e colaboradores atentam para o fato de que o recrutamento de participantes de pesquisa causa um grande impacto sobre a qualidade, custo e acesso a pesquisa em saúde27. Considerando que no Reino Unido o número de voluntários em pesquisas vem sofrendo uma redução considerável, isto poderia causar um aumento no viés de seleção dos participantes.27
Frente a uma possível fragilidade da relação entre remuneração e sua influência, surgiu a demanda de identificar qual a percepção da influência da remuneração monetária do participante frente à pesquisa e frente a procedimentos assistenciais através de uma escala de percepção dessa influência28,29. A escala foi adaptada do MacArthur Coercion Study, que contém cinco itens divididos nos seguintes domínios: influência, controle, escolha, liberdade e ideia28. Essa escala foi validada para uso na língua portuguesa falada no Brasil e para avaliar a percepção da influência indevida entre pacientes psiquiátricos e não psiquiátricos bem como para área da pesquisa. (29,30
Cabe ressaltar que, mesmo que os participantes tenham compreensão dos riscos, o comprometimento com a participação em pesquisas pode gerar um conflito interno a nível biológico. Em casos nos quais a aceitação do convite de pesquisa acontece somente pelo estímulo monetário, o participante pode sentir-se influenciado ao aceite em situações na qual, sem a remuneração, não participaria da pesquisa. Essa percepção da influência monetária poderia gerar uma carga de estresse ao organismo, e, em resposta à essa mudança fisiológica, a ativação do eixo hipotálamo-hipófise para a liberação de cortisol pelas glândulas adrenais31. Por exemplo, ao analisar a relação acerca do impacto da influência do médico no aumento do estresse ocupacional de enfermeiros, Costa e Martins demonstraram que o poder de influência como exercício de poder de um indivíduo seria um preditor direto de aumento de estresse em outro.32
A validade do consentimento, dentre outros fatores, depende da garantia de que não houve elementos coercitivos atuantes neste processo34. Nesse sentido, as diretrizes atuais do CNS estabelecem que um participante de pesquisa é um indivíduo que, de forma voluntária e esclarecida, aceita ser pesquisado9. No entanto, quando existe remuneração, a voluntariedade do participante pode tornar-se enviesada pela quantidade em dinheiro, agindo de forma coercitiva e retirando do participante sua liberdade de decisão14. Frente às novas regulamentações do CNS e reconhecendo a importância do tema, o presente estudo teve por objetivo analisar os efeitos da remuneração em participantes saudáveis em simulações de convite para participação em estudos de Fase I e Bioequivalência, analisando possíveis níveis de influência pela remuneração monetária e nível de risco do estudo. Além disso, os níveis de cortisol salivar foram avaliados, visando a verificação da relação entre o poder da influência da remuneração e o aumento de estresse em participantes de pesquisa.
3. Método
3.1 Delineamento
O estudo envolveu uma comparação entre o nível de risco (ou periculosidade) do estudo (Fase I, com maior risco; ou Bioequivalência, com menor risco) e remuneração monetária (com ou sem), baseada em um modelo de Salário12. Todos os participantes foram aleatoriamente designados para receber um convite inicial para participar de uma simulação de um ou outro tipo de estudo. Caso aceitassem participar, a pesquisa terminava. Caso não aceitassem, receberiam um convite para participar de um novo estudo, diminuindo em nível de risco e aumentando em termos de remuneração monetária (Figura 1). Dessa forma, se um participante que foi inicialmente convidado para um estudo de Fase I sem remuneração (Momento 1) recusasse participar, ele seria convidado a participar de um estudo de Fase I com remuneração (Momento 2). Se não aceitasse o convite novamente, seria convidado a participar de um estudo de Bioequivalência com remuneração (Momento 3). Já o participante que, em um primeiro momento, recebeu o convite para participar de um estudo de Bioequivalência sem remuneração (Momento 1) e recusou, seria convidado, na sequência, para participar de um estudo de Bioequivalência com remuneração (Momento 2), mas não um estudo Fase I, pois este tem maior nível de risco.
3.2 Participantes
Participaram do estudo 80 voluntários saudáveis. Todos os participantes foram selecionados por conveniência (e.g., mídias sociais e contatos pessoais) e designados aleatoriamente para cada condição experimental inicial: quatro grupos variando em nível de risco do estudo e tipo de remuneração monetária.
3.3 Instrumentos e procedimentos
O estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, sendo sua coleta de dados iniciada apenas após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (CAAE no 30965114.6.0000.5327). Os procedimentos relativos à ética na pesquisa foram tomados em conformidade com a legislação nacional.
A coleta de dados foi realizada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no período de janeiro a novembro de 2017. Após a chegada do participante, este foi convidado a participar de uma simulação para avaliar sua decisão frente a pesquisas com medicações, sem a menção da remuneração para evitar vieses na decisão. Todos que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e permaneceram em jejum e em repouso físico de uma hora. A coleta foi realizada individualmente em um consultório específico destinado para pesquisas.
Antes de começar a simulação, cada participante forneceu a primeira de três amostras de saliva, coletadas entre seis Eppendorfs SaliCap de 1,5 ml por pessoa. As outras duas amostras foram coletadas logo após a simulação com intervalo de 15 minutos entre elas. As amostras foram posteriormente centrifugadas a 10.000 RCF por 3 minutos a uma temperatura de 10ºC, armazenadas em um freezer de -80ºC na unidade de análise de proteínas e depois levadas à Patologia Clínica para obtenção de resultados dos níveis de cortisol salivar.
A simulação consistiu em, primeiramente, um preâmbulo sobre a importância de testes farmacológicos com uma amostra de seres humanos saudáveis. Em seguida, foi feito um convite para a participação de uma pesquisa sobre um novo medicamento para insuficiência cardíaca e foi explicado o tipo de estudo que seria realizado: Bioequivalência (comparação de um novo medicamento a outro que já está disponível no mercado, já testado em seres humanos) ou Fase I (verificação da segurança e tolerância de um medicamento sendo testado pela primeira vez em seres humanos).
Foram explicados os procedimentos para a participação, envolvendo a quantidade de visitas ao hospital que cada estudo requisitava (Bioequivalência: 3 visitas com 2 internações de 48h; Fase I: 4 visitas com 1 internação de 48h), destacando a ingestão do medicamento e 10 coletas de sangue com somente uma picada durante os períodos de internação. Foram apresentados os possíveis efeitos colaterais (Bioequivalência: possível cansaço, tontura e dor de cabeça; Fase I: impossível precisar, já que o medicamento nunca havia sido testado em seres humanos) e a remuneração, se presente, de R$ 1.650 nos dois estudos (Bioequivalência: 750 por internação e 150 por consulta; Fase I: 1.200 pela internação e 150 por consulta). Foi destacado que o participante poderia sair da pesquisa caso desejasse, sem ter seus dados revelados. Antes da decisão, o participante recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do estudo conforme a condição experimental à qual foi designado.
Para os participantes que aceitaram o convite de pesquisa da primeira condição experimental, a simulação foi encerrada. Os que recusaram foram novamente convidados a uma outra pesquisa com nível de risco mais baixo ou com a presença de remuneração (Figura 1), à exceção do estudo de Bioequivalência com remuneração, que encerrava, pois é a condição com menor nível de risco e já com remuneração.
Ao fim da simulação e depois da segunda coleta de saliva, todos os participantes preencheram a Escala de Percepção de Coerção29. A escala, com escores entre 0 e 5, sendo 5 o escore máximo de percepção de influência monetária, avalia com 5 perguntas a percepção do participante em relação à liberdade de sua escolha de participar das pesquisas apresentadas, com perguntas como "Senti-me livre para fazer o que quisesse a respeito da minha participação na pesquisa", com escolha forçada (sim/não). Por fim, todos os participantes preencheram um questionário sociodemográfico e forneceram informações sobre sono e ingestão de medicamentos contínuos que poderiam influenciar na análise do cortisol salivar.
4. Resultados e discussão
Os 80 participantes tinham idade entre 18 e 79 anos (Média = 35,81; DP = 15,21). A maioria dos participantes era solteiro (64,1%) ou estava casado ou em união estável (29,5%). A média de anos de estudo foi 16,44 anos (DP = 3,86), embora alguns ainda fossem estudantes (39,2%). A maior parte dos participantes tinha algum tipo de vínculo empregatício (46,8%), e os demais eram aposentados ou desempregados (14%). Além disso, a renda individual (e familiar) era de até 1 salário mínimo para 29.9% (5%) dos participantes, entre 1 e 2 salários mínimos para 32,5% (21,3%), entre 2 e 5 salários mínimos para 27,3% (38,7%), e acima de 5 salários para 10,3% (35%). A distribuição sociodemográfica por grupo experimental foi detalhada na Tabela 1. Cabe ressaltar que apenas 76 dos participantes tinham dados completos de cortisol salivar, sendo que os demais não coletaram material suficiente para análise. A análise comportamental foi feita com todos os participantes.
Em média, 72,5% (DP=44,9) dos indivíduos aceitaram participar da primeira pesquisa para a qual foram convidados. Essa relação entre o primeiro convite e a escolha final foi significativa [Χ2(9)=136,33, p<0,001], ou seja, a maioria dos participantes decidiu participar da pesquisa independente da condição experimental. Dentre os indivíduos que não aceitaram participar no primeiro convite, 10% aceitaram participar de uma condição experimental com mesmo ou menor nível de risco e maior remuneração monetária (i.e., 7,5% aceitaram participar de estudos de Bioequivalência com remuneração e 2,5% de estudos de Fase 1 com remuneração). Os demais 17,5% dos participantes não aceitaram participar de nenhuma condição de pesquisa. Esse resultado é consistente com outros da literatura que sugerem alta taxa de motivação para participar de estudos de Fase I20. Tal resultado também sugere que a possibilidade de remuneração de participantes de pesquisa no presente estudo não constitui uma interferência na voluntariedade do processo de consentimento. Pelo contrário, os participantes mantiveram seu poder de optar, no seu melhor interesse, por uma das alternativas propostas.
A percepção média da influência da remuneração monetária foi muito baixa (M=0,80, DP = 0,89), sugerindo que, de maneira geral, os participantes não se sentiram influenciados a aceitar participar da pesquisa. A voluntariedade, portanto, não parece ter sido afetada pelo incentivo monetário constituindo uma situação de influência indevida. Apesar disso, uma comparação entre a percepção dos 14 participantes que aceitaram participar e indicaram influência muita baixa (M=0,62, DP=0,70) e os 66 que não aceitaram participar e indicaram influência baixa (M=1,64, DP=1,22) mostra um aumento na percepção da influência [F(1,78)=12,06, p<0,001, η2=0,19]. Em termos qualitativos, no entanto, essa diferença encontra-se entre concordar com até 2 das 5 afirmativas (participantes que aceitaram eventualmente participar de alguma pesquisa) e concordar com até 3 das 5 afirmativas sobre influência (participantes que não aceitaram). Ou seja, de maneira geral todos os participantes apresentaram níveis similares de percepção de influência (baixo e muito baixo) independentemente de concordarem em participar, e um sentimento de terem sido tratados de maneira justa e correta durante as situações de consentimiento. (6
Uma comparação detalhada do aceite entre as diferentes opções de estudo mostrou também um aumento na percepção da influência apenas entre os participantes que não aceitaram participar de nenhum tipo de estudo e consideraram a influência baixa (M=1,64, DP=1,22) e os que aceitaram participar das demais condições e consideraram a influência muito baixa [F(4, 75)=4,79, p=0,002, η2=0,20]: Fase I sem remuneração (M=0,79, DP=0,80) e com remuneração (M=0,53, DP=0,62), e Bioequivalência sem remuneração (M=0,69, DP=0,75) e com remuneração (M=0,5, DP=0,67). Ou seja, a presença da remuneração em si não modificou a percepção de influência, mas possivelmente alguma outra característica do estudo ou diferenças individuais dos participantes pode ter sido responsável pelo resultado21. Resultados de uma comparação entre aceite (com e sem remuneração) e variáveis demográficas não foram significativos (ps>0,05), sugerindo que dentre as informações disponíveis, não é possível determinar diferenças individuais potencialmente responsáveis por esse resultado. Quando o convite variava apenas em termos de remuneração, não houve associação entre características demográficas dos participantes que aceitaram participar e a presença de remuneração. Uma possível explicação é um sentimento de indução gerado pelo próprio delineamento do estudo, pois sempre que os participantes recusassem participar de uma pesquisa, eram convidados a participar de nova pesquisa. Essa repetição dos convites pode ter gerado um desconforto nos participantes que decidiram não participar.
Em relação ao nível de cortisol, a concentração média em condições basais foi de 0,38 ug/dL (DP=0,48) e após o estudo foi de 0,44 ug/dL (DP=0,55) e quinze minutos depois foi de 0,46 ug/dL (DP=0,76). Uma comparação da correlação entre o grau de influência e as diferença das medidas experimentais em relação à condição basal não foi significativa (p>0,05), sugerindo que não houve mudança fisiológica para a liberação de cortisol pelas glândulas adrenais imediatamente antes e nos dois momentos depois do estudo. Nessa mesma linha, não houve diferenças na mudança de liberação de cortisol entre os participantes que aceitaram e os que não aceitaram participar das condições experimentais de pesquisa (ps>0,05).
5. Considerações finais
De maneira geral, observou-se que os participantes não se sentiram influenciados a participar de nenhuma condição de pesquisa independentemente do nível de risco e tipo de remuneração monetária. A maioria dos participantes também apresentou níveis relativamente baixos na Escala de Percepção de Coerção, o que pode ser uma limitação da baixa sensibilidade do instrumento. Apesar disso, a percepção da influência da remuneração monetária foi maior entre participantes que não aceitaram participar em alguma das pesquisas. Ainda assim, essa percepção não prejudicou o seu caráter voluntário, considerando que eles mantiveram sua resposta negativa ao longo do estudo.
Cabe ressaltar, no entanto, que existem múltiplos fatores que podem influenciar de maneira coercitiva a participação do indivíduo na pesquisa, e nem todos foram avaliados no presente estudo33,34. Além disso, os participantes do presente estudo foram pessoas voluntárias e, portanto, já inclinadas a participar de pesquisa em geral, potencial viés de seleção para a simulação de pesquisa. Esses participantes também tem a limitação de terem sido selecionados por conveniência e totalizarem uma amostra pequena para cada grupo experimental e os resultados devem ser interpretados à luz dessas restrições. Futuras pesquisas que envolvam remuneração de participantes devem continuar avaliando a percepção da influência da remuneração monetária no intuito de aprimorar o conhecimento frente à possível fragilidade do participante de pesquisas com intervenções à saúde.
Considerando que o pagamento poderia tornar mais difícil para os participantes avaliar os riscos e benefícios da pesquisa, incentivando-os a se expor ao potencial risco de sofrer algum dano, é ainda mais importante que o consentimento não esteja sujeito a qualquer influência da remuneração monetária35. Uma alternativa é incentivar a reflexão pública sobre a participação na pesquisa e melhorar o recrutamento, fornecendo informações sobre os benefícios potenciais da investigação para os outros, bem como aos próprios participantes da pesquisa, estimulando o debate e influenciando as expectativas sociais sobre o envolvimento na pesquisa. As instituições públicas e entidades beneficentes utilizam várias formas de publicidade para incentivar o comportamento altruísta e gerar expectativas sociais sobre a doação de dinheiro, sangue, e órgãos para o benefício dos outros. Deve ser dada atenção ao uso da comunicação persuasiva semelhantes para promover uma maior participação na pesquisa em saúde em geral.27