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Cuadernos de Psicología del Deporte

versão On-line ISSN 1989-5879versão impressa ISSN 1578-8423

CPD vol.19 no.2 Murcia  2019  Epub 13-Jul-2020

 

Psicología del Deporte

Resiliência em atletas de Artes Marciais Mistas: relação entre estressores e fatores psicológicos de proteção

Resiliencia en atletas de Artes Marciales Mixtas: relación entre estresores y factores psicológicos de protección

Resilience in Mixed Martial Arts Athletes: relationship between stressors and psychological protection factors

D. A. Pires1  , P. A. Lima1  , E. M Penna1 

1Faculdade de Educação Física, Campus Universitário de Castanhal, Universidade Federal do Pará

RESUMO

Lidar com situações impostas em treinamentos e competições e saber administrá-las emocionalmente é essencial para que atletas apresentem um desempenho elevado. Estudos apontam que atletas resilientes apresentam a capacidade de enfrentar e interpretar positivamente situações adversas. Esta pesquisa tem como objetivo investigar a dinâmica do processo de resiliência em atletas profissionais de MMA. A amostra desse estudo foi constituída por 10 atletas brasileiros. O instrumento utilizado foi um roteiro de entrevista semiestruturada, tendo como base a teoria fundamentada da resiliência psicológica e ótimo desempenho esportivo. Os resultados constataram que o processo de resiliência pode ocorrer quando os fatores internos (próprios do indivíduo) e fatores externos (como o ambiente e as relações sociais) se interagem, produzindo respostas favoráveis mesmo em situações provedoras de estresse da modalidade.

Palavras-chave: Resiliência; atletas; psicologia do esporte.

RESUMEN

Luchar con situaciones impuestas en competiciones y entrenamientos y saber administrarlas emocionalmente es esencial para que los atletas presenten un buen resultado en competiciones. Los estudios apuntan que los atletas resilientes presentan la capacidad de enfrentar e interpretar positivamente situaciones adversas. Esta investigación tiene como objetivo general investigar la dinámica del proceso de resiliencia en atletas profesionales de MMA. La muestra de este estudio fue constituida por 10 atletas brasileños. El instrumento utilizado fue un guión de entrevista semiestructurada, teniendo como base la teoría fundamentada de la resiliencia psicológica y óptimo desempeño deportivo. Los resultados de este estudio constataron que el proceso de resiliencia puede ocurrir cuando los factores internos (propios del individuo) y también factores externos (como el ambiente y las relaciones sociales) se interactúan, produciendo respuestas favorables incluso en las situaciones proveedoras de estrés de la modalidad.

Palabras clave: Resiliencia; atletas; psicología del deporte

ABSTRACT

Dealing with situations imposed in training and competitions and knowing how to administer them emotionally is essential for athletes to present high performance. Studies point that resilient athletes have the ability to face and interpret adverse situations positively. This research aims to investigate the dynamics of the resilience process in professional athletes of MMA. The sample of this study consisted of 10 athletes from Brazil. The instrument used was a semi-structured interview script, based on the theory of psychological resilience and optimal sports performance. The results of this study showed that the resilience process can occur when the internal factors of the individual interact with external factors (such as the environment and the social relations experienced by the athletes), producing favorable responses even in the stressful situations of the modality.

Keywords: Resilience; athletes; sport psychology

INTRODUÇÃO

As Artes Marciais Mistas (Mixed Marcial Arts - MMA) se constituem em uma modalidade esportiva de combate com elevada popularidade nos tempos atuais. Homens e mulheres tentam uma oportunidade de serem competidores de grandes eventos de MMA como o “Ultimate Fighting Championship” (UFC), entidade esportiva que arrecada milhões de dólares anualmente em seus torneios (Belém, Costa, Botha, Passos, &Vieira, 2016). Diante da representatividade do MMA no contexto esportivo atual, é necessário que o atleta apresente a habilidade de lidar com as situações adversas impostas em treinamentos e competições, administrando-as emocionalmente, para assim apresentar um bom resultado durante os desafios (Belém et al., 2016; Belém et al., 2017).

A superexposição dos competidores, níveis elevados de treinamento, ansiedade, medo, ou uma preparação inadequada podem demandar altas cargas de estresse ao atleta, prejudicando seu desempenho (Mckay, Niven, Lavallee, & White, 2008; Neves, Barbosa, Silva, Brandão & Zanetti, 2018). O enfrentamento

dos agentes estressores pode ser relevante para a prevenção e controle do estresse. O coping consiste em uma série de esforços comportamentais e cognitivos empregados para controlar, reduzir ou tolerar as demandas internas e externas que surgem em situações estressantes específicas e são avaliadas como sobrecargas (Lazarus & Folkman, 1984). O binômio estresse-coping pode estar associado ao atributo psicológico da resiliência, processo que possibilita transformar uma situação traumática e dolorosa numa possibilidade de aprendizagem e de crescimento (Fletcher & Fletcher, 2005; Perim, Corte-Real, Dias, Parker, Souza & Fonseca, 2015).

Em relação às investigações sobre a resiliência no contexto esportivo, achados de recente revisão sistemática (Codonhato, 2017) revelaram que, dos 44 estudos encontrados, 12 (27,3%) utilizaram métodos qualitativos, dos quais apenas dois foram realizados no contexto brasileiro. No âmbito específico do MMA, estudos apontam para lacunas na literatura sobre a associação entre fatores psicológicos como a resiliência e o desempenho esportivo (Belém et al., 2016; Belém et al., 2017; Massey, Meyer, & Naylor, 2013).

O esporte de rendimento é um ambiente que expõe atletas ao risco e ao estresse, pois comumente são submetidos a altas cargas de treinamento (Hynynen, Uusitalo, Konttinen, & Rusko, 2006). Devido a esse contexto, investigações sobre resiliência visam abordar e identificar quais fenômenos estão envolvidos com a gestão do estresse (Krane & Williams, 2006), constituindo-a em elemento importante para a obtenção de níveis mais altos de desempenho esportivo em elevado nível competitivo.

A teoria fundamentada da resiliência psicológica e ótimo desempenho esportivo (TFR) (Fletcher & Sarkar, 2012) tem sido empregada para investigar os fatores associados ao sucesso esportivo (Codonhato, 2017; Massey et al., 2013; White & Bennie, 2015). Nesta base teórica, a resiliência do atleta é um processo composto por: a) estressores competitivos, organizacionais e pessoais, e b) fatores de proteção, caracterizados pela percepção do atleta frente a esses estressores, dependendo de recursos intrínsecos e extrínsecos que proporcionariam melhor interpretação e tomada de decisão frente à tarefa (Fergus & Zimmerman, 2005), ou seja, ocorre uma interatividade das características psicológicas dentro do contexto de processo de estresse (Sarkar & Fletcher, 2013; Sarkar, 2017).

A TFR apresenta uma conjuntura sistêmica da resiliência, evidenciando os fatores psicológicos de proteção, diferenciando-se do modelo transacional de estresse e coping (Lazarus & Folkman, 1984), o qual pressupõe que o modo como a pessoa reage às situações de estresse pode ser considerado um processo psicológico sujeito às intervenções de fatores cognitivos, motivacionais e relacionais.

Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo geral investigar o processo de resiliência em atletas profissionais de MMA e como objetivo específico analisar os aspectos psicológicos de proteção ao atleta.

MATERIAIS E MÉTODOS

Tipo de Estudo

Este estudo é de natureza empírica, caracterizado por uma pesquisa qualitativa com abordagem descritiva. White e Bennie (2015) afirmam que métodos qualitativos permitem descobrir como ocorre um fenômeno dentro de um contexto particular em que a coerência deve ser evidente ao longo da pesquisa. Diante do exposto, este estudo busca analisar como o fenômeno se manifesta no ambiente esportivo específico do MMA, levando em consideração a percepção subjetiva dos sujeitos participantes (Johnson, Arduiz, & Lópes, 2018; Richardson & Pfeiffer, 2017).

Participantes

Participaram do estudo dez atletas de MMA, com idades variando entre 25 e 43 anos (M = 31,4 ± 5,7 anos) sendo nove homens e uma mulher. Cinco atletas já participaram de eventos internacionais, dois atletas são de nível competitivo nacional, e três atletas são de nível competitivo estadual. Do total, nove são naturais do Pará e um do Amapá. Os participantes representam aproximadamente cinco por cento da população de atletas de MMA da região norte do Brasil. No momento da coleta de dados, todos estavam treinando regulamente para competições com frequência semanal de seis dias. Os atletas praticam a modalidade em média há 7,3 ± 4,7 anos. O tempo médio de treino diário foi de 5,7 ± 2,0 horas praticados em dois turnos. Os participantes do estudo relataram estar em período de preparação geral (n=07) e em período pré-competitivo (n=03).

Instrumentos

As variáveis relacionadas ao treinamento dos atletas foram identificadas por meio de um questionário sociodemográfico contendo questões relacionadas à: idade, categoria em que luta, tempo de prática, tempo de treino diário e período de treinamento. O roteiro de entrevista semiestruturada foi o instrumento utilizado para a investigação da resiliência. A estruturação do roteiro teve como base o guia de entrevista elaborado por Codonhato (2017) observado na Tabela 1.

Tabela 1 Roteiro de entrevista semiestruturada. 

Procedimentos

Após solicitação prévia com treinadores, foram agendados os dias e horários para a coleta de dados. As entrevistas foram realizadas de forma individual, em ambiente fechado e silencioso. Todas as entrevistas foram gravadas (áudio), com duração média de 45 minutos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com seres humanos, conforme parecer 65796316.3.0000.0017.

Análise dos dados

O tratamento dos dados da pesquisa se deu a partir da técnica da análise de conteúdo (Bardin, 2011), cuja utilização tem sido recorrente na literatura em Psicologia do Esporte (Santiago, Pires, Samulski, & Costa, 2016; Zabala, Rueda, & Rodríguez, 2009). A análise de conteúdo sugere uma organização em torno de três pólos cronológicos: 1) a pré-análise (organização e sistematização das ideias iniciais); 2) a exploração do material (agregação sistemática dos dados em unidades); e 3) tratamento dos resultados obtidos, inferência e interpretação (conclusões a partir dos resultados significativos extraídos do conteúdo analisado). Realizou-se a codificação por meio da criação de um código alfanumérico formado pela letra (L) e um número (1 a 10), de acordo com a ordem das entrevistas, garantindo-se o anonimato dos atletas participantes.

O tratamento dos dados deste estudo se deu primeiramente pela transcrição de todas as entrevistas na íntegra. Posteriormente, foram realizadas leituras do material coletado e uma pré-análise dos pontos mais evidentes, gerando assim unidades de registro para os temas que foram identificados e relevantes para a pesquisa, baseados na visão dos atletas sobre si, o contexto em que estão inseridos e do processo de resiliência proposto na TFR de Fletcher & Sarkar (2012). Por fim, foi realizada a interpretação de inferências acerca dos resultados obtidos.

Para analisar os elementos propostos pela TFR, foram adotados alguns critérios como a identificação dos estressores, ou seja, todas as condições desfavoráveis que, quando presentes, aumentam a probabilidade da pessoa apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais (Polleto & Koller, 2008). Em seguida, foram identificados os fatores psicológicos de proteção, ou seja, as influências que modificam, melhoram ou alteram respostas pessoais a determinados riscos (Rutter, 1999). Outro elemento relevante para a análise é a avaliação de desafios que ocorre quando um evento ou situação tem uma importância para atingir o objetivo do indivíduo, e este avalia as demandas do confronto utilizando seus recursos disponíveis (Lazarus & Folkman, 1984). Por fim, foram observadas as respostas facilitadoras que ocorre quando surge um aumento do esforço e compromisso com decisões e possíveis melhoras no desempenho (Hays et al., 2009).

RESULTADOS

Os dados analisados foram divididos em: fatores de estresse (Tabela 2) e fatores psicológicos relacionados à resiliência (Tabela 3). As unidades de registro (UR) aparecem nas tabelas e a unidades de contexto (UC) foram adicionadas no decorrer dos resultados.

Tabela 2 Fatores de estresse percebidos por atletas de MMA. 

Na Tabela 2, as unidades de registro (UR) consistem nas possíveis fontes causadoras de estresse percebidos pelos atletas. A numeração se refere à quantidade de indivíduos que relataram tais estressores. Dos temas componentes dos fatores de estresse enfrentados pelos atletas, os estressores competitivos tiveram maior destaque. A redução de peso foi recorrente nos discursos, cujos exemplos podem ser observados nas seguintes UCs: L2: “perda de peso é complicado, fazer dieta, isso aí acaba com o lutador!”; L4: “eu tive que perder 10 kg numa semana pra uma luta! Aí eu desmaiei, passei mal, (...) eu torço pra mudar! Pra não ter esse negócio porque é uma agressão muito grande para o corpo, é horrível!”.

As lesões são consideradas um agente estressor constante no ambiente das modalidades esportivas de combate. Os fatores de estresse associados às lesões foram mais expressivos em relação ao tipo ou gravidade da lesão que afetaria os treinos e as competições, conforme apontam as UCs a seguir: L3: “lesão no ombro que precisa operar, não operei porque não posso ficar parado”; L7: “eu tive foi uma vez uma lesão no joelho, e fiquei assim uns três meses parado, sem treinar, mas fiz fisioterapia e voltei logo, mas graças a Deus (...) eu tenho um pouco de medo disso! Porque eu vivo disso!”.

A UR que apresentou menos destaque nos relatos foi treinamento e rendimento esportivo. Apesar de afirmarem passar por um processo de treinamento bastante intenso, consideraram isto necessário ao desempenho, conforme as UCs a seguir: L4: “Eu treinando machucada eu já vou tirar de letra na hora da luta, o treino é difícil a luta se torna fácil, porque numa luta a gente não se machuca tanto, quanto se machuca no treino”; L9: “O treino pesado é um incentivo muito bom, é uma ajuda boa, o cara que treina pesado fica fácil, o cara que não treina pesado aí vai querer uma luta fácil! Não vai ter uma fácil! vai pegar uma difícil, então o treino pesado na sua academia é melhor que perder em cima do ringue!”.

Os estressores organizacionais se constituíram em outro fator de estresse percebido, com destaque para a UR dificuldade de patrocínio. Os atletas afirmaram que o apoio familiar, de amigos ou da academia de treino geralmente são os que os ajudam a participarem de competições, conforme as seguintes UCs: L1: “Eu tenho é amigos que dão uma ajuda com a influência que eles têm, aí a gente consegue correr atrás”; L4: “Porque é tipo assim (...) a única pessoa que apoia mesmo é o meu esposo”.

Ainda a respeito da falta de patrocínio, sete entrevistados relataram a necessidade de migrarem para outras profissões para se manter como atletas de MMA, bem como apontaram os benefícios de ser um atleta de nível internacional para conseguir viver dignamente na profissão. Também relataram a desvalorização do atleta profissional em eventos no Estado do Pará em particular e no País de modo geral, conforme observamos neste exemplo: L5: “o evento assim, 10 lutas, aí tu vais ver são lutas de trezentos reais, atletas sem experiência. Acabam tirando o lugar de quem realmente vive disso e se dedica se esforça pra ganhar bolsas maiores”.

Os estressores menos observados nas entrevistas foram os de ordem pessoal, apontados por quatro atletas e relacionados aos vínculos familiares, emprego e estudos fora do ambiente do MMA. Os atletas também relataram a constante associação negativa da sociedade sobre o seu trabalho desempenhado nos ringues com a imagem pessoal, com destaque para a atleta do sexo feminino, que mencionou ter recebido comentários pejorativos por parte de homens: L4: “oh quem diz que tu lutas e tu ficas bruta é mentira isso! Tem gente que diz agora tu vais dar porrada em todo mundo!”.

Tabela 3 Fatores de proteção percebidos por atletas de MMA. 

De modo a gerenciar as fontes de estresse, são apresentados na Tabela 3 os fatores psicológicos influentes no processo de resiliência, cujas unidades de registro, consistem nas possíveis fontes de proteção percebidos. A numeração se refere à quantidade de atletas que relataram tais fatores. O apoio social foi considerado por todos os entrevistados, porém nem todos tinham apoio familiar no processo. Cinco atletas relataram receber apoio familiar emocional. Destes, três afirmaram receber também apoio financeiro para as competições. Cônjuges e filhos foram os apoiadores mais relatados. Diferentemente do apoio familiar, o apoio emocional da equipe foi manifestado de forma unânime, conforme a UC a seguir: L1: “eu digo que a minha equipe é a minha segunda família, porque o primeiro apoio vem dos meus pais, da minha esposa, até o meu filho que me chama “Pai, tá na hora de treinar”, então a minha família e a minha equipe são meus maiores incentivadores”.

Observamos que o foco foi outro fator de proteção presente nas falas de oito atletas. Esse fator está relacionado ao desempenho e ao estabelecimento de metas na carreira esportiva, conforme a UC a seguir: L7: “tipo assim, eu sou um cara muito focado em mim! (...) então eu planejo muito as minhas coisas! (...) vejo que eu fiz um bom trabalho que eu mantive ali o foco, é quase certo que eu vou vencer entendeu? Eu sei que o cara trabalhou também, mais lá, lá em cima é uma disputa de quem quer mais, quem conhece mais, entendeu?”.

O fator de proteção motivação foi relacionado aos desafios do MMA e também aos fatores intrínsecos como amor pelo esporte e superação. Os atletas consideram as lutas como construtos fundamentais de mudanças nas histórias de vida pessoal e profissional, conforme as UCs a seguir: L5: “É vida de guerreiro é isso, campeão é quando você cai, levanta, cai levanta, e levanta de novo, isso é que é campeão, e eu gosto muito! Esse é o meu estilo de vida (...) Eu treino o máximo, ganhando ou perdendo”; L6: Eu só lutava jiu-jitsu na época que perdi o meu pai, depois dessa perda do meu pai, eu criei uma coragem, pois ele tinha de me ver lutar MMA. Então foi uma perda que me fez criar força e coragem pra ter uma outra carreira (...) olha aquilo que me fortalece são as coisas que as pessoas falam que eu não posso fazer, é como se fosse um combustível pra mim”.

Os atletas também evidenciaram em seus discursos o fator de proteção confiança, manifestada pela percepção de domínio tanto da técnica quanto da tática, bem como pela percepção dos seus aspectos positivos em relação aos adversários, como podemos observar na UC a seguir: L5: “se tiver um bom treino você vai ter um bom desempenho no combate (...) ter um bom desempenho, que não seja só sua preparação física, técnica, tática é fundamental como eu te falei a gente perde a luta antes da luta com pensamentos fracos”.

DISCUSSÃO

O objetivo geral deste trabalho consistiu em investigar o processo de resiliência em atletas de MMA, enquanto que os objetivos específicos consistiram em investigar quais eram as fontes de estresse e os fatores psicológicos de proteção percebidos. Percebemos a existência de estressores competitivos, organizacionais e pessoais. Em contraste, percebemos que os fatores psicológicos de proteção (apoio social recebido, foco, motivação e confiança) podem fornecer subsídios aos atletas, possibilitando que os mesmos respondam aos desafios de forma favorável. A resiliência psicológica é um processo que leva ao desenvolvimento de ações que permitem aos indivíduos ter sucesso mesmo na presença de estressores, reduzindo os efeitos existentes dos fatores de risco ambiental (Sahin et al., 2017).

O MMA possui categorias de peso que visam equilibrar as disputas. Entretanto, o processo de redução de massa corporal pré-luta foi um estressor competitivo em potencial. A submissão a dietas rigorosas para lutar em categorias menores e as dificuldades para atingir metas relacionadas à redução de massa corporal podem ocasionar danos à saúde (em especial a desidratação e a redução do estoque de glicogênio), principalmente pela falta de informações e orientação adequada (Coswig, Fukuda, & Del Vecchio, 2015). Estar fora do peso pode resultar em desclassificação (Coswig et al., 2019), sendo assim um fator de preocupação aos entrevistados. As pesagens geralmente ocorrem cerca de 24 horas antes da luta, resultando na adoção de estratégias de perda rápida de massa corporal nos dias anteriores (Franchini, Brito, & Artioli, 2012).

Outro estressor competitivo em potencial foi a UR lesões, que ocorrem com frequência no MMA e se constituem em um fator preocupante, dependendo do local afetado e da gravidade. Os atletas relacionaram as lesões à motivação e superação de desafios. Nas modalidades esportivas de combate, o reconhecimento da dor se tornou um pré-requisito como elemento intrínseco à construção do corpo do atleta (Nunes, 2004). Contudo, minimizar as possibilidades de ocorrência de lesões se faz necessário (Codonhato, 2017), por isso os entrevistados relataram a atenção e os cuidados para evitar riscos de lesões em potencial.

Em relação à UR treinamento e rendimento esportivo, os atletas o consideraram um estressor basicamente necessário para a preparação para o combate. Por isso, relataram interesse e comprometimento com os treinos intensos. Contudo, o problema em questão é que o treinamento excessivo pode causar uma fadiga tanto física quanto mental, além de favorecer o surgimento de lesões, prejudicando assim o rendimento esportivo, a saúde do atleta e, em casos extremos, ocasionar a desistência ou aversão ao meio esportivo (Pires, Santiago, Samulski, & Costa, 2012).

No âmbito dos estressores organizacionais, a única UR observada foi a dificuldade (escassez) de patrocínio, corroborando os achados recentes de Belém et al. (2016), os quais observaram que quando o esporte é a principal fonte de renda dos atletas de MMA, o estresse dos lutadores é elevado. Os participantes do presente estudo treinam em dois períodos diários e consideram o desempenho no MMA como principal meta profissional. Portanto, a dificuldade de patrocínio resulta em maior percepção de estresse e na dificuldade de manutenção do foco na carreira esportiva, pois outras possibilidades de trabalho passam a ser consideradas.

As fontes de estresse de ordem pessoal foram as menos percebidas, porém tais estressores evidenciaram a questão da associação equivocada entre lutas e violência, bem como o machismo envolvido na dificuldade de compreensão e reconhecimento da atleta de MMA do sexo feminino. Fernandes, Mourão, Goelner, & Grespan (2015, p.375) consideram que os corpos das atletas de MMA e boxe, "mesmo que identificados como excêntricos ou fora da normalidade, evidenciam o quão plurais são as identidades e as conformações de gênero dos sujeitos, inclusive porque reafirmam, nas suas narrativas, serem femininas ao seu modo e dentro de sua modalidade esportiva".

Os fatores psicológicos de proteção contribuem para o gerenciamento do estresse e para a formação da resiliência. O processo de resiliência ocorre a partir da interação entre os fatores de estresse e os fatores psicológicos de proteção, em conjunto com as características internas (recursos individuais) e externas (contextos ambientais) vivenciadas pelos atletas. Essa interação ocorre a partir da influência que os fatores de proteção podem exercer na diminuição das consequências do estresse, possibilitando a obtenção de recursos para um elevado desempenho esportivo. Estudo recente com atletas de MMA confirmou que atletas resilientes são menos estressados, pois enfrentam os conflitos advindos do ambiente esportivo de forma concentrada e aprendendo com seu treinamento (Belém et al., 2017).

O apoio social foi o fator psicológico de proteção percebido de modo unânime entre os atletas. De acordo com Lu et al. (2016), o apoio social dentro do ambiente esportivo pode auxiliar os atletas a lidar com perdas, falhas, problemas de treinamento e competições. Esta evidência sugere que o apoio social pode ter importante influência na assimilação dos treinamentos por parte dos atletas, possibilitando impacto positivo no desempenho. Esta proposta tem suporte nas observações de DeFreese & Smith (2013), de que a percepção da disponibilidade de apoio social é inversamente associada ao esgotamento físico e psicológico (síndrome de burnout). Consequentemente, a percepção de grande disponibilidade de suporte social pode ser útil para a prevenção do esgotamento e para a manutenção da motivação.

A motivação desempenha um papel relevante na resiliência e na habilidade de autorregulação de um atleta de MMA. Os níveis de resiliência apresentaram relações positivas com o uso de estratégias adaptativas como a motivação. Essa evidência pode estar relacionada ao fato de atletas motivados apresentarem maior envolvimento para o alcance de suas metas. Desse modo, tornam-se mais protegidos frente os agentes estressores de curto ou longo prazo, fator que contribui para o desenvolvimento do comportamento resiliente (Belém, Caruzzo, Nascimento, Vieira, & Vieira, 2014). Enquanto habilidade, a autorregulação pode ser treinada, potencializando a capacidade de direcionar a energia para aquilo que é primordial em determinado momento (Muraven & Baumeister, 2000), ou seja, colocando um valor maior em alcançar o sucesso do que em sentimentos de conforto e descanso ao longo, especialmente durante os training camps, períodos de treinamento intenso em que são vivenciadas as diferentes artes marciais que compõem o MMA (Massey et al., 2013).

Quanto ao foco, o ambiente ao redor de um atleta possui diferentes estímulos. Portanto, ser capaz de selecionar as informações relevantes em cada situação é importante para o sucesso esportivo (Fontes & Brandão, 2013). A manutenção do foco pelos atletas de MMA pode ser compreendida em duas vertentes: 1) o foco externo, direcionando a atenção para informações relacionadas ao resultado da ação no ambiente; e 2) o foco interno, que consiste no direcionamento da atenção a aspectos da própria execução ou padrão de movimento, ou a pensamentos e sentimentos relativos ao desempenho (Pasetto, Ried, Freudenheim, & Corrêa, 2011).

A confiança surgiu como fator psicológico de proteção relatada como atributo das qualidades próprias percebidas pelos atletas. Os relatos corroboram a definição da confiança no campo da psicologia do esporte como a crença de que o atleta pode executar com sucesso um comportamento desejado (Weinberg & Gould, 2017). A avaliação de desafios é um dos componentes básicos da TFR proposta por Fletcher & Sarkar (2012) empregada neste estudo. Portanto, possuir o conhecimento de suas emoções e aprender a lidar de forma positiva com esses pensamentos são atributos relevantes para o desenvolvimento do coping (Belém et al., 2014; Lazarus & Folkman, 1984).

Estudar sobre os fatores de proteção psicológica e não estabelecer vínculo com o meio em que esses indivíduos estão inseridos pode estabelecer certas lacunas na compreensão da resiliência. A atividade esportiva pode ser excludente e exigente. Porém, também é percebida como uma ferramenta eficiente de intervenção psicossocial, contribuindo para o desenvolvimento físico, social, emocional e moral dos participantes (Sanches & Rúbio, 2011). Matsumoto et al. (2001) realizaram um estudo sobre as relações entre aptidão física e o componente psicológico de judocas. Eles observaram que atletas com melhores aptidões físicas, apresentavam maior autoconfiança, vigor e utilização de coping. Evidências que indicam que experiências satisfatórias reforçam a adesão à atividade e empenho em situações de disputa, uma relação favorável do atleta com o meio que o possibilita se sentir confiante e preparado para os campeonatos são condições importantes para o estabelecimento da aprendizagem, preparação emocional e superação de adversidades (Morgan, Fletcher, & Sarkar, 2015; Neves et al., 2018).

Os fatores de proteção são evidenciados ao longo do tempo em características pessoais, o meio ambiente e as relações e interações sociais e culturais (Rutter, 1999; Sarkar, 2017). Segundo Vieira (1999), o indivíduo é responsável por seus comportamentos, e o processo é avaliado por ele mesmo e pelos outros que o avaliam em termos de sucesso ou fracasso. As características psicológicas de atletas resilientes são atributos que podem influenciar positivamente no desempenho esportivo (Belém et al., 2017; Fontes & Brandão, 2013).

Os resultados deste estudo indicam que fenômenos psicológicos contribuem como fatores de proteção importantes para o desempenho no MMA. A Figura 1 representa um modelo hipotético do processo de resiliência nos atletas de MMA investigados desenvolvido pelos autores a partir da TFR (Fletcher & Sarkar, 2012). Mesmo com a presença recorrente de estressores, a resiliência também pode ocorrer dentro do ambiente esportivo, mediante a interação entre os fatores de proteção psicológica: apoio social, foco, motivação e confiança. Esses fatores protetores podem estimular respostas comportamentais facilitadas no meio esportivo que podem ser favoráveis ao desempenho.

Apesar da contribuição para a compreensão do fenômeno resiliência em atletas de MMA, o estudo apresenta limitações metodológicas quanto ao baixo número amostral e a heterogeneidade no nível competitivo da presente amostra. Nesse sentido, futuros estudos são necessários para a investigação dos fatores de proteção e suas interações com o desempenho esportivo, envolvendo maior número de atletas.

Figura 1 Modelo de hipótese do processo de resiliência em atletas de MMA. Fonte: Adaptada de Fletcher & Sarkar (2012, p. 672). 

APLICAÇÕES PRÁTICAS

Este estudo sinaliza os principais agentes estressores e os fatores psicológicos de proteção, analisando o desenvolvimento da resiliência em atletas de MMA. Cabe ressaltar que o processo de resiliência é constante e mutável. Os recursos que o atleta possui em relação ao desafio (como a oferta e a qualidade da preparação física, técnica, tática e psicológica), a identificação e o monitoramento dos fatores psicológicos de proteção podem proporcionar o desenvolvimento da resiliência psicológica e suas consequências positivas para o bem estar e para o desempenho esportivo. Além disso, é relevante que o ambiente esportivo seja observado, com o intuito de obter o equilíbrio entre as exigências com que os atletas se deparam e a recuperação adequada, a fim de estimular e promover a ampliação de fatores psicológicos que irão protegê-los de consequências negativas (Sarkar & Fletcher, 2013; Secades et al., 2017).

REFERÊNCIAS

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Recebido: 31 de Agosto de 2018; Aceito: 25 de Abril de 2019

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