INTRODUÇÃO
O coaching esportivo é considerado um processo complexo em que o treinador é responsável pelo suporte e desenvolvimento de praticantes e atletas nos contextos esportivos, respectivamente, de participação e de rendimento (ICCE, 2013). Devido às diversas demandas de ação em ambientes esportivos dinâmicos, como o estabelecimento de metas em longo prazo, os treinadores necessitam estabelecer relações com atletas, pais, assistentes técnicos, diretores, mídias, patrocinadores, entre outros agentes do cenário esportivo. Essas interações exigem que o treinador assuma papéis diversos no seio da sua atuação como líder, técnico, educador, gestor, amigo, aprendiz, entre outros (Jones & Wallace, 2005). Nesse sentido, as características do coaching esportivo estabelecem desafios constantes na prática do treinador, em que tensões entre objetivos em curto e longo prazo, desejos e deveres, sucessos e falhas permeiam a rotina desses profissionais diariamente (Jones, 2006).
No ambiente de formação de jovens, além do foco do desenvolvimento de habilidades esportivas, o treinador também é responsável pela formação de valores e habilidades para a vida (Camiré, Forneris, Trudel, & Bernard, 2011). Para exercer esta função, o treinador precisa perceber o seu papel no processo de desenvolvimento holístico de seus atletas (Santos, Côrte-Real, Regueiras, Dias, & Fonseca, 2016; Vella & Gilbert, 2014), reconhecer as potencialidades do esporte em sua totalidade (Resende & Gilbert, 2015; Santos et al., 2018) e demonstrar competência ao definir intencionalmente estratégias para o alcance de seus objetivos (Camiré et al., 2011). Nesse caso, as características do contexto de intervenção do treinador de jovens exigem elevado comprometimento com a área de trabalho, a busca constante por novas estratégias pedagógicas e o estabelecimento de relações significativas positivas com pais, professores e atletas.
Apesar de ser uma área em crescente discussão, principalmente pelo potencial que o esporte tem no desenvolvimento positivo de jovens (Camiré et al., 2011; Santos et al., 2018), o status social do treinador de jovens, por ser muitas vezes caracterizado no contexto de lazer, não é equiparado ao do treinador de atletas profissionais, provavelmente pelo maior status do treinador estar atrelado ao trabalho em tempo integral, ao nível de atuação e ao emprego em "clubes de maior prestígio ou ao sucesso competitivo" (p.199) com uma possível nomeação para assumir a seleção nacional com equipes olímpicas (Lyle, 2002).
No caso do treinador de jovens, em muitos países ainda é uma atividade voluntária ou um trabalho em tempo parcial e pouco remunerado, o que exige que os treinadores, envolvidos no contexto de participação ou mesmo de formação de jovens atletas, tenham outras atividades laborais (ICCE, 2013; Lyle, 2002). No Brasil, onde o coaching esportivo é reconhecido como uma atividade profissional, treinadores de jovens devem ser remunerados para exercer suas funções (Brasil, 1998). No entanto, a ausência de um programa nacional que oriente a formação de jovens atletas ou mesmo o suporte ao desenvolvimento de treinadores esportivos (Mazzei, Meira, Bastos, Böhme, & De Bosscher, 2015) prejudica o desenvolvimento de ações de qualidade nesse contexto.
Assim, os treinadores de jovens assumem a responsabilidade de estruturação de programas esportivos e para aumentar a qualidade desses programas é necessário fomentar a capacitação dos treinadores para impactar positivamente nos atletas (MacDonald, Côté, & Deakin, 2010). Porém, os cursos de formação não contemplam todos os conhecimentos e competências necessários aos futuros treinadores para atuar nesse contexto, com o enfoque no conhecimento profissional (Brink, Kuyvenhoven, Toering, Jordet, & Frencken, 2018; Jacobs, Knoppers, Diekstra, & Sklad, 2015; Tozetto, Galatti, Scaglia, Duarte, & Milistetd, 2017).
Portanto, o entendimento detalhado das necessidades manifestadas por treinadores na prática, pode oferecer caminhos para aprimorar os programas de formação de futuros treinadores (Stoszkowski & Collins, 2016). A visão geral das barreiras percebidas pelos treinadores pode melhorar a integração da ciência esportiva e do conhecimento prático no local de trabalho (Brink et al., 2018). Desse modo, o maior entendimento e a integração das experiências ao longo da vida são fundamentais para o desenvolvimento de treinadores e para a aplicação efetiva de seus conhecimentos na formação de atletas (Milistetd, Peniza, Trudel, & Paquette, 2018). Devido à lacuna investigativa sobre os principais desafios da prática considerados pelos treinadores, emerge a necessidade de detalhar os dados já obtidos nessa temática (Brink et al., 2018). Nesse sentido, o objetivo do estudo foi compreender os desafios enfrentados por treinadores de jovens no contexto do basquetebol no estado de Santa Catarina - Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Participantes
Participaram do estudo 11 treinadores (T1, T2, T3, T4, T5, T6, T7, T8, T9, T10, T11) de crianças e jovens filiados a Federação Catarinense de Basquetebol. Foram entrevistados cinco treinadores do sexo feminino e seis do sexo masculino, com média de idade de 35±10,88 anos. Para a maior caracterização dos participantes são apresentadas na tabela 1 a idade, o ano de formação com o maior nível de titulação acadêmica e o período como assistentes e de experiência enquanto treinadores no esporte.
Instrumentos
Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado (Sparkes & Smith, 2014), em que os treinadores responderam questões gerais que envolvem as suas experiências no esporte e os desafios que enfrentam na prática como treinadores de basquetebol. Alguns exemplos das questões: Por que você quis se tornar treinador? Quais experiências teve na formação de jovens? Quais as suas preocupações em relação aos desafios da prática? O que falta hoje no Brasil para que nós possamos evoluir no basquete? A partir das questões centrais surgiram novas perguntas específicas direcionadas para os desafios específicos que cada treinador vivencia em seu contexto, como: Qual o custo anual esperado para manter o projeto de basquetebol? Que dificuldades você enfrenta com esses atletas da nova geração?
A opção pela entrevista semiestruturada é justificada por duas questões. Primeiramente, o roteiro flexível permite coletar as informações importantes sobre o tópico de interesse, no caso os desafios dos treinadores. A segunda questão aponta a possibilidade dos entrevistados de relatar seus próprios pensamentos, atitudes e sentimentos, para que se tenha um esclarecimento sobre os significados que os participantes do estudo atribuem às suas experiências (Sparkes & Smith, 2014).
Procedimentos
Após a apresentação dos objetivos da pesquisa e sendo assegurados a confidencialidade e o anonimato dos participantes, os treinadores aceitaram participar do estudo e foi agendado o melhor horário para cada treinador participar das entrevistas que ocorreram individualmente em um horário e local de preferência dos participantes via plataforma digital (GotoMeeting) ou presencialmente. As entrevistas foram realizadas por três dos autores, os quais estiveram envolvidos em todo o projeto e na construção do roteiro de entrevista. As entrevistas foram gravadas por meio de gravador digital e os dados obtidos foram transcritos literalmente e armazenados no software Nvivo 11. A duração média das entrevistas foi de 89 minutos considerando a parte introdutória e os esclarecimentos e resultaram em 230 páginas transcritas (fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5, margens de 2 cm).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (processo 1170/2010). Os treinadores participaram voluntariamente e assinaram o termo de consentimento.
Análise de dados
A interpretação dos dados ocorreu por meio da análise temática indutiva (Braun & Clarke, 2006). A análise temática pode ser um método realista, que reporta experiências, significados e o contexto dos participantes (Braun & Clarke, 2006). Para representar essa realidade dos participantes, a análise ocorreu com base nos seis passos descritos por Braun e Clarke (2006).
Inicialmente a familiarização com os dados ocorreu com a leitura e releitura das transcrições pelo primeiro autor, com anotações iniciais de possíveis temas sobre os desafios indicados pelos treinadores. No segundo momento, as falas relevantes começaram a ser agrupadas sistematicamente no software Nvivo 11, por meio de códigos em que os treinadores falaram sobre falta de recursos, gestão esportiva, motivação de atletas, formação cidadã, entre outras. No terceiro momento, os dados foram classificados em possíveis temas mais amplos (Desafios para Gerir a Prática; Desafios com os Atletas; Desafios da Carreira) que poderiam combinar códigos diferentes (Braun & Clarke, 2006).
No quarto passo o primeiro autor revisou os temas criados para verificar um padrão coerente e a validade de temas individuais em relação ao conjunto de dados como um todo para definir a história. Nesse estágio nenhum tema ou categoria foi alterado. No estágio cinco foi realizada nova análise para refinar as especificidades de cada tema e a história geral contada de modo coerente e internamente consistente por meio de uma narrativa (Desafios para Gerir a Prática - falta de recursos, gestão esportiva e falta de tempo; Desafios da Carreira - abandono da profissão e dificuldade em progredir; Desafios com os Atletas - motivação dos jovens e formação cidadã). Por fim, foi produzido um relatório com os exemplos das experiências vividas pelos treinadores (Braun & Clarke, 2006).
Para garantir a credibilidade (Shenton, 2004) dos dados, foram seguidos alguns passos descritos por Shenton (2004). Inicialmente os três primeiros autores estavam familiarizados com os participantes do estudo. Os treinadores eram de cidades ou de clubes distintos. Ocorreram sessões de discussão entre os quatro primeiros autores sobre o desenho do estudo e sobre a etapa de coleta das informações. Por fim, o processo de análise dos dados foi realizado pelo primeiro autor (mestre em Educação Física), com mais de cinco anos de experiência em formação esportiva e pesquisa qualitativa e contou com o auxílio de um pesquisador doutor em Educação Física com mais de 10 anos de experiência em formação esportiva e pesquisa qualitativa.
RESULTADOS
Nos resultados são manifestados os desafios que os treinadores enfrentam na sua prática, dentre eles: Desafios para Gerir a Prática (T1, T2, T5, T7, T8, T9, T11); Desafios da Carreira (T8, T11); Desafios com os Atletas (T1, T3, T4, T10).
Desafios para Gerir a Prática
Sobre os desafios para gerir a prática, um dos principais temas destacados foi a falta de recursos financeiros, principalmente relacionado ao incentivo externo aos clubes, como exemplifica o relato de T8: "(...) a gente perdeu a oportunidade ano passado de trazer mais meninas, mas como vamos fazer isso se não tem verba?". Para T1 essa falta de incentivo financeiro implica em alguns pontos negativos: "Na prefeitura tem dinheiro para tudo, menos para o esporte. Material é difícil de conseguir, (...) uniforme, essas coisas que a gente precisa, nunca tem para o esporte" (T1). Segundo T5, a falta de incentivo financeiro gera duas preocupações, em que todos os programas esportivos de sua cidade podem acabar ou serão mantidos de forma muito precária.
"Minha primeira preocupação é de um ano para o outro acabar tudo, porque eu sei que o esporte, pelo menos aqui na minha cidade (...), não é tão valorizado quanto outras áreas. A minha segunda preocupação é não ter dinheiro, por exemplo, continuar o esporte mas não ter tanto dinheiro. Então vai fazer por fazer, vai treinar pouco, vai ganhar pouco e vai fazer só para dizer que tem alguma coisa, então essa é minha outra preocupação." (T5)
Outro desafio abordado pelos treinadores foi sobre a gestão do esporte. Para reverter o quadro da falta de verba para os projetos esportivos, T11 declarou que "gerar o próprio recurso também é um caminho que a gente tem que aprender a trilhar" para tornar o "esporte sustentável". Contudo para que esse processo seja concretizado, T2 manifestou a importância de criar uma associação e que seria necessário engajar os pais ou responsáveis, no sentido de que os treinadores possam focar a sua atenção nos seus treinos e competições.
"(...) criamos a associação porque achávamos que precisava ter uma associação, para absorver umas situações e absorveu mesmo, houve uma absorção legal e administrativa independente da fundação nesse sentido, mas administrativamente a gente não conseguiu envolver os pais para passar esse processo. Então, a intenção é passar esse processo para os pais para que (...) a gente possa trabalhar na quadra e tocar na parte técnica." (T2)
Porém, a falta de tempo para executar tantas tarefas foi narrada também como um desafio aos treinadores. T9 acredita precisar "(...) arrumar tempo durante o dia a dia para estar mais presente (...) com os atletas (...)". T5 acredita que assume muitas funções, sendo uma delas de "coordenadora", para verificar a documentação de toda a equipe, prestar conta das viagens, cuidar das atletas de outras cidades que residem juntas em uma casa e que ela precisa "levar para escola, trazer elas da escola, levar para almoçar". Além disso T5 é treinadora de algumas categorias como o sub 13 e o sub 18. Por isso, a sua terceira preocupação, além das duas apresentadas anteriormente sobre os recursos, "é cansar de fazer tanta coisa", sendo que alcançar a qualidade desejada do seu trabalho em diferentes categorias é uma grande exigência.
"E aí eu não faço as coisas mais ou menos, por exemplo, eu faço os meus treinos todos os dias, eu não chego lá e "hoje é drible, vou pegar algum exercício de drible", entendeu?! Eu escrevo os meus treinamentos todos os dias. Então eu preparo os treinos, aí tem que preparar o treino de todas as categorias, aí tu chegas lá, tu tem que trocar logo de um sub 13 para um sub 18, então a tua cabeça está no 13." (T5)
Desafios da Carreira
Pela necessidade de enfrentar todos os desafios constantes na gestão do contexto esportivo, os treinadores demonstraram preocupações sobre a própria carreira, a qual segundo eles é pouco valorizada na esfera pública ou privada. T8 chegou a abandonar a profissão um tempo por não ver um futuro promissor na sua atuação, no entanto, demonstra esperança de que as condições de trabalho melhorem.
"(...) hoje o que eu vejo muito, eu converso com meus colegas, é você todo ano é uma incerteza, porque, infelizmente, a gente tá mudando, mas ainda dependemos de prefeitura. Então as prefeituras, o Brasil, as empresas pra patrocinar, se corre atrás, (...) mas ainda é um começo, eu acho que nós estamos começando. Existe uma luz no fim do túnel." (T8)
Enquanto T8 retornou às quadras, T11 relatou o desejo de se tornar um treinador de equipe adulta profissional. Contudo, ele compreende que para alcançar esse status na carreira, depende de outros fatores além dos resultados individuais.
"Então eu sei que depende muito de um contato com o treinador mais experiente ou de um contexto que as pessoas, sei lá, um preparador físico para me dar alguns nortes ou enfim uma formação muito mais ampla do que só a universidade." (T11)
Desafios com os Atletas
Os desafios indicados anteriormente relacionados diretamente ao treinador se somam aos desafios de trabalhar com jovens em formação. Considerando uma geração com muitos atrativos tecnológicos, manter a motivação deles nos treinos é um desafio diário. Para T10 "(...) o maior desafio hoje é a motivação das crianças, hoje em dia tem muita tecnologia (...). Então o desafio maior é conseguir com que elas se apaixonem pelo basquete e se dediquem". Nessa temática, T1 acredita que necessita inclusive de mais profissionais como psicólogos para conseguir resolver os problemas com os jovens e uma hipótese levantada é de que a nova geração possui características que dificultam a continuidade no esporte.
(...) a gente tá bastante preocupada agora é com relação às crianças, os jovens, a desmotivação. Aqui a gente tem bastante problema de que a gente necessitaria de um apoio psicológico, porque não sei se são gerações ou o que, mas é uma geração muito desmotivada assim, que não querem nada, você tem que implorar pra treinar, você tem que implorar para às vezes, até para ir a um jogo você tem que buscar em casa. Não sei, tá bem complicado assim essa parte, principalmente no feminino." (T1)
Outro aspecto destacado pelos participantes foi a preocupação sobre formar não apenas atletas, mas formar cidadãos por meio do esporte. Assim, as ações para esses treinadores precisam estar pautadas em princípios e valores que possam educar as crianças e jovens para o futuro.
"(...) tem atletas que começaram comigo com 7, 8 anos e hoje já estão com 14, 15 e são super educadas, tiram boas notas e com certeza eu tive uma influência muito positiva. Então é isso que me motiva hoje, não é só o ganhar campeonato, isso é consequência, mas poder ajudar elas de alguma forma, ser pessoas corretas, com valores, que foi o que me ajudou muito no esporte (...)". (T10)
DISCUSSÃO
Os achados reportam a preocupação dos treinadores de basquetebol que atuam com jovens a temas que não se referem apenas aos conhecimentos aplicados nos seus treinamentos, mas com temáticas que circundam todo o ambiente de prática e também consigo mesmos no desenvolvimento e segurança de sua carreira profissional.
As evidências deste estudo reportam a natureza complexa do coaching esportivo, no qual os treinadores assumem diferentes papéis na sua prática, nesse caso, de gestores, educadores e, mesmo, de aprendizes ao longo da vida (ICCE, 2013; Jones, 2006; Jones & Wallace, 2005).
Uma das principais dificuldades expressadas pelos treinadores foi a falta de recursos financeiros disponíveis para o seu trabalho, o que pode impactar nos recursos materiais, estruturais e humanos. Ao apresentar a estrutura das políticas esportivas no Brasil e comparar com outros países, Mazzei et al. (2015) verificaram com base nas respostas de 542 personagens (diretores, treinadores e atletas) relacionados diretamente com o esporte, que o apoio financeiro (Pilar 1, para saber mais ler De Bosscher, De Knop, Van Bottenburg, & Shibli, 2006) no Brasil está acima da média de outros países que participaram de uma pesquisa com a aplicação do SPLISS - Sports Policy Factors Leading to International Sporting Success (De Bosscher et al., 2006), com um aumento da receita de 2002 até 2012 em uma projeção para 2016. Segundo os autores (Mazzei et al., 2015, p. 95), para esse apoio financeiro "existem várias fontes de recursos, incluindo o orçamento geral do estado, loterias e patrocínios de empresas estatais e privadas". No entanto, ao investigarem as demandas e recursos do fundo estadual de Santa Catarina para o esporte de 2007 a 2014, Quinaud, Nascimento, Saad, Marchi Júnior, & Folle (2018) constataram uma diminuição dos recursos financeiros disponibilizados ao longo dos anos, com uma redução de aprovação das propostas de 26,3%.
A gestão do esporte foi outro desafio destacado pelos treinadores, para utilizar apropriadamente os recursos e tornar o "esporte sustentável" (T11). Segundo Mazzei et al. (2015), isso pode ser explicado pelo fato de que no seu estudo não foi possível identificar uma política com um plano estratégico e uma descrição clara do papel das organizações esportivas brasileiras. Assim, parece inexistir uma gestão eficaz da aplicação dos recursos por meio de uma política com objetivos em longo prazo, conforme recomendado no Pilar 2 do modelo SPLISS (De Bosscher et al., 2006) utilizado para a análise das informações. Além disso, segundo Quinaud et al. (2018, p. 5) existe uma "escassez de propostas relacionadas aos treinadores responsáveis pela formação de novos atletas e pelo desenvolvimento do esporte catarinense", com a prioridade em fomentar o esporte de alto rendimento.
Na questão do tempo, os treinadores relatam não possuir tempo suficiente para resolver todos os problemas advindos da gestão dos seus projetos esportivos e ainda dedicar tempo suficiente para o planejamento dos treinos de suas equipes. Segundo Knowles, Tyler, Gilbourne, & Eubank (2006) os treinadores parecem "lutar" para conseguir refletir sobre as suas práticas, justamente sendo o maior problema a falta de tempo. Para Gilbert & Trudel (2001) os treinadores precisam de tempo para refletir e compartilhar com seus pares ou comissão técnica sobre as suas experiências, mas pelas características da falta de recursos para o esporte de jovens, o treinador assume outras responsabilidades que não permitem uma prática de planejamento e reflexão de qualidade.
Os desafios relacionados à gestão da própria prática parecem ter efeitos na percepção da continuidade e evolução da carreira dos treinadores. A ausência de planos de continuidade no esporte e a baixa rentabilidade financeira do cargo de treinador de jovens, faz com que os treinadores questionem a si próprios sobre o futuro, levando inclusive ao abandono de suas carreiras (Giges, Petitpas, & Vernacchia, 2004). De acordo com Mazzei et al. (2015) esse sentimento de insegurança pode ser advindo da falta de políticas transparentes e efetivas que impactam negativamente o contexto esportivo no país. Além disso, para Giges, Petitpas e Vernacchia (2004, p. 435) essa instabilidade se agrava, pois, "no mundo do treinador, o avanço profissional e a segurança no emprego dependem, muitas vezes, do desempenho de atletas jovens e inexperientes, sobre os quais o treinador tem pouco controle".
Sobre os desafios com os atletas, os participantes demonstram preocupação com a nova geração (Geração Z ou centennials) que possui uma grande desmotivação para treinar e continuar no esporte, principalmente nas equipes femininas. Uma hipótese sobre a desmotivação dos jovens seria a disputa dos treinadores com as novas tecnologias utilizadas pelas crianças e jovens.
As gerações X, Y e Z possuem características sociais próprias e ao considerar o uso de tecnologias, apesar das gerações Y e Z compartilharem informações pessoais online, a "Geração Z colocou as tecnologias de mídia social no centro de seu mundo social, substituindo as relações diretas face-a-face" (Lidija, Kiril, Iliev, & Shopova, 2017, p. 6). Essa reduzida socialização fora das redes sociais das crianças da Geração Z pode causar problemas nas interações sociais e na resolução de conflitos (Lidija et al., 2017).
Mesmo sendo um tema pertinente e recorrente, questões como o papel da tecnologia na vida da nova geração e o seu impacto no esporte ainda é um ponto que necessita de um maior suporte da literatura (Parker et al., 2012). Portanto, na visão dos autores, compreender como os membros da geração recente consideram o treinamento ideal pode ajudar a tornar a formação por meio do esporte uma experiência mais agradável e benéfica. Nesse sentido, ao tentar entender detalhadamente na perspectiva de 10 atletas da Geração Z do sexo feminino e masculino, sobre a preferência no estilo de liderança para ser adotado por treinadores, Parker et al. (2012) descrevem quatro temas que compõe um ambiente confortável, seguro e democrático, com interações positivas e trocas de informação entre treinador e atletas, conforme segue: 1) o treinador não grita e permanece calmo; 2) o treinador é atencioso e encorajador; 3) o treinador tem conhecimento do esporte; e 4) o treinador envolve a equipe na tomada de decisões.
Além da preocupação com a desmotivação dos atletas, os treinadores relataram que procuram formar cidadãos por meio do esporte. Nessa perspectiva, o Desenvolvimento Positivo de Jovens é uma proposta que orienta para uma formação pessoal e social por meio do esporte (Camiré et al., 2011; Resende & Gilbert, 2015; Santos et al., 2016; Santos et al., 2018). Para isso, Côté & Gilbert (2009) e Vierimaa et al. (2012) propõem quatro domínios para serem desenvolvidos nos jovens, reconhecidos como os "4C's" (competências, conexão, caráter, confiança).
Para a maior eficácia dos treinadores no desenvolvimento dos jovens por meio do esporte, os conhecimentos interpessoais e intrapessoais requeridos nessas intervenções parecem ser determinantes para a sua intervenção (Brink et al., 2018; Jacobs et al., 2015). No entanto, de modo preocupante, geralmente não são abordados com aprofundamento em programas de formação internacionais (Brink et al., 2018; Jacobs et al., 2015) e nacionais (Milistetd et al., 2016; Tozetto et al., 2017), os quais são sustentados geralmente por conhecimentos profissionais fragmentados (Stoszkowski & Collins, 2016; Tozetto et al., 2017). Assim, é preciso que pesquisadores e profissionais trabalhem juntos para enfrentar os desafios da prática e ofereçam experiências positivas para os jovens por meio do esporte (MacDonald et al., 2010).
LIMITAÇÕES
O estudo possui como limitações o número reduzido de treinadores como participantes e a utilização das entrevistas como uma única fonte de dados. Porém, o objetivo do estudo não foi de generalizar os achados para outros contextos, mas de detalhar os dados nas onze entrevistas realizadas com treinadores de clubes e cidades distintas do sul do Brasil para fornecer maior compreensão sobre os principais desafios enfrentados no contexto esportivo.
CONCLUSÕES
A atuação efetiva de treinadores parece necessitar de uma formação global que atenda os desafios nos campos do treinamento, gestão, relações pessoais, entre outras áreas do esporte. Além disso, é importante destacar a necessidade dos treinadores de contar com um suporte multiprofissional (gestores, psicólogos e assim por diante) e de políticas públicas ou do setor privado no próprio ambiente profissional para que os treinadores possam manter o foco constante nos aspectos tático-técnicos para a melhoria da qualidade de sua intervenção no campo esportivo.
Sobre o desenvolvimento dos treinadores ao longo da carreira, as oportunidades não parecem claras e os treinadores podem depender mais de uma rede de relações para chegar ao adulto do que demonstrar um bom trabalho. Nas questões que envolvem os atletas, a chegada da nova geração parece ter dificultado o trabalho de treinadores, não apenas no desenvolvimento das habilidades esportivas dos atletas em longo prazo, mas também, no pensamento de que os treinadores precisam estimular uma formação que promova o desenvolvimento de valores e de habilidades para a vida.
Com base nas evidências deste estudo, as demandas de treinadores parecem estar atreladas a 3I's que dificultam a efetividade de sua intervenção no esporte juvenil:
• Instabilidade: os treinadores não possuem a garantia de recursos financeiros, humanos, estruturais e materiais para a continuação dos projetos esportivos;
• Insegurança: a qualquer momento os treinadores podem estar desempregados ou em meio ao processo inconstante da carreira decidem abandonar a profissão e buscam alternativas de trabalho mais estáveis;
• Incerteza: a chegada de novos atletas pode desafiar os conhecimentos e métodos de treinadores (mesmo de especialistas) para atender essas novas demandas.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
Dentre as implicações práticas, sugere-se que os programas de formação compreendam melhor os desafios da prática dos treinadores esportivos para que possam desenvolver ações que os auxiliem a atender suas demandas profissionais. Além disso, na visão dos treinadores são necessárias políticas que facilitem o acesso aos recursos financeiros para o esporte, a gestão eficaz dos recursos com metas e objetivos claros em longo prazo e a integração de diferentes áreas profissionais para atender as crianças e jovens das novas gerações, no sentido de fomentar e massificar o esporte com qualidade.