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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob.  n.15 Murcia Feb. 2009

 

REFLEXIONES-ENSAYOS

 

A luta das parteiras diplomadas pela prática da obstetrícia no Rio de Janeiro (Brasil)

La lucha de las parteras diplomadas por la práctica de la obstetricia en Rio de Janeiro (Brasil)

 

 

*Porto, F.; **Cardoso, T.C.

*Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO. Brasil.

Conferencia apresentada no I Evento Comemorativo do Dia da Enfermeira Obstetra da Universidade Estácio de Sá /Campos dos Goytacazes em 16 de abril de 2007

 

 


RESUMO

Estudo histórico-social sobre a luta simbólica das práticas obstétricas realizadas pelas Parteiras Diplomadas entre 1832-1876 no Rio de Janeiro. As fontes documentais foram localizadas no Rio de Janeiro e São Paulo (Br) e analisadas e discutidas com base em alguns conceitos de Pierre Bourdieu. Os resultados do estudo apontaram para o investimento da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no Curso de Parteira na formação de Parteiras Diplomadas, que passaram a exercer suas atividades. Além disso, ampliaram seus raios de ação com a criação de Casas de Maternidade. Neste sentido, os médicos obstetras, por meio de dispositivo legal, passaram a administrá-las para o avanço da medicina, bem como fizeram com que as mulheres fossem vistas como objeto de estudo.

Palavras chave: História da Obstetrícia, Enfermagem e Parteiras.


RESUMEN

Estudio histórico social sobre la lucha simbólica de las prácticas obstétricas realizadas por las Parteras Diplomadas entre 1832-1876 en Rio de Janeiro. Las fuentes documentales fueron encontradas en Rio de Janeiro y São Paulo (Br) y analizadas y discutidas basándose en algunos conceptos de Pierre Bourdieu. Los resultados del estudio señalaron la transformación de la Facultad de Medicina de Rio de Janeiro en el Curso de Partera en la formación de Parteras Diplomadas, que pasaron a ejercer sus actividades. Además, ampliaron su radio de acción con la creación de Casas de Maternidad. En este sentido, los médicos obstetras, por medio de dispositivo legal, pasaron a administrarlas para avance de la medicina, al igual que hicieron que las mujeres fueran vistas como objeto de estudio.

Palabras clave: Historia de la Obstetricia, Enfermería y Parteras.


 

Considerações inciais

O enfoque central abordado neste estudo foi sobre a luta simbólica das práticas obstétricas realizadas pelas Parteiras Diplomadas no Rio de Janeiro. A delimitação temporal selecionada, contextualizada no Brasil Império com demarcação nos anos de 1832 a 1876. Estes anos pautaram-se a inserção de mulheres, como Parteiras Diplomadas, no Curso de Partos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1832), bem como a inserção dos médicos, como responsáveis, Casas de Maternidade, instituição então, implantadas pelas Parteiras Diplomadas (1876). Os antecedentes para contextualizar o estudo se pautou na chegada da Família Real portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 e como fontes utilizamos documentos escritos e iconograficos em bibliotecas e acervos localizados no Rio de Janeiro e São Paulo.

 

Visitando o passado da obstetrícia no período imperial no Rio de Janeiro

Em fevereiro de 1808, com a chegada da Família Real no Rio de Janeiro, a cidade recebeu considerado número de pessoas de origem européia. Estes imigrantes influenciaram à população local em seus hábitos, costumes, cultura e idioma, fazendo surgir mudanças de ordem econômica e na saúde da mulher [1 e 2].

O comércio varejista da corte era visto como miserável pelos comerciantes do velho mundo à época. Os franceses ao chegarem no Rio de Janeiro influenciaram nesta modalidade, delimitado aqui, na estética feminina exposta nas lojas das modistas. Essas lojas disponibilizavam em suas vitrines tecidos finos, luvas e vestidos de modelação estrangeira e para valorizarem seus produtos utilizavam, por exemplo, espelhos e iluminação, ou seja, exposições mais elaboradas, e mulheres como balconistas, antes pouco adotadas no comércio local no período estudado (1)

Nesta época, ocorreu a implantação do ensino da medicina. A primeira Faculdade de Medicina foi criada na Bahia, a pedido do Barão de Goyana - o Capitão Mor José Correia Picanço - a D. João VI por necessidade de preparar profissionais cirurgiões, com a inserção das cadeiras de anatomia e da arte obstétrica (1808). A segunda faculdade surgiu, em 1809, com a vinda da Família Real da Bahia para o Rio de Janeiro. No início essa faculdade funcionou no Real Hospital Militar de Ultramar, mas por necessidade de espaço foi transferida para a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro [3 e 4].

Com o passar dos anos e pelo prestígio obtido, o ensino da medicina necessitou ser reconfigurado, apesar das lacunas observadas no processo de formação médica. Neste sentido, em 1832 as duas Faculdades de Medicina (Bahia e Rio de Janeiro) foram equiparadas nas cadeiras ministradas, bem como passaram a conceder aos concluintes o título de doutor para os médicos. Outros cursos também foram criados, entre eles, o Curso de Partos realizado em 3 anos, possuindo várias cadeiras, entre elas: Parto, Moléstias de Mulheres Pejadas e Paridas, e Recém-nascidos [2].

Nesse Curso de Parto se formou a mais celebre das Parteiras do Brasil, em 1834, Maria Josefina Matilde Durocher, conhecida na voz corrente como Madame Durocher (foto 1)[2].

Durocher nasceu em Paris em 1816 e aos sete anos de idade acompanhava sua mãe Ana Durocher no ofício de florista. Durocher ao chegar ao Brasil já encontra inúmeros compatriotas estabelecidos. Em 1829, Ana Durocher morre e sua filha Durocher tentou se manter na atividade de comerciante de sua progenitora, por mais 2 anos, mas sem o sucesso esperado. Esta se estabeleceu como comerciante de artigos finos (vestidos, luvas, chapéus entre outros atributos da tolilete feminina) no Rio de Janeiro com uma loja na rua do Rosário, centro do Rio de Janeiro [1].

Mediante ao insucesso no comércio de modista associado ao assassinato de seu companheiro, Pedro David (1832) e sob a influência das parteiras francesas Madame Berthou e Pipar, suas amigas e hóspedes por certo tempo, decidiu se matricular no Curso de Partos, recém criado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro [1].

Durocher, como Parteira Diplomada adotava a estética de estilo masculino, como, por exemplo, casaca, gravata em laço e cartola (foto 2). Esses atributos masculinos podem ser explicados teoricamente, por Bourdier como uma das maneiras da dominação masculina [5].

A historiadora Maria Lucia Mott aponta em seus estudos, que Durocher adotava este estilo por ser mais cômodo para a atividade exercida e decente para uma Parteira Diplomada. Ademais, alegava que este estilo inspirava mais confiança às mulheres, bem como decerto era uma das necessidades de não ser confundida à noite com as prostitutas, quando atendia em domicílio as parturientes, pois parir na enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro era apavorante[1].

Durocher, como outras parteiras à época, tinha entre suas atividades: partejar; examinar as condições das amas-de-leite, de virgindade das moças e dar "parecer' em exame médico legal de mulheres; calcular a data provável do parto e cuidar dos recém-nascidos, ou seja, de forma geral cuidava da saúde mulher integralmente [6].

Essas práticas eram realizadas na residência das parturientes, das parteiras, consultórios e Casa de Maternidade. A divulgação destes locais era realizada, por meio de anúncios publicizados em jornais e revistas. Por outro lado, as parteiras leigas, que vinham perdendo espaço para as diplomadas, usavam a estratégia de divulgação de seus préstimos, distribuindo folhetos na rua ou com exposição de tabuletas nas portas de suas residências com o símbolo de uma cruz branca [2]. Neste sentido, as estratégias de divulgação entre as Parteiras Diplomadas e leigas já enunciavam certa distinção entre ambas.

As Parteiras Diplomadas ao atenderem em suas residências transmitiam as mulheres da vizinhança maior credibilidade pelo vínculo estabelecido entre elas. A estudiosa na temática Nadia Filippinni (1993), nos relata que na Itália as parteiras que atendiam a domicílio não eram vistas com bons olhos pela sociedade. Isso se dava em virtude da suspeita da prática de procedimentos proibidos (aborto) em mulheres fora dos padrões morais [2].

Outras parteiras atendiam em consultórios próprios ou em parceira com médicos. Durocher foi um os casos de parceria, em 1863, com o professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Luiz da Cunha Feijó, na Maternidade da Casa de Saúde da Ajuda. Ademais, as Parteiras Diplomadas fundavam Casas de Maternidade, que anos mais tarde foram polemizadas pelos médicos [2].

As Casas de Maternidade fundadas por Parteiras Diplomadas eram divulgadas à sociedade, por meio de anúncios na imprensa escrita. Nestes estabelecimentos, parteiras e médicos atuavam em parcerias, ou seja, elas atendiam os partos eutócicos e eles aos distócicos. Entre os anúncios divulgados, Maria Lúcia Mott cita o de Madame Clementina Sonjean, conforme o seguinte fragmento no Jornal do Commercio datado em 1861:

suas numerosas clientes e ao respeitável público do Rio de Janeiro e do interior ...elegantemente preparada com as melhores acomodações
... tanto em asseio como bom tratamento [mulheres] brancas como pretas, na Rua das Laranjeiras, número 2 ao pé do Largo do Machado

Na delimitação final do presente texto em 1876 ocorreu, por meio de legislação no Rio de Janeiro, que as Casas de Maternidade criadas pelas Parteiras Diplomadas deveriam ser dirigidas por médicos, da área da obstetrícia, passando suas proprietárias à condição de empregadas [2].

O estudo de Anyandi Correa Brenes nos revela que, este fato deveu-se a ausência de mulheres grávidas para estudos da medicina obstétrica. Com isso usaram como a estratégia a aliança com o governo, impondo às mulheres brancas ou negras, ricas ou pobres, parturientes e puérperas com seus recém-nascidos existentes no Império que deveriam ser submetidas ao processo de internação, controle e cadastramento nas instituições de saúde com apresentação ao subdelegado do distrito. Esse subdelegado registrava os dados da mãe e do filho sob forma legal, com a justificativa de vigilância dos nascimentos, passamentos e a punição para os responsáveis aos infanticídios. Neste sentido, as mulheres pobres para livrarem-se destes incômodos, passaram a parir em hospitais "sob a exigência da lei" [7].

Outra estratégia utilizada pelos médicos foi à mudança no discurso vigente. Em outras palavras, a Faculdade de Medicina para ensinar a Arte de Partejar precisava de mulheres grávidas, que pariam com as Parteiras Diplomadas. Neste sentido, os médicos precisavam romper com àquela prática para tornarem-se porta-voz e terem aos seus auspícios o discurso autorizado sobre o corpo da mulher.

Os médicos passaram, então, a ter a idéia de que a mulher era frágil e inconstante e que só eles poderiam melhor orientá-las quanto às alterações sofridas, por serem os únicos que as conheciam, por meio de estudos científicos que ocupou páginas e páginas da literatura médica, como, por exemplo, na temática de histeria. Foi desta lógica que adveio o "mito do amor materno", "mãe dedicada", "boa esposa", "rainha do lar" [7]. Destarte com conjunto de idéias e práticas, os médicos passaram a dominar a arte de partejar, por meio do controle do corpo das mulheres, pautados na anunciação no campo científico que lhes garantiriam o poder e prestígio perante a sociedade da época.

 

Considerações finais

A panorâmica da trajetória da obstetrícia foi delimitada entre os anos de 1832 a 1876, no Rio de Janeiro, com demarcação geográfica no âmbito brasileiro, pelo olhar de enfermeiros em virtude da pena e do papel aqui escrito. Assim, as idéias que se apontaram foram diversas, contudo, aqui destacamos abaixo:

• A Faculdade de Medicina investiu na formação de Parteiras Diplomadas, com a estratégia de melhorar o atendimento à população feminina. Por outro lado, os médicos não contavam com a aceitação e popularidade dessas profissionais e a ampliação dos seus raios de ação, inclusive com a criação de Casas de Maternidade. Logo, para garantir o poder e prestígio, a medicina mudou a sua postura e se utilizou de dispositivos legais para assegurar o avanço da obstetrícia.

Ao avançarmos no tempo, o que temos hoje no Brasil são os cursos de especializações da Enfermagem Obstétrica, sendo alguns promovidos pelo Ministério da Saúde.

Neste sentido, as enfermeiras obstétricas podem ser consideradas herdeiras das Parteiras Diplomadas, permanecendo em contexto de luta em prol da assistência ao parto, que a exemplo das Parteiras Diplomadas pautavam-se na fisiologia feminina por respeitar e compreender o corpo da mulher no momento do nascimento. Ademais, o estudo leva-nos a refletir sobre a importância das Parteiras Diplomadas na busca de poder e prestígio na sociedade.

 

Referencias

1- MOTT, M.L. Uma parteira diplomada. In: Revista Nossa História. Rio de Janeiro 2(21). 2005. 28-31.        [ Links ]

2- Parteiras o outro lado da profissão. São Paulo. 2006 (xerox).        [ Links ]

3- SOUZA FILHO, J. A O ensino da clinica obstétrica na Universidade da Bahia. Universidade Federal a Bahia. 1967.        [ Links ]

4- BRIQUET R. Obstetrícia normal. São Paulo. 1971.        [ Links ]

5- BOURDIEU, P. Dominação masculina. Rio de Janeiro. Bertrand. 2003        [ Links ]

6- LEITE, M.M.L. A condição Feminina no Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro. Hucitec. 1984.        [ Links ]

7- BRENES, A C. BORGES História da Parturição no Brasil, Século XIX. In: Caderno de Saúde Pública. Rio de Janeiro (7) 2. Abril e maio. 1991. 131-149.        [ Links ]

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