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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob.  no.17 Murcia oct. 2009

 

 

 

Vivência do enfermeiro ao cuidar surdos e/ou portadores de deficiência auditiva

Vivencia del enfermero al cuidar sordos y/o portadores de deficiencia auditiva

 

 

*Gomes, V., **Correa Soares, M., **Manfrin Muniz, R., ***De Sosa Silva, J.R.

*Enfermeira. Professora da Faculdade Atlântico Sul - Anhanguera Educacional Pelotas/RS. Coordenadora do Curso Técnico em Enfermagem da Instituição SENAC RS
**Dra. em Enfermagem. Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia/UFPel, Pelotas/.
***Mestre em Enfermagem, Coordenador e Professor da Faculdade de Enfermagem Atlântico Sul/Anhanguera Educacional Pelotas/RS. Coordenador do Curso Técnico em Enfermagem da Instituição SENAC RS. Brasil.

 

 


RESUMO

O presente estudo tem por objetivo conhecer as vivências do enfermeiro ao cuidar surdos e/ou portadores de deficiência auditiva. A metodologia adotada teve caráter descritivo e exploratório com análise qualitativa. Os sujeitos do estudo foram cinco enfermeiros: três (03) de uma instituição hospitalar de médio porte, um (01) de uma Unidade Básica de Saúde e um (01) de uma clínica de hemodiálise, todas as instituições situadas em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. A coleta de dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada. Após a discussão e análise dos dados, os mesmos foram agrupados conforme os objetivos do estudo, resultando em quatro temas:
I - A experiência do enfermeiro ao cuidar de clientes surdos e/ou portadores de deficiência auditiva;
II - Os sentimentos do enfermeiro ao cuidar de clientes surdos e/ou portador de deficiência auditiva;
III - O tipo de comunicação entre o enfermeiro e clientes surdos e/ou portadores de deficiência auditiva; IV - Reflexões sobre o cuidar do cliente surdo e/ou portador de deficiência auditiva. Os resultados demonstraram que os enfermeiros necessitam aprimorar seu conhecimento na comunicação com o surdo e/ou deficiente auditivo a fim de prestar um cuidado individualizado a esta clientela. Cabe salientar que os enfermeiros demonstraram uma preocupação com o cliente surdo ou com algum déficit auditivo, no entanto, relataram que, durante sua vida acadêmica e profissional, não receberam informações específicas sobre como cuidar e se comunicar com os clientes surdos e/ou portadores de deficiência auditiva, o que gerou uma limitação de conhecimentos. Pontuam a necessidade de estudos e artigos sobre a temática.

Palavras-chave: Enfermagem; Cuidado; Comunicação.


RESUMEN

El presente estudio tiene por objetivo conocer las vivencias del enfermero al cuidar sordos y/o portadores de deficiencia auditiva. La metodología adoptada tuvo carácter descriptivo y exploratorio con análisis cualitativo. Los sujetos del estudio fueron cinco enfermeros: tres (03) de una institución hospitalaria de mediano porte, uno (01) de una Unidad Básica de Salud y uno (01) de una clínica de hemodiálisis, siendo que todas las instituciones estaban situadas en una ciudad del interior de Río Grande do Sul/Brasil. La colecta de datos fue realizada a través de entrevista semi-estructurada. Tras la discusión y análisis de los datos, los mismos fueron agrupados conforme los objetivos del estudio, resultando en cuatro temas: I La experiencia del enfermero al cuidar de clientes sordos y/o portadores de deficiencia auditiva; II Los sentimientos del enfermero al cuidar de clientes sordos y/o portador de deficiencia auditiva; III El tipo de comunicación entre el enfermero y clientes sordos y/o portadores de deficiencia auditiva; IV Reflexiones sobre el cuidar del cliente sordo y/o portador de deficiencia auditiva. Los resultados demostraron que los enfermeros necesitan perfeccionar su conocimiento en la comunicación con el sordo y/o deficiente auditivo a fin de prestar un cuidado individualizado a esta clientela. Cabe resaltar que los enfermeros demostraron una preocupación con la clientela sorda o con algún déficit auditivo, sin embargo, relataron que, durante su vida académica y profesional, no recibieron informaciones específicas sobre como cuidar y comunicarse con los clientes sordos y/o portadores de deficiencia auditiva, lo que generó una limitación de conocimientos. Puntúan la necesidad de estudios y artículos sobre la temática.

Palabras clave: Enfermería; Cuidado; Comunicación.


ABSTRACT

The objective of the present study is to find out the nursing experience in caring deaf people and/or people with hearing deficiencies. The methodology used had a descriptive and exploratory character with a qualitative analysis. The subjects studied were five nurses: three (03) from a hospital institution of medium importance, one (01) from a Basic Health Care Unit, and one (01) from a hemodialysis clinic, all the institutions being situated in a city of the interior of Río Grande do Sul, Brazil. The data were collected through a semistructured interview. After data analysis and discussion, they were grouped according to the objectives of the study, resulting in four topics: I The nursing experience in caring for deaf people and/or people with a hearing deficiency; II The feelings of the nurse when caring for deaf people and/or people with a hearing deficiency; III The type of communication between the nurse and deaf people and/or people with a hearing deficiency and last; IV Reflections about caring for deaf people and/or people with a hearing deficiency. The results showed that nurses need to improve their knowledge regarding communication with deaf people and/or people with hearing deficiency so as to provide individualized care to this people. It is worth noting that nurses demonstrated concern for deaf and hearing deficient patients. However, they commented that during their academic and professional life they had not received specific information about caring for and communicating with deaf and/or hearing deficiency patients, which was the cause of limited knowledge. It shows the necessity of research and articles about the topic.


 

Introdução

Sair da "prisão do silêncio", não captar sons da natureza, nem sentir a música e tentar produzir palavras que nunca se ouviram é, no mínimo, uma experiência humana invulgar 1.

Compactuando com as idéias do autor, concordamos que os aspectos que circundam a deficiência auditiva são prejudiciais ao desenvolvimento das pessoas em todas as áreas. A falta de capacidade de ouvir cria uma barreira comunicativa entre o seu portador e as outras pessoas, atingindo seu lado emocional, social e cognitivo. Além disso, na maioria das vezes, ela não pode ser identificada visualmente, com freqüência é confundida com desatenção, falta de motivação e até mesmo com deficiência mental, o que dificulta suas relações sociais.

É possível, para a pessoa que vê, fechar temporariamente os olhos e imaginar como se sente uma pessoa cega, da mesma forma, também podemos avaliar as sensações de limitação física dos movimentos, no entanto, é impossível, mesmo que seja utilizado material oclusivo, vivenciar a ausência total de som.

Dentre todos os portadores de deficiência, acreditamos que as pessoas surdas e com déficit auditivo são, sem dúvida, uma minoria mal compreendida e desfavorecida, por isso é importante que, de alguma maneira, se tente manter com elas alguma comunicação a fim de ajudá-las na reconstrução de sua identidade.

Ao tentar interagir com essas pessoas especiais, os sentimentos dos profissionais de enfermagem e da área da saúde em geral são de frustrações, impotência e impaciência, por não conseguirem manter uma comunicação, seja através da linguagem gestual ou da leitura labial. Geralmente preferem a transferência da responsabilidade da comunicação para os familiares, muitas vezes passando despercebidas a angústia e as dificuldades que os clientes passam.

Durante a graduação, percebemos que não existe um preparo específico para atuar junto a esta clientela. Discute-se sobre a deficiência como uma doença, mas não se buscam formas de relacionamento e comunicação com estes indivíduos. "Entretanto, os profissionais são chamados a manifestar atenção, solidariedade, simpatia, assistência e compreensão [..] 2 O interesse em realizar este estudo, surgiu a partir de situações vivenciadas, nas quais observamos as dificuldades de comunicação do enfermeiro e da equipe multiprofissional com o portador de deficiência auditiva.

Desconhecíamos a situação dos surdos, nem imaginávamos que ela pudesse lançar luz sobre tantos domínios, sobretudo o domínio da língua oral. Impressionaram-nos a leitura sobre a história das pessoas surdas e os extraordinários desafios lingüísticos que elas enfrentam, e igualmente surpreendeu-nos o conhecimento de uma língua completamente visual, a língua de sinais, diferente de nossa própria língua, a falada. Neste pensar, desenvolvemos um estudo que buscou responder a seguinte questão: Qual é a vivência do enfermeiro ao cuidar as pessoas surdas e/ou portadoras de deficiência auditiva?

Este estudo objetivou conhecer as vivências do enfermeiro ao cuidar de pessoas surdas e/ou portadoras de deficiência auditiva através do conhecimento do tipo de comunicação utilizada por esse profissional, bem como, os sentimentos envolvidos e o cuidado prestado a essas pessoas.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo de caráter qualitativo do tipo descritivo-exploratório.

Qualitativa porque trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações; exploratória porque estabelece um confronto entre teoria e os dados obtidos; descritiva porque investiga, analisa e descreve cenários e sujeitos 3.

A pesquisa foi desenvolvida em unidades básicas de saúde, instituições hospitalares e clínicas particulares, num município de médio porte da zona sul do estado do Rio Grande do Sul, locais onde atuavam enfermeiros que já haviam experenciado o cuidado a pessoas surdas e/ou portadores de deficiência auditiva. Os sujeitos da pesquisa foram cinco (05) enfermeiros. Um (01) atuante na rede básica de saúde, três (03) em instituição hospitalar e um (01) em uma clínica de hemodiálise, identificados por nomes de flores (Azaléia, margarida, Cravínia, Cravo e Orquídea), denominações escolhidas pelos próprios sujeitos.

A coleta de dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada (anexo I), gravadas em fita cassete com duração média de trinta (30) minutos. A entrevista pode ser definida como um processo de interação social entre duas pessoas no qual uma delas, o entrevistador tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado 3

Os profissionais concederam a entrevista mediante autorização conforme Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após o parecer favorável do Comitê de Ética da Instituição Hospitalar e autorização das chefias dos serviços. Para o desenvolvimento da pesquisa obedeceu-se a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que se refere aos trabalhos com seres humanos.

As entrevistas foram transcritas e, após, fizeram-se várias leituras, realizando-se uma reflexão e pré-análise das mesmas:

"[...] não é possível analisar as informações tal como elas se apresentam, é necessário organizá-las, classifica-las e, o que é mais importante, interpretá-las dentro de um contexto amplo, para distinguir o fundamental do desnecessário, buscar as explicações e significados dos pontos de vista. O isolamento dos materiais reunidos só pode ser compreendido, num primeiro momento, para melhor atingir suas conexões dentro de um quadro de um contexto maior 4.

Os dados foram agrupados por temas de acordo com o objetivo do estudo e contrastados com a bibliografia e reflexões das pesquisadoras. A noção de tema está ligada a uma afirmação sobre determinado assunto. Ela comporta um feixe de relações e pode ser graficamente apresentada através de uma palavra, uma frase, um resumo 3. A análise dos dados conduziu a uma reflexão que contemplou a aplicabilidade prática de subsídios que permitiram, ao mesmo tempo, a compreensão do fenômeno sob o ponto de vista biológico e humanista.

 

Resultado e discussão

Após várias leituras, análise e discussão sobre os dados, apresentamos os temas que mais configuram as falas dos sujeitos.

Tema I: A experiência do enfermeiro ao cuidar clientes surdos e/ou portadores de deficiência auditiva.

A experiência dos profissionais ao cuidar desses clientes tem relação com a sua prática profissional ao longo dos anos. Discute-se sobre a deficiência como uma doença e não como forma de o enfermeiro se relacionar, se comunicar ou cuidar.

"Entretanto os profissionais são chamados a manifestar, atenção, solidariedade, simpatia, assistência e compreensão [...]2."

Assim sendo, a partir da realização do estudo observamos algumas dificuldades que os enfermeiros têm ao realizar o cuidado a essa clientela, possivelmente pela falta de informações e subsídios que os instrumentalizem, pela inexperiência, dificuldade de comunicação, despreparo e pelo contato esporádico, como se observa na fala abaixo:

"A experiência é nova, trazendo uma série de situações na medida que não existe na nossa formação uma preocupação com quem apresenta este tipo de deficiência, portanto a gente tem que utilizar uma série de recursos e tentar buscar externamente e internamente condições para poder dar uma assistência razoável para estas pessoas" (Cravo).

Acreditamos que a enfermagem precisa desenvolver senso crítico, mesmo em situações novas, buscando sempre um conhecimento novo a fim de progredir, com objetivo de prestar um cuidado humanizado aos surdos e/ou portadores de deficiência auditiva.

O homem que desenvolve um senso de consciência crítica é indagador: investiga, força, choca e busca internamente e externamente verificar e testar novas descobertas, sempre disposto a revisões 5.

Em alguns momentos deste cuidar percebemos que o enfermeiro necessita buscar, junto aos familiares do cliente surdo ou portador de deficiência auditiva, auxílio para que ocorra a comunicação, com a finalidade de exercer o cuidado efetivo:

"Ainda não tive grandes experiências com esses clientes. Lembro-me de uma vez ter prestado assistência a um paciente surdo em que havia dificuldade de comunicação, visto que não conseguia entendê-lo. Neste caso busquei compreendê-lo através de sua irmã" (Azaléia).

Irmãos e irmãs de pessoas surdas ou com deficiência auditiva são elementos importantes no quadro total da excepcionalidade humana. Sua capacidade de contribuir para o crescimento e felicidade do irmão é substancial 6

Por outro lado, podemos observar o despreparo do profissional quando se depara com o cliente com surdez:

"Foi uma experiência nova para mim porque eu nunca tinha trabalhado com cliente com surdez, eu somente tinha trabalhado com portadores de Síndrome de Down, mas com surdo mudo não. E esse cliente além da surdez é um paciente jovem, atípico, em hemodiálise, então para mim de repente chegou um paciente para dialisar que era surdo, que não falava" (Orquídea).

Outro engano disseminado na sociedade é o de que a mudez sempre acompanha a surdez. O surdo ou deficiente auditivo tem voz, apenas precisa ser ajudado e quanto mais cedo, ainda na infância, ele for estimulado, melhor poderá desenvolver a fala 7

Concordamos com o autor que seja possível que o surdo possa desenvolver a fala. Portanto os enfermeiros e profissionais da área da saúde precisam estar cientes desta possibilidade e de que podem tornar-se agentes estimuladores deste processo, porém, muitas vezes, desconhecem tal fato.

A experiência de cuidar utilizando como recurso o humor e as atividades lúdicas, para interagir com o cliente surdo, proporcionou ao enfermeiro a percepção de que é possível, mesmo dentro de um ambiente estranho, encontrar formas de o cliente sentir-se melhor, aumentando sua auto-estima.

"[...] quando chegam, eu gosto de descontraí-los com brincadeiras, chamando sua atenção, procurando criar um ambiente menos hostil [...] um dia teve uma roda de violão, samba e seresta e ele participou, me lembro dele batendo com o pé no chão, como se estivesse acompanhando o ritmo, ele tem a percepção bem aguçada, embora a timidez e a tristeza muitas das vezes o empeçam de ter momentos felizes" (Orquídea).

A enfermagem, ao romper paradigmas no avanço de sua ciência, encontra-se aberta ao novo e ao incorporar saberes de outras ciências, revitaliza o componente lúdico. Assim, ao permitir o desenvolvimento de potencialidade artística, o uso da criatividade e da percepção, nos vários campos, tem proporcionado aos enfermeiros alçar vôos de infinitas possibilidades no cuidado humano. A enfermagem, através de abordagens inovadoras, como as atividades lúdicas e o humor, amplia o seu conhecimento e seu espaço no enriquecimento de sua prática através das dimensões artísticas e educativas no cuidado dos seres 8.

Tema II: Os sentimentos do enfermeiro ao cuidar clientes surdos e/ou portadores de deficiência auditiva

Os sentimentos são a maneira como nós percebemos. São nossas reações ao mundo que nos circunda. São a maneira pela qual sabemos que estamos vivos. Quando estão consolidados, experimentamos nosso maior grau de consciência. Sem sentimentos não há existência, não há vida. Eles resumem o que experimentamos e nos dizem se o que estamos experimentando é agradável ou doloroso 9.

A partir desta afirmação, percebemos vários sentimentos que afloraram no discurso dos enfermeiros, quando da necessidade de cuidar do surdo e/ou do portador de deficiência auditiva. Medo, ansiedade, angústia, frustração e negação foram verbalizados.

"Senti certa ansiedade e angústia, pois estes sentimentos ocorrem pelo fato deu querer ajudar o outro e não saber como, porque não estou conseguindo entendê-lo [...] parece-me que estou negligenciando o atendimento, e principalmente o atendimento a suas queixas" (Azaléia).

A ansiedade e a angústia podem ser consideradas como uma reação natural que se produz diante de certos tipos de situações nas quais a pessoa necessita de recursos extras de adaptação. Esses sentimentos desencadeiam reações que têm em comum, geralmente, a previsão subjetiva de possíveis conseqüências negativas para o indivíduo.

Desta forma, ansiedade é o medo de ser magoado, perder alguma coisa, ou se deparar com uma situação inesperada, quer ela seja real, quer ela seja imaginária, a sensação é a mesma. Sentimo-nos incertos, agitados, intranqüilos. Há uma sensação crescente de que algo de mau está para acontecer, um vago sentimento de perda iminente 9.

A angústia como é uma negação de aspecto imediato ocorrido em nossas vidas, é uma manifestação subjetiva de invasão em nossa consciência, para a qual nossas defesas estão desarmadas, sem proteção, caracterizando-se por um perigo perceptivo exterior do qual podemos fugir ou até evitar 10.

Observamos que o sentimento de medo aparece sempre que nos confrontamos com algumas situações inesperadas, no entanto o medo não é sinal de covardia, é ele quem nos dá a possibilidade de agir com bravura e dignidade. Quem sente medo, mas apesar disto, segue adiante, está dando uma prova de valentia.

"[...] senti apreensão, angústia, medo de não saber como me comunicar com ele [...]" (Orquídea).

Diz-se que o medo como todos os sentimentos têm um fim, que é o estado de alerta no qual se instala e serve para nos defendermos 9

Outro sentimento expresso pelos enfermeiros foi o de negação como forma de defesa:

"Nós enfermeiros não somos preparados para trabalhar com este tipo de clientela. É uma situação que eu jamais achei que pudesse ocorrer comigo, então eu meio que apaguei de minha cabeça tal situação, como forma de me defender, fechei os olhos, pois não sabia como agir no momento de sua chegada à clínica" (Orquídea).

A negação é a tentativa de não aceitar na realidade um fato que perturba nossa consciência. Os adultos têm a tendência de fantasiar que certos acontecimentos não são assim, que na verdade não ocorreram. Este vôo de fantasia pode tomar várias formas as quais parecem absurdas ao observador objetivo 11.

Tema III: O tipo de comunicação entre enfermeiros e clientes surdos e/ou portadores de deficiência auditiva

Compreender o outro dentro do seu mundo é, provavelmente, um dos maiores desafios do homem. Principalmente quando este outro, encontra-se vulnerável frente a uma doença que torna sua comunicação verbal dificultada restando-lhe a dimensão do não-verbal. Este desafio se amplia, levando-nos a provas de saídas para estabelecer canais de comunicação. Nesse sentido, o conhecimento sobre o campo da comunicação não-verbal torna-se imperioso para o enfermeiro, bem como para todos os profissionais da área da saúde.

A comunicação não-verbal, ou linguagem corporal, nada mais é do que um conjunto de sinais não-verbais, onde são incluídos os movimentos corporais, postura, gestos, expressões faciais, que dá expressão a vários estados físicos, mentais e corporais 12.

Tendo em vista a responsabilidade do enfermeiro na relação terapêutica, questionamo-nos quanto a interação com o cliente impossibilitado de ouvir. Ressaltamos que a comunicação não-verbal, seja ela através de LIBRAS, gestos, mímicas, leitura orofacial, é importante para estabelecermos um vínculo com estes clientes, a fim de compreendê-los integralmente.

"Alguns gestos, gestos corriqueiros que eu faria para qualquer outro paciente, mímica, não LIBRAS, pois não sei [...] ele se comunica através de gestos ou leitura labial [...] por exemplo, se eu pergunto se dói, ele gesticula que sim, se ele não gosta de alguma coisa faz que não está nem aí, e quando ele gosta de alguma coisa, pois eu trabalho com atividades lúdicas aqui na clínica, ele é bem participativo" (Orquídea).

O profissional de enfermagem tem de adquirir competência no uso de técnicas de comunicação não-verbal, em busca de formação de atitudes que permitam a aquisição de conhecimentos das questões inerentes a um cuidado humanizado a todos os clientes, com o objetivo de lhes oferecer apoio, conforto, informação e despertar seus sentimentos de confiança e auto-estima 13.

A comunicação verbal e escrita não pode ser considerada como forma de comunicação não-verbal 14. Na fala de Cravínia, observa-se o contrário, quando relata que a palavra escrita faz parte da comunicação não-verbal:

"Através de gestos, demonstrações de objetos, ou em algumas vezes eu escrevia para o cliente e ele escrevia para mim" (Cravínia).

A forma não-verbal se justifica exatamente porque nela a palavra escrita não apresenta aquela lógica central que caracteriza o texto verbal. A linguagem não-verbal está incorporada à realidade, não se concentra no espaço em branco da página, espaço característico do verbal escrito, nem no timbre ou ritmo de uma voz, espaço próprio do verbal falado. Não se ensina a ler ou escrever o não-verbal, ocorre através do olhar, do tátil, do multissensível 15

O enfermeiro não sabe como agir quando interage com o cliente que não faz leitura labial ou não entende os gestos estabelecidos pelo profissional, dificultando, assim, o atendimento, sendo necessário ter atenção, paciência e ajuda do familiar para estabelecer a comunicação 14.

Tema IV: Reflexões sobre o cuidar do cliente surdo e/ou portador de deficiência auditiva

Para superar as dificuldades de comunicação na prestação do cuidado, alguns enfermeiros apontam soluções e condutas diferenciadas daquelas utilizadas no primeiro contato com a clientela, e outros, ainda hoje, desconhecem formas de comunicar e cuidar de pessoas surdas ou portadoras de deficiência auditiva. É o que podemos verificar no relato a seguir:

"Eu acho que eu agiria diferente, por já ter vivenciado há algum tempo esta experiência, tu te preparas para as dificuldades encontradas. Então tu já adquiriste certas habilidades que te dão condições de uma maneira bem mais madura, mais eficaz no acolhimento e no cuidado a este cliente" (Cravo).

Os enfermeiros confirmam a necessidade de informações de como se comunicar de forma efetiva com a clientela surda e/ou portadora de deficiência auditiva. Enfatizaram a importância de estudos e artigos voltados para esta temática, como verificamos a seguir:

"Acho que faculdades de enfermagem devem levar o aluno a ter mais convívio com os cegos, surdos, pessoas com síndromes para que após a graduação se tenha alguma experiência [... ] fala-se tanto em comunicação não-verbal e não fala sobre os surdos e cegos. Estamos atualmente trabalhando muito com essa realidade que não era comum há alguns anos, é importante ter subsídios para isto" (Orquídea).

Percebemos, a partir dessa fala, que uma provável solução para suprir esta necessidade de aprendizado entre os enfermeiros é a inclusão nos currículos de disciplinas que abordem a comunicação alternativa, ou seja, forma de comunicação que não seja somente a verbal, e também de um serviço de educação continuada que desperte o desejo de continuar com o processo de aprendizado, mesmo após a conclusão da graduação. Ninguém pode afirmar que sabe o suficiente sobre o cuidado e a comunicação, pois o processo destes é dinâmico, portanto comunicar-se com o cuidar é justamente ter capacidade de mudar de opinião e adquirir novos conceitos.

 

Consideraçoes finais

O conceito de surdez ou de deficiência auditiva identifica o sujeito que faz uso da visão como meio de comunicação. Trata-se, portanto, do indivíduo do qual a natureza humana, por uma ou outra forma, exclui toda a possibilidade de uso do sentido da audição.

É possível, para a pessoa que vê, fechar temporariamente os olhos e imaginar como se sente uma pessoa cega, da mesma forma, as sensações de limitação física dos movimentos, podem ser experienciadas, no entanto, é impossível, mesmo que seja utilizado material oclusivo, vivenciar a ausência total de som.

Neste contexto podemos comprovar que a falta da capacidade de ouvir cria uma barreira na comunicação entre cliente surdo e/ou portador de deficiência auditiva e o enfermeiro. Durante a realização deste estudo, evidenciou-se a dificuldade do enfermeiro em relação ao processo comunicativo, afetando, portanto, diretamente o cuidar. Esse profissional possui poucas informações sobre a forma de comunicação utilizada pela clientela surda ou portador de deficiência auditiva, no entanto, tenta, assim mesmo, manter um vínculo com estes clientes, procurando compreendê-los e atender as suas necessidades.

Observou-se, também, que é a família o elo entre o cliente e o enfermeiro, pois esta se torna grande aliada e intérprete quando o profissional não tem muita noção de como abordar o indivíduo.

Esperamos que este estudo sirva de incentivo e apoio bibliográfico para a academia, profissionais da área e pesquisadores sobre a temática; e ainda que contribua para despertar o interesse daqueles que pretendem trabalhar com surdos ou portadores de deficiência auditiva.

 

Referências bibliográficas

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