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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob.  no.17 Murcia oct. 2009

 

 

 

A emergência da integralidade e interdisciplinaridade no sistema de cuidados em saúde

La emergencia de la integralidad e interdisciplinaridad en el sistema de cuidado a la salud

 

 

*Santos Koerich, M., **Stein Backes, D., ***Macêdo de Sousa, F.G., **** Erdmann, A.L.

*Mestre em Enfermagem. Professora Assistente 3 do Departamento de Patologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da UFSC. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde (GEPADES).
**Doutora em Enfermagem. Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Membro do GEPADES. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Empreendedorismo Social da Enfermagem e Saúde (GEPESES).
***Doutora em Enfermagem. Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do maranhão (UFma). Membro do GEPADES.
****Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora Titular UFSC. Pesquisadora 1A do CNPq. Coordenadora do GEPADES. Brasil.

 

 


RESUMO

Em estudo anterior construiu-se modelo teórico sobre o significado do sistema de cuidados para profissionais da saúde. As categorias interdisciplinaridade e integralidade destacaram-se como ferramentas essenciais do cuidado. Nosso objetivo é discutir a integralidade e interdisciplinaridade como ferramentas para o cuidado em saúde e a responsabilidade como o princípio ético para ações de cuidado. Traz reflexões para revisão do sistema de cuidados em direção a modelos integradores e interdisciplinares que se aproximem da natureza e dimensão do humano, nos cenários do cuidado à saúde. Para reduzir a fragmentação do saber e das práticas em saúde e alcançar o homem-sujeito nas suas várias dimensões, a interdisciplinaridade e a integralidade se constituem na prática necessária do Sistema de Cuidados. Para o cuidado em saúde pautado em ações interdisciplinares, integrais/integradoras, torna-se premente a reflexão quanto à responsabilidade ética dos profissionais envolvidos com o cuidar. mas, como envolvê-los nessa prática?.

Palavras-chave: Assistência integral à saúde; Assistência centrada no paciente; Ética.


RESUMEN

A partir de un estudio cualitativo cuyo objetivo ha sido construir un modelo teórico sobre el significado del sistema de cuidados para los profesionales de la salud, la interdisciplinaridad e integralidad en las acciones de salud se destacaron como herramientas importantes para las prácticas del cuidado. El texto tiene como objetivo discutir la integralidad del cuidado y la interdisciplinaridad como herramientas para el cuidado en salud y la responsabilidad como el principio ético para las acciones del cuidado. Trae algunas reflexiones para la revisión del sistema de cuidados en relación a modelos integradores e interdisciplinarios que atiendan a las exigencias de una realidad que se aproxime a la naturaleza y dimensión de lo humano en los escenarios del cuidado a la salud.

Palabras clave: Asistencia Integral de la salud; Asistencia centrada en el paciente; Ética.


ABSTRACT

From a quality study that aimed to build a theoretical model about the understanding of the Health Care System, interdisciplinary and integrality actions were pointed out as important tools of health care actions. The purpose of this text was to discuss the integrality and the interdisciplinary actions of health care as a tool; as well as responsibility as an ethical principle for health care actions. Some thoughts arouse as to the review of the health care system regarding integrated and interdisciplinary models that meet the realistic demands and dimensions of human nature in health care scenarios.


 

Introdução

O cuidado, enquanto sistema complexo vai além da simples interação e integração dos saberes e aponta para a superação das fronteiras disciplinares ao mesmo tempo em que reflete e amplia as discussões acerca das múltiplas dimensões que envolvem o ser humano1.

Para abordar o sistema de cuidados é necessário, inicialmente, pensar na relação entre as políticas de saúde e a organização dos serviços para, em seguida, alcançar a individualidade e autonomia das práticas profissionais em saúde. Por outro lado, é preciso compreender o cuidado como sistema vital e dinâmico, o que implica na construção de redes não lineares. Dessa forma, em um sistema de cuidados, a visão setorial e fragmentada em saúde cede lugar a uma visão complexa do processo saúde-doença e do cuidado.

Nesse sentido, o sistema de cuidados à saúde/doença é um coletivo constituído pela totalidade das práticas, das atitudes e do conhecimento dos vários profissionais que dão sustentação à dinâmica do cuidado. A organização do sistema de cuidados deve, portanto, sustentar-se na ação e no saber compartilhado dos vários profissionais e no trabalho em equipe, que se expresse na cumplicidade da teia entre usuários e profissionais e que apontam para práticas interdisciplinares na intenção de alcançar a integralidade do ser humano.

Também, sob o ponto de vista ético e bioético, torna-se premente a reflexão quanto à responsabilidade dos profissionais envolvidos com o "cuidar". A responsabilidade "indica a possibilidade de prever os efeitos de um comportamento e de corrigi-lo antes de sua realização, com base na previsão"293. Essa idéia "exprime uma preocupação com o resultado final do comportamento"294. Exige o agir com moderação, com prudência ou precaução, buscando evitar as condutas com probabilidades de insegurança.

A ética da responsabilidade e a bioética conduzem à responsabilidade para com as questões do cotidiano e das relações humanas em todas as dimensões. Nesta visão ampliada, o comportamento ético em atividades de saúde não se limita ao indivíduo, devendo ter, também, um enfoque de responsabilidade social e ampliação dos direitos da cidadania, uma vez que sem cidadania não há saúde3.

Desse modo, ao transferir esses conceitos para o cuidado em saúde, destacamos a necessidade da interdisciplinaridade e integralidade nas ações, que se impõem como uma atitude coerente com os princípios bioéticos, especialmente a responsabilidade, a ser seguida pelos profissionais da saúde. A interdisciplinaridade viabiliza o ajustamento da linguagem entre as especialidades e favorece o relacionamento entre as diferentes disciplinas/profissões. A integralidade das ações em saúde favorece a atuação responsável dos profissionais envolvidos com o cuidar/tratar/curar.

Essas considerações fundamentam vários estudos desenvolvidos no Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde - GEPADES, junto ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Tais reflexões têm nos estimulado a elaborar questionamentos sobre a contribuição da integralidade no cuidado, do saber interdisciplinar e do pensamento complexo para as práticas em saúde.

Um estudo anterior, desenvolvido pelas autoras, resultou no modelo teórico Construindo o Sistema Complexo de Cuidados4, e conduziu à possibilidade de convivência e de enfrentamento de uma lógica disciplinar fragmentada e de rupturas com a linearidade das ações e das práticas de cuidado em saúde. Na busca de esclarecimentos, a partir da análise dos dados brutos e, com um olhar mais atento, percebemos que, concomitantemente à emergência desse modelo teórico, os significados de sistema de cuidados eram permeados pela integralidade e pela interdisciplinaridade. Essas categorias destacaram-se como importantes ferramentas para o cuidado em saúde e como exigência imediata para o enfrentamento do real no contexto das práticas de cuidado4. Os resultados desse estudo já foram apresentados em outro texto, porém, como tais dimensões apresentaram-se de forma recorrente nas falas dos entrevistados, achamos pertinente aprofundar a reflexão sobre o cuidado a partir de ações interdisciplinares e integrais/integradoras e sobre a responsabilidade ética que permeia essas ações.

O enfrentamento da questão da interdisciplinaridade e da integralidade exigiu das autoras um olhar aguçado e crítico, ao mesmo tempo em que permitiu apontar possibilidades para a construção de práticas capazes de contribuir para a produção do novo e, de romper com velhas amarras do cotidiano do trabalho e do cuidado em saúde. Sob essa perspectiva, o texto, tem por objetivo discutir a integralidade do cuidado e a interdisciplinaridade como ferramentas para o cuidado em saúde e a responsabilidade como o princípio ético que deve permear as ações de cuidado. Consideramos que estas reflexões, poderão desencadear nos profissionais a transcendência das velhas práticas, uma vez que um sistema de cuidados é multifacetado, multidimensional e, portanto, complexo.

 

Redimensionando o sentido da integralidade nas práticas de saúde

O conceito de integralidade engloba as seguintes dimensões ou valores: o ser humano e não a doença como centro da atenção; o ser humano ou o grupo concebido em sua totalidade; assistência propiciada nos diversos níveis de saúde; tratamento diferente para quem está numa situação desigual e, por último; a interferência das práticas nas condições gerais de vida da comunidade5.

Para os autores, estes valores e sentidos correspondem a uma visão mais abrangente das necessidades dos usuários no nível da relação entre estes e os profissionais, a uma proposta de ações horizontalizadas e abertas, a assimilação de necessidades que não estavam previstas na organização das práticas, assim como a formulação de respostas governamentais a certos grupos ou problemas de saúde específicos, envolvendo tanto ações preventivas como assistenciais. Sob essa perspectiva a integralidade implica uma "recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o diálogo"661. Portanto, a integralidade, assim como a interdisciplinaridade, são ferramentas que rompem com a prática tradicional do cuidado em saúde.

O alcance desse compromisso envolve ações complexas, cuja operacionalização reclama um trabalho responsável, integrado, articulado e integral, de caráter interdisciplinar que direcionam a vários sentidos para a compreensão da integralidade, quais sejam: a integralidade usada para designar atributos e valores de práticas em saúde; a integralidade como modo de organizar serviços de saúde e; a integralidade como modo de organizar políticas de saúde. Sob um ou outro sentido, destaca-se que as práticas de saúde, pautadas na integralidade, devem ter como uma de suas características, a ausculta e a escuta ampliada das necessidades dos sujeitos "não negligenciando seus desejos e nem seus direitos"758.

Nesse sentido, critica-se a resposta governamental a determinado agravo, quando as práticas de cuidado são definidas verticalmente. Isto porque, dessa forma, são ignoradas as reais necessidades do indivíduo como único, assim como a capacidade, a habilidade e a competência do profissional de utilizar a criatividade para novas formas de cuidar, não "permitindo o surgimento de experiências inovadoras na incorporação e desenvolvimento de novas tecnologias assistenciais"820. Assim, "a superação da tradição de ações verticais normatizadas pelos níveis centrais de gestão, constitui um dos desafios maiores para políticas pautadas na integralidade"756.

A integralidade, colocada dentre os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), está entre o que menos se destaca na trajetória do Sistema e de suas práticas desde sua implantação a partir da Lei 8.080. "Teoricamente, integração significa coordenação e cooperação entre provedores dos serviços assistenciais para a criação de um autêntico sistema de saúde; mas, na prática, fica aquém dos preceitos do SUS e poucas são as iniciativas para o monitoramento e avaliação sistemática de seus efeitos"93.

Dentre os obstáculos às propostas de integralidade nas práticas e políticas de saúde, destacam-se o modelo teórico-conceitual da biomedicina com ênfase nos aspectos biológicos; a perspectiva fragmentada e fragmentadora, a hierarquização de saberes e as políticas setoriais, que não atendem à complexidade e multidimensionalidade do cuidado em saúde. Acrescente-se, ainda, outro obstáculo social e institucional, a prática liberal e individual do profissional médico, em que o trabalho ambulatorial, não especializado e na comunidade, configura-se como de menor valor. Para romper tais obstáculos, não existem manuais ou protocolos. O reconhecimento e a mudança "é uma construção do cotidiano, que só será possível na prática de sujeitos que cuidam de outros sujeitos, numa perspectiva ética e emancipatória"1042.

Nessa mesma perspectiva, "o olhar do profissional deve ser totalizante com a apreensão do sujeito biopsicossocial". Isto para que a integralidade possa ser assumida como "uma ação social resultante da permanente interação dos atores na relação demanda e oferta, em planos distintos de atenção à saúde"93.

Com respeito à atuação dos profissionais, destacam-se três ruídos que inviabilizam o cuidar em saúde. O primeiro deles relaciona-se à incapacidade de o profissional ouvir o usuário e acolher sua demanda, fato responsável pelos "inúmeros fracassos na relação entre trabalhadores de saúde e a população"11122. Para ampliar a capacidade de escuta do profissional de saúde, torna-se necessário que esses incorporem instrumentos de outras disciplinas no sentido de atender a totalidade da dimensão do sujeito. O segundo ruído, diz respeito à incapacidade de articular conhecimentos gerais e especialidades na investigação dos problemas. E o terceiro, que julgamos conseqüência dos anteriores, corresponde à ausência de um projeto terapêutico individualizado e o parco conhecimento em relação a outras tecnologias de cuidado pelos profissionais de saúde.

Como é possível realizar práticas integrais de cuidado diante dos obstáculos e ruídos enumerados? O que fazer? Por onde caminhar? Que espaços conquistar?

Sem a intenção de responder aos questionamentos, pois vislumbramos que eles sejam inquietações permanentes para os profissionais, consideramos relevante enfatizar que é preciso exercitar o trabalho em equipe, o diálogo, a flexibilidade, a convivência com diferentes saberes, diferentes profissionais e diferentes práticas, pois a integralidade não existe sem a interdisciplinaridade e esta "só é fecunda no trabalho em equipe onde se forma uma espécie de sujeito coletivo"1216.

Buscar respostas é, também, agir com responsabilidade. Um termo que indica a capacidade individual de assumir antecipadamente pelo que vai fazer, ou seja, ter consciência de todas as conseqüências das suas próprias ações e omissões. É um termo que implica dever perante o frágil e o vulnerável, não como mera consciência passiva, mas como o dever fazer de alguém em resposta ao dever ser13.

 

Interdisciplinaridade: uma ação dialógica para o cuidado multiprofissional

A ação interdisciplinar se estabelece como uma ação dialógica entre disciplinas e não deve ser confundida com a justaposição arbitrária de disciplinas e conteúdos. "É necessária uma atuação crítica à forma fragmentada da produção da vida humana em todas as suas dimensões e, especificamente, na produção e socialização do conhecimento e na construção de novas relações sociais que rompam com a exclusão e alienação"1447.

Pode-se, então, inferir que o exercício interdisciplinar não é apenas um movimento de oposição à situação atual, de esfacelamento do saber científico, gerado a partir da excessiva especialização das disciplinas. mas é, também, um exercício de aquisição de competências, uma prática de inter-relação e interação de disciplinas em busca de um objetivo comum, um processo de ação-reflexão-ação, num ir e vir constante em busca do equilíbrio, do meio-termo15,16. Exige envolvimento e mudança de paradigma para compreensão dos princípios ecológicos da complexidade, que incluem, interdependência, fluxo cíclico de recursos, flexibilidade, diversidade e sustentabilidade17.

A interdisciplinaridade sistematicamente desenvolvida eleva a capacidade de cooperação com os outros e todos ganham. A interdisciplinaridade construtiva ensina e aprecia a tolerância frente às outras teorias, pois outras verdades deverão ser o estímulo para outras criações, para novas possibilidades de ação e de decisão, pois

a interdisciplinaridade, enquanto princípio mediador entre as diferentes disciplinas, não poderá jamais ser elemento de redução a um denominador comum, mas elemento teórico-metodológico da diferença e da criatividade. A interdisciplinaridade é o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão dos seus limites, mas, acima de tudo, é o princípio da diversidade e da criatividade 18:14.

Assim, ao buscar o saber interdisciplinar o desejável não é o equilíbrio pleno entre as diferenças disciplinares, mas a ampliação da capacidade de reorganização dos saberes. Talvez a grande dificuldade, justamente, resida na impossibilidade dos profissionais reorganizarem o seu próprio espaço de atuação e/ou construírem o seu próprio conhecimento devido à organização das estruturas, extremamente rígidas e inflexíveis, nas quais a saúde ainda possui um campo sólido.

As fronteiras disciplinares marcadas pela excessiva organização serviram, de certo modo, para construir divisões institucionais que se transformaram, progressivamente, em redes de interações privilegiadas, quadros de afirmação de identidade intelectual e, por fim, em territórios hegemônicos. Nestes, por sua vez, a organização estimulada pela eliminação dos princípios de desordem a qualquer custo, gerou indivíduos cada vez mais engessados e moldados a partir de uma ordem hegemônica e cartesiana. Vista, sob este enfoque, a organização requer a presença constante da desordem, lembrando que a própria vida é um processo de organização e reorganização a partir da auto-organização. Em outras palavras, o movimento de reorganização é um elemento vital nos espaços institucionais pela capacidade de engendrar um movimento dinâmico, capaz de potencializar o processo de viver humano.

Os territórios hegemônicos predominantes nas relações profissionais, mais especificamente no campo disciplinar da saúde são, entre outros, elementos que asseguram a ordem e a concepção cartesiana herdada do mundo das certezas. A desordem, diferentemente do que intentam, na maioria das vezes, as políticas em saúde, não pode ser negada e/ou afastada das práticas de saúde e nem tampouco das relações/interações entre os profissionais, sob o risco de reduzi-las e/ou enquadrá-las às novas linearidades.

A desordem, em outras palavras, deve ser apreendida como um elemento polarizador e perturbador da ordem, a qual é entendida nesse processo, como um fenômeno simplificador e consagrado tradicionalmente. A ordem pressupõe certo grau de desorganização para desestabilizar as práticas pautadas por um saber tradicional e compreender as limitações/dificuldades do trabalho interdisciplinar. Isto porque a interdisciplinaridade necessita conviver com as forças dialógicas e/ou antagônicas de ordem/desordem, parte/todo e unidade/multiplicidade, para manter e, progressivamente, aumentar a vitalidade dos sistemas e subsistemas institucionalizados. Ordem e desordem são antagonismos que se complementam na auto-organização19. "O processo de ordem/desordem caracteriza, desse modo, a polaridade dinâmica dos sistemas organizacionais numa relação dialógica e ao mesmo tempo una, complementar, concorrente e antagônica"1980.

No entanto, para a ciência desenvolver-se, foi necessária a exclusão do sujeito, com valorização apenas do objeto de pesquisa, através da observação e experimentação. Hoje, o retorno e valorização desse sujeito tornaram-se fundamentais, uma vez que é impossível a dissociação entre este e o objeto de sua investigação, uma relação que deve ser transformada20.

Assim, é preciso outro enfoque para compreender a multiplicidade de relações e interações que se estabelece no campo das práticas de saúde. É necessário entender a complexidade do ser humano e as diferentes disciplinas sob uma nova lógica; abrir novos campos de possibilidades capazes de ir além da lógica tecnológica e científica instituídas.

Vislumbrar uma nova lógica disciplinar com base na integralidade e interdisciplinaridade não consiste apenas em rejuntar as diferenças, em integrar as partes fraturadas e/ou em organizar os espaços intercessores. Significa, em última análise, construir uma nova epistemologia entre o paradigma pautado pelas práticas tradicionais de produzir conhecimento e o paradigma emergente que visa reconstruir e ampliar os limites humanos e profissionais.

Assim, face à revolução intelectual e às mudanças nas relações humanas, sociais e profissionais, a interdisciplinaridade se apresenta como possibilidade de convivência e de superação de uma lógica disciplinar altamente organizada, que passou a ser ordem ocultando a desordem nos diferentes espaços de atuação.

A partir dessa racionalidade: como pensar e definir a singularidade do ser humano e a complementaridade dos diferentes saberes, sem manter a dicotomia e aceitando a idéia de continuidade?

O desafio fundamental ao se adotar uma nova ordem disciplinar, nesse caso a interdisciplinaridade, é tentar restituir, ainda que de maneira parcial, o caráter de complementaridade e de complexidade das práticas de saúde. O sistema de cuidados, nesse sentido, se constitui na complementaridade e diversidade de saberes profissionais que, num todo, ampliam a visão de mundo. Nessa perspectiva, a construção do saber interdisciplinar pressupõe a construção do saber disciplinar que deve ser estimulado por meio de processos dialógicos que levem em conta as polaridades antagônicas de ordem/desordem.

Para viabilizar as discussões, os profissionais de saúde necessitam atuar de forma integrada e interdisciplinar, de modo a intermediarem mutuamente a transformação das práticas da saúde. Sendo assim, é urgente buscar novos saberes e novas práticas, em diferentes áreas do conhecimento, para desmistificar os velhos modelos burocráticos e fortalecer a rede de conexões\interconexões.

Uma prática de saúde interdisciplinar estabelece outro tipo de relacionamento no trabalho e entre profissionais de diferentes categorias, pois os conhecimentos de seus campos disciplinares poderão ser compartilhados democraticamente, como meio de fortalecimento disciplinar, mas, principalmente, para a valorização da saúde/vida daqueles que se colocam sob seus cuidados especializados.

Promover a interdisciplinaridade nas práticas de saúde implica no resgate da dimensão humana das/nas relações de trabalho e a sua permanente problematização. A interdisciplinaridade requer, em suma, a prévia formulação de políticas organizacionais e sociais justas que considerem os seres humanos e seus direitos a partir da lógica da complementaridade. Isso significa valorizar o profissional, favorecendo o desenvolvimento de sua sensibilidade e competência, com mudanças nas práticas profissionais; reconhecer a singularidade dos pacientes, encontrando, junto a eles, estratégias que facilitem a compreensão e o enfrentamento do momento vivido.

A interdisciplinaridade é, portanto, um desafio, uma meta a ser alcançada por todos os envolvidos no sistema de cuidados. Ela requer do profissional uma nova postura ética, de responsabilidade e solidariedade e exige a revisão permanente das suas práticas, para convertê-las em instrumentos de cuidado.

 

Considerações finais

Acreditamos que ao reconhecer os déficits e limitações do cuidado em saúde enquanto sistema seja possível potencializar processos e articulação de conhecimentos, no sentido de superar as carências aí existentes. Desse modo, urge uma revisão do sistema de cuidados em direção a modelos integradores e interdisciplinares que atendam às exigências de uma realidade de saúde sem fragmentação.

O cuidado no sistema de cuidados é, por natureza multidisciplinar dependendo, portanto, da conjugação do saber e do fazer de vários profissionais e de várias categorias. Configura-se, sob essa perspectiva, como o somatório de vários cuidados que se complementam na ação de vários cuidadores. A partir daqui é possível afirmar que não há integralidade do cuidado sem a prática interdisciplinar e sem o trabalho articulado e em rede.

Para o ser humano é vital viver em grupo, em sociedade, a fim de compreender a complexidade da própria existência e a do outro21. Essa condição se manifesta pela necessidade que os seres humanos têm de complementarem-se por meio dos diferentes saberes. O outro é, nessa perspectiva, um complemento indispensável do eu, o que coloca a sociabilidade no próprio cerne da condição humana. Assim, a complementaridade e a complexidade são fenômenos que emergem quando se fala de interdisciplinaridade e integralidade. O mundo real, na sua essência, é totalidade. Ele é feito de interações múltiplas e complexas entre os muitos elementos que o compõem, não conhecendo ou admitindo fronteiras estanques.

Na compreensão sistêmica, se assenta a idéia de rede relacional onde os objetos dão lugar aos sistemas e as unidades simples dão lugar às unidades complexas20.

Ao reconhecer que indivíduos isolados ou mesmo categorias profissionais inteiras, são limitados para dar conta do espectro de demandas apresentadas pelos sujeitos que estão diante de um agravo de saúde, o trabalho interdisciplinar apresenta-se como necessidade fundamental para uma concepção ampliada, tanto do processo saúde/doença, como da condição humana10.

Já que afirmamos que a integralidade e a interdisciplinaridade configuram-se como ferramentas para o cuidado voltado para o sujeito e para a dimensão humana e que esse é enriquecido pelas interconexões entre o todo e as partes, o caráter interdisciplinar e as várias perspectivas para o cuidado devem ser entendidas, reconhecidas e utilizadas na direção de um saber e de um agir mais totalizante. Portanto, a ação do profissional deve ser para além do ato fragmentário e do repetitivo, pois é na ação que se delineia e se circunscreve a essência do humano.

Para reduzir a fragmentação do saber e das práticas em saúde e alcançar o homem-sujeito nas suas várias dimensões, a interdisciplinaridade e a integralidade são instrumentos/ferramentas, que embora ainda incipientes, se constituem na dimensão desejada e buscada em um Sistema de Cuidados em Saúde.

Consideramos a integralidade como uma prática em construção, por isso, não podemos nos furtar ao desafio de estar continuamente criando, re-criando, renovando, organizando e recomeçando. O desafio parece ser o da integração do heterogêneo e dos opostos, onde a interdisciplinaridade e integralidade são como uma ponte que tentamos construir para um cuidado que selecione a dimensão humana como foco da atenção profissional e institucional, tendo como horizonte um novo modo de organização da ação e da práxis em saúde.

As práticas de cuidado em saúde devem emergir do exercício da reflexão e da conscientização dos profissionais em busca de uma nova percepção de mundo, ou seja, a partir de uma nova ótica disciplinar que leve em conta a multidimensionalidade do ser humano.

Assim, se o cuidado em saúde estiver, cada vez mais, pautado em ações interdisciplinares e integrais/integradoras, podemos inferir que, também do ponto de vista ético, torna-se premente a reflexão quanto à responsabilidade dos profissionais envolvidos com o cuidar.

A responsabilidade como novo princípio bioético, amplo e universal, deverá orientar o comportamento humano tanto em direção à produção de conhecimentos quanto para a aplicação desses na prática, de forma responsável, ou seja, orientado para a manutenção das condições necessárias para a existência não apenas das gerações atuais, mas também para as futuras. Isso significa uma preocupação responsável com a qualidade de vida daqueles que se colocam sob os cuidados de profissionais da saúde.

Mas, apesar desse exercício de reflexão, permanece ainda um questionamento: Como introduzir os conceitos de interdisciplinaridade e integralidade no sistema de cuidados e envolver os demais profissionais da saúde neste processo?

 

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