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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.10 n.22 Murcia Apr. 2011

 

ADMINISTRACIÓN - GESTIÓN - CALIDAD

 

Paciente oncológico terminal: sobrecarga do cuidador

Paciente oncológico terminal: sobrecarga del cuidador

Terminally ill cancer patient: caregiver burnout

 

 

Moreira de Souza, R.*; Turrini, R.N.T.**

*Graduando da Escola de Enfermagem da USP.
**Doutora em Enfermagem. Professora da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Brasil.

 

 


RESUMO

Realizou-se um estudo de abordagem qualitativa para identificar os sentimentos vivenciados pelo cuidador do paciente oncológico terminal. O presente artigo enfocará os sentimentos relativos à sobrecarga.
Material e método: Foram entrevistados sete familiares cuidadores de pacientes oncológicos terminais atendidos no ambulatório de um hospital referência em oncologia com posterior análise de conteúdo das entrevistas.
Resultados: Foi possível identificar três categorias de sobrecarga. A categoria sobrecarga física enfocou o esgotamento físico e o cuidar no domicílio; na categoria sobrecarga mental identificaram-se sentimentos de perda da auto-estima, desespero, desanimo, tristeza e solidão; e na categoria sobrecarga social, aspectos do papel feminino, alteração da dinâmica familiar, renda familiar comprometida e acesso ao serviço de saúde.
Conclusões: As transformações no cotidiano familiar e profissional do cuidador podem levá-lo a exaustão física e emocional, com comprometimento social. Os profissionais de saúde devem prever suporte aos cuidadores em seu domicílio, incluindo educação voltada ao cuidado.

Palavras chave: Doente terminal; Oncologia; Cuidadores; Enfermagem.


RESUMEN

Se realizó un estudio de abordaje cualitativo para identificar los sentimientos vivenciados por el cuidador del paciente oncológico terminal. El artículo enfoca los sentimientos relativos a la sobrecarga.
Material y método: Entrevistados siete familiares cuidadores de pacientes oncológicos terminales atendidos en el ambulatorio de un hospital referencia en oncología con análisis de contenido de las entrevistas.
Resultados: Se identificaron tres categorías de sobrecarga: la física enfocó el agotamiento físico y el cuidar en el domicilio; en la mental se identificaron sentimientos de pérdida de autoestima, desesperanza, desánimo, tristeza y soledad; en la social, aspectos del papel femenino, alteración de la dinámica y renta familiar y acceso al servicio de salud.
Conclusiones: Las transformaciones en el cotidiano familiar y profesional del cuidador pueden llevarlo al agotamiento físico y emocional, con comprometimiento social. Los profesionales de salud deben prever soporte a los cuidadores en su domicilio, incluyendo educación dirigida al cuidado.

Palabras clave: Enfermo terminal; Oncología; Cuidadores; Enfermería.


ABSTRACT

A quality study was developed to identify the emotions experienced by caregivers of terminally ill cancer patients. This study focused on the feelings related to their burnout.
Material and methods: Seven family caregivers of patients treated in the ambulatory care centre of an Oncology hospital were interviewed. Content analysis was used to identify reports of burnout among the caregivers.
Results. Three categories of burnout were observed. Physical overload was related to exhaustion and care at home. Mental overload was characterized by feelings of loss of self-esteem, despair, discouragement, sadness and loneliness. An exhaustion related to social aspects was also identified due to the female role, alteration in family functioning, compromised household income and access to the healthcare service.
Conclusions: Family and professional changes in daily lives of caregivers cause physical and mental exhaustion and social compromising. Healthcare workers should offer support to caregivers at home, including education for the one cared.

Key words: Medical Oncology; Terminally ill; Caregivers; Nursing.


 

Introdução

O câncer é uma doença crônico-degenerativa, que vem crescendo entre a população mundial, em decorrência da maior expectativa de vida e da exposição dos indivíduos a produtos potencialmente cancerígenos.

Estatísticas no Brasil apontam o câncer como a segunda maior causa de morte por doença, atrás apenas das mortes por doenças cardiovasculares, sendo mais freqüente a partir dos trinta anos de idade(1). A maioria dos pacientes oncológicos diagnosticados já está na fase avançada da doença e evoluirá para a morte.

Assim como o paciente oncológico terminal, a família do doente também passa por várias transformações e pelo enfrentamento da morte. Essa interação entre o paciente e sua família é uma relação complexa, onde o doente sofre com as alterações da família e a família sofre com as do doente.

De encontro a essas necessidades do paciente e de seus familiares, surgem os cuidados paliativos, definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como cuidados ativos e integrais ao paciente sem possibilidades de cura, visando o controle da dor e dos demais sintomas e que têm como objetivo a qualidade de vida do paciente e de seus familiares (2). O cuidado paliativo pode ser executado em nível domiciliar, o que algumas famílias preferem, devido à maior proximidade com o ente querido. Essa prática pode contar com uma equipe especializada, ou se concentrar em um cuidador, que pode ser um parente ou amigo, denominado cuidador informal. Esse cuidador na maior parte dos casos é escolhido por desejo do paciente, por falta de opção entre os familiares ou por falta de uma equipe especializada (3).

O cuidador abre mão de muitas coisas para estar com o doente, motivado pela busca de cura, mas afetado por desilusões, sofrimentos e carga de trabalho dispensada ao paciente. Essas situações se intensificarão com o avanço da doença.

Com medo de que algo ruim ocorra em sua ausência ou mesmo pela preocupação com a falta de companhia do paciente, o cuidador tende ao isolamento social, restringindo suas atividades e rotinas habituais, tornando-se prisioneiro de seu lar (4).

Geralmente, o cuidador informal não se sente preparado e não tem conhecimento suficiente para desempenhar essa função, o que aumenta a sua exaustão e o leva a deixar de lado suas próprias necessidades de saúde. Por outro lado, aqueles que se sentem mais preparados para essa atividade sofrem menos(5).

Estudo(6) que evidenciou o impacto sobre a saúde física do cuidador, avaliou a ligação entre o cuidar de um paciente terminal e o risco de morte do cuidador por piora no quadro de doenças já existentes. De todos os casos investigados, observou-se maior risco sobre cuidadores com esposos(as) dependentes e que se sentiam sobrecarregados com tarefas administrativas. Essa sobrecarga de diferentes fatores aumentou o risco de morbidade e de mortalidade no cuidador.

A definição de sobrecarga envolve dois aspectos fundamentais: o objetivo e o subjetivo. A sobrecarga objetiva corresponde aos resultados negativos concretos e visíveis do papel do cuidador e a subjetiva se refere às sensações que o cuidar desencadeia, à avaliação pessoal dos familiares sobre a situação (7).

Algumas pesquisas mostram que cuidadores com alto nível de sobrecarga são mais facilmente atingidos pela depressão, com uma freqüência descrita em torno de 30% dos cuidadores observados (8).

Realizou-se uma investigação para identificar os sentimentos vivenciados pelo cuidador do paciente oncológico terminal. Na análise de dados dois temas foram identificados: o processo de morrer e a sobrecarga do cuidador. O presente trabalho tem por objetivo apresentar os resultados relativos à sobrecarga.

 

Material e método

Estudo exploratório de abordagem qualitativa que utilizou uma amostra de conveniência constituída por sete cuidadores de pacientes oncológicos terminais atendidos no ambulatório de um hospital público de ensino de atenção terciária à saúde, que concordaram em participar do estudo. O critério de inclusão era ser cuidador principal do paciente oncológico terminal, que foi definido como aquele com Karnofsky Performance Status (KPS) abaixo de 50. O KPS avalia o grau de deterioração do estado funcional do paciente.

Dos entrevistados, seis eram do sexo feminino, e um do masculino. Quanto ao grau de parentesco: quatro eram filhos, duas eram esposas e um era pai.

Procedimento de coleta: Os dados foram coletados por meio de entrevista não-diretiva por utilizar alguns dispositivos analíticos como atenção flutuante e a regra da livre associação, que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que acodem ao espírito, quer a partir de um elemento dado, quer de forma espontânea (9).

A pergunta norteadora da entrevista foi: "Conte-me como é para você cuidar do seu familiar?" As entrevistas foram gravadas com a anuência do entrevistado e a partir do discurso inicial do entrevistado, o pesquisador estimulou o tema em pauta.

As entrevistas foram realizada em local privativo a fim de garantir-se o sigilo e privacidade. A duração das entrevistas oscilou entre dez e quinze minutos. O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e foi solicitada autorização da instituição de saúde para realização da investigação e utilização do gravador para as entrevistas.

Análise dos Dados: A partir da transcrição fiel das fitas gravadas durante a entrevista realizou-se a análise de conteúdo para identificar os sentimentos vivenciados pelos cuidadores de pacientes oncológicos terminais. Após repetidas leituras do material foi possível identificar dois temas processo de morrer e sobrecarga do cuidador. Neste estudo serão apresentados os resultados relacionados à sobrecarga do cuidador.

Os entrevistados foram identificados na análise do conteúdo por um código que utiliza a letra "S" de sujeito e o número da respectiva entrevista.

 

Resultados e discussão

Na leitura das falas foi possível identificar sentimentos relacionados a três categorias de sobrecarga: física, mental e social. Dado os diferentes aspectos envolvidos em cada uma delas estabeleceram-se subcategorias de análise.

1 Sobrecarga física

Nesta categoria sobressaíram-se o esgotamento físico, decorrente das ações de cuidar, e as dificuldades de cuidar no domicílio.

O esforço contínuo requerido no processo de cuidar, aliado às características demográficas e às responsbilidades sociais e familiares são fatores que culminam com a deterioração física do cuidador(10).

Esgotamento físico. À medida que o paciente se torna dependente pela progressão da doença e debilidade física, o cuidador passa a ter de assumir atividades relativas ao atendimento de suas necessidades fisiológicas como nutrição, higienização e conforto. No início, essas atividades são razoavelmente toleradas, mas após um período de tempo elas sobrecarregam os afazeres diários do cuidador e levam ao desgaste físico.

Nas seguintes falas dos entrevistados, é possível notar a quantidade de tarefas que o cuidador desenvolve para cuidar do paciente no atendimento das suas necessidades fisiológicas básicas, o que denota também o grau de dependência do paciente:

Porque aí, aí tem as trocas de fraldas direto, que temos que trocar direto as fraldas. (S2)

A gente que dá banho, a gente que limpa ele, eu e a minha mãe e a minha irmã, né? Nós três, então a gente que faz tudo pra ele. Barba... tudo o que precisar [... ] é comida, tudo na mão porque ele fica na cama, né?!...(S3)

Nem sempre a situação familiar permite que mais pessoas dividam as tarefas de cuidador. Os dados da literatura evidenciam que o cuidador acaba desenvolvendo múltiplas funções e, muitas vezes, se tornando cuidador único (11).

Na dedicação integral ao paciente, o cuidador tende a abrir mão de suas próprias necessidades fisiológicas e de saúde, se expondo a modos de vida insalubres, como se apresenta:

não durmo de noite cuidando dele [...] qualquer hora que ele se mexe na cama eu tô acordada [...] eu tenho problema de labirintite ... eu tenho sessenta e três anos... não tô dormindo, não tô me alimentando (S7)

A literatura mostra que o cuidador informal não tem horário e períodos regulares de descanso, promovendo um esgotamento físico intenso e só comunica seus próprios problemas de saúde quando se agravam (12).

É comum nas situações de doença na família, o cuidador adiar suas necessidades em saúde por julgar serem menos importantes ou por não conseguir reservar parte de seu tempo para cuidar de si e procurar um atendimento médico. Ainda, o cuidador pode não ter com quem dividir suas tarefas para que possa buscar atendimento médico para resolver seu problema de saúde. Na maioria dos casos, os cuidadores familiares não têm recurso financeiro para contratar serviços especializados ou cuidadores para aliviar a sobrecarga.

A prática profissional mostra elevado número de cuidadores idosos que já não possuem mais a vitalidade para cuidar de indivíduos dependentes, embora do ponto de vista emocional, provavelmente, estejam mais preparados que as pessoas mais jovens.

O idoso é aquele que pode se dedicar ao cuidado por estar fora do mercado de trabalho, mesmo que discutível sua condição física ou financeira para tal. Além disso, há o caso das pessoas que não tem filhos ou foram abandonados por eles. Não raro, em caso de doenças terminais, os familiares se afastam para não lidar com a doença e a morte e as ações de cuidar recaem sobre o cônjuge, embora neste estudo o principal parentesco do cuidador foi ser filha(o).

Cuidado no domicílio. A dificuldade para o cuidado no domícilio poderia ser atribuída a fatores como a complexidade do próprio cuidado, a ausência de uma equipe de apoio para o atendimento no domicílio, ao grau de escolaridade do cuidador e a aspectos culturais sobre o cuidado ministrado e o morrer em casa.

É difícil para o cuidador prover o cuidado no domicílio por não contar com ajuda ou por falta de competência técnica quando o paciente utiliza dispositivos médicos para a manutenção de algumas de suas necessidades fisiológicas básicas.

Muitas vezes, o paciente no estado avançado da doença necessita de dieta enteral e o cuidador precisa aprender a prepará-las, administrá-las e manter a permeabilidade do sistema de infusão da dieta.

Quanto maior a gravidade do paciente, maior a necessidade em cuidado especializado, como visto na frase a seguir:

...temos que lavar o caninho dela, tirar pra desentupir direto, temos que dar inalação, temos que trocar curativo... (S2)

O cuidar especializado precisa ser aprendido, pois esta competência não se adquire no ambiente familiar. A literatura mostra que a falta de conhecimento por parte do cuidador aumenta a sobrecarga, uma vez que o saber fazer exige preparo teórico e prático (13).

As frases a seguir apontam para a necessidade que o cuidador tem de adquirir conhecimento sobre melhores formas de cuidar, porém conciliar todos os seus papéis sociais com as tarefas de cuidador, indisponibiliza tempo para o aprendizado:

De acordo que vai aparecendo as necessidades a gente vai aprendendo... ah... né?!... então a gente vai aprendendo de novo... porque é uma situação nova logo de inicio (S3)

[... ] Apesar de que se eu pegar um livro, e começa a procurar eu vou... mas ultimamente eu ando sem tempo, porque eu tenho bebê, né? (S5)

Por mais que o cuidador se empenhe no cuidado e faça o melhor pelo outro, ele sente que seu esforço é em vão diante da evolução da doença e da finitude da vida. Muitas vezes acredita que não há resultado em seu trabalho, como se evidencia na frase abaixo:

Temos que fazer a comidinha, tem que dar comida seis vezes ao dia a ela, mas não tá adiantando ela tá diminuindo a cada dia que passa...(S2)

Um estudo mostra a necessidade de maior acompanhamento dos cuidadores pela equipe de saúde, pois o cuidado exige um preparo emocional e técnico (13).

Uma das principais e mais desgastantes questões no cuidado domiciliar é o manejo da dor no doente terminal, como já relatado em outro estudo (14). Percebe-se nas falas uma dificuldade do cuidador em atenuar a dor do doente mesmo com a administração de medicamentos.

Nunca é o suficiente, por mais que você tente amenizar a dor que ela tá sentindo, não é o suficiente... acho que é difícil... (S2)

É difícil assim pra mim, porque eu vejo ela com dor, ela chorando, ai cê traz, medica, ai volta e... sei lá... não passa... entendeu?... (S5)

Alguns cuidadores, além de considerarem desgastante o cuidado no domicílio, também expressam que o cuidado ministrado por profissionais habilitados garantiria uma melhor assistência ao paciente, como nas declarações abaixo:

Porque em casa, não que ninguém tenha instruções [...] pra cuidar do meu filho [...] porque ele tem problema de cabeça e é muito difícil cuidar dele em casa [...] o ideal seria um enfermeiro, seria um local apropriado pra ele ficar perto da residência (S6)

O paciente com câncer pode ter outras patologias o que torna a ação do cuidar mais desgastante, principalmente nos casos de comprometimento do estado mental.

Depoimentos colhidos por expertise em pacientes terminais (15) mostram que o doente terminal sente-se melhor no domicílio e devem usufruir do contato familiar na fase terminal de vida. No entanto, nem sempre os familiares compartilham desta percepção.

Na maioria das vezes o que influencia a não internação do paciente é a ausência de leitos hospitalares e o custo desse paciente para os serviços de saúde. É importante a equipe de saúde estar sensibilizada para perceber se a família aceita assistir o paciente em casa ou se tem condições emocionais, físicas, financeiras e até mesmo espaço físico para assumir o cuidado de um paciente terminal no domicílio.

2 Sobrecarga mental

Cuidar de um paciente terminal pode trazer sobrecarga emocional, estresse, medo, exaustão, ansiedade e menor satisfação com a vida.

Na análise das falas fica evidente que muitos aspectos da sobrecarga mental decorrem do desgaste físico. O fato de sentir-se frustrado na obtenção de resultados positivos do cuidar no que concerne à manutenção da vida e do bem estar do paciente terminal mobiliza sentimentos negativos de auto-desvalorização e de impotência.

Perda da auto-estima. A falta de reconhecimento das ações desenvolvidas no ato de cuidar compromete a auto-estima do cuidador, como evidenciado na fala a seguir:

... mas tem dia que eu me sinto que parece que eu não sirvo pra nada, tudo que eu faço ta errado, aí vem um outro qualquer da rua, seja quem for, vem e fala pra ela faz assim aí ela pega e faz [...] e comigo [...] tá tudo errado (S1)

A literatura evidencia que o trabalho do cuidador é comumente pouco reconhecido, de baixo status e até mesmo invisível (12).

O indivíduo se sente desvalorizado, acredita não ser capaz de desenvolver o papel de cuidador e pode não ser capaz de compreender as reações do paciente terminal, principalmente diante do desgaste que sente com a situação.

O paciente terminal vivencia períodos de raiva pela perda de seu papel no núcleo familiar, social ou profissional, por não ter mais controle sobre a satisfação de suas necessidades (16). Esta reação acaba por comprometer a relação com o cuidador que desenvolve sentimentos de auto-desvalorização pelo não reconhecimento de seu trabalho e dedicação.

Desespero. O nível de tensão emocional do cuidador é maior do que na população em geral. Desespero é apontado como um sintoma que acompanha a depressão e que se apresenta em situações de sobrecarga psíquica com aumento da ansiedade do cuidador.(8).

Acompanhar o doente em seu sofrimento gera no cuidador um sentimento de desespero e uma dificuldade em continuar acompanhando o paciente nesse processo de morrer, o que fica evidente nas frases abaixo:

E desespera a gente também ... então tá muito, muuito difícil mesmo[... ] ficar, manter..(S2)

É muito difícil [... ] (voz bastante trêmula e chorosa) tem horas que eu sinto uma dor tão grande... eu sinto aquela angústia [... ] Eu fico no desespero de vê ele daquele jeito... sente muitas dores [...] tá sendo muito difícil pra mim[...] eu tô pior do que ele. (S7)

Vivenciar o sofrimento do paciente pode ser uma tarefa difícil e que requer do cuidador um preparo para esse enfrentamento, nem sempre presente. O cuidador na fase terminal do doente precisa conviver com a situação da dor de difícil controle e o definhamento da pessoa sem que possa interromper esse processo, além da ameaça constante da morte a qualquer instante.

É muuito difícil, muuito difícil,. muuito doloroso. Porque você vê aos poucos ... eles irem embora, né? E não tem ... como fazer pra voltar (voz tremula e chorosa) [...] só Deus ... que faz ... e. (respira fundo enxuga as lágrimas)... é muito sofrimento (pausa) muuito sofrimento(S2)

Pela fala de S2 acima se percebe a tentativa de compreender a razão desse processo pela crença religiosa. Apesar de buscar consolo na religião, as dores da perda e da morte próxima estão presentes a todo o momento, intensificando o sofrimento do cuidador. Embora o sofrimento persista, existem estudos que demonstram um menor desenvolvimento de depressão e sofrimento psicológico em cuidadores religiosos (17).

Faz parte do desenvolvimento espiritual de cada indivíduo compreender a dor do outro, sentir compaixão e conseguir passar por essas experiências sem sentir a dor pelo outro. Isto é importante, pois só assim o cuidador terá forças para levar adiante a missão tão difícil de assistir o outro a morrer e permitir que o paciente se sinta à vontade em falar sobre a morte.

Desanimo e Tristeza. Os dados da literatura também apontam o desânimo e a tristeza como manifestações decorrentes da depressão (8).

O desânimo e tristeza permeiam o cotidiano do cuidador:

Aí depois passa e vem novo dia, às vezes a gente tá desanimada(S3)

Eu ando muito triste... (S7)

Alguns estudos mostram que a sobrecarga advinda dos cuidados, associada a fatores como a visão negativa do cuidador sobre a doença, a ausência de uma rede de suporte social e a relação difícil com o paciente, aumentam consideravelmente os sentimentos de desanimo e tristeza. Esses fatores desenvolvem no cuidador uma menor satisfação com a vida (18).

A expressão da tristeza pode ter duas fontes: uma no enfrentamento da finitude da vida e outra na perda de "sua própria vida". Na maioria das vezes as ações de cuidar ocupam todo o tempo do indivíduo que não tem mais um momento para cuidar de si e escutar suas próprias necessidades sejam físicas, afetivas, familiares ou sociais.

Solidão. Mergulhado nas tarefas do cuidado, geralmente em período integral, o cuidador pode se isolar do relacionamento com outras pessoas, não tendo com quem conversar e dividir seu sofrimento.

Eu não tenho com quem desabafar (choro intenso). (S7)

Dados da literatura demonstram que o cuidador se isola socialmente, e por essa postura sofre com a solidão no dia a dia (4).

O cuidador pode se sentir na obrigação de conter suas emoções, por acreditar que o paciente sentir-se-á ainda pior se perceber seu sofrimento e sua sobrecarga, como se percebe na fala a seguir:

Aí você também não pode ficar chorando perto da pessoa, porque ai ela né? A pessoa já não tá legal, se você não se segurar... às vezes você tá vendo que ela tá ruim, não tá se agüentando, se você desabar junto com a pessoa... eu acho que piora mais, né?(S5)

Sem demonstrar suas emoções e longe do convívio social, o sentimento de solidão se torna cada vez mais presente, e pode se manifestar sob a forma de raiva e impaciência no cuidado.

3 Sobrecarga social

Papel feminino. Com relação ao cuidado, a mulher pode sentir-se pressionada a assumir o papel de cuidadora, e pode ser vista como responsável por esses cuidados, devido às construções sociais de gênero. A frase a seguir ilustra essa visão:

Mas é difícil cuida, viu?... A cobrança é muuito grande muuito grande... não tanto dela... da família... Porque é só eu de mulher o resto são tudo homem, aí todos são já casados, então só sobra pra mim...(S1)

A literatura também cita que algumas mulheres tomam para si a atividade de cuidadora por julgarem ser tarefa feminina (19).

Socialmente, cabe a mulher solteira assumir os cuidados dos familiares no caso de doença por se pressupor que tenha maior disponibilidade. Por não haver outro cuidador ou alternativa para o cuidado do paciente terminal, o indivíduo permanece nessa função por obrigação e com sofrimento por agir contra sua vontade.

[... ] faz porque tem que fazer, porque a gente, a gente tem que fazer... porque não tem outra alternativa...(voz bastante tremula e olhos lacrimejantes) (S2)

Estabelece-se assim um conflito interno entre a necessidade de cuidar por questões sociais/éticas/familiares e a aversão pelo cuidado ou o enfrentamento da morte.

Alteração da dinâmica familiar. Independente da gravidade, a presença de um doente em casa sempre altera a dinâmica familiar. Os efeitos serão mais sentidos quanto menor a condição sócio-econômica do cuidador e maior a dependência do doente. Na melhor das hipóteses, a família é capaz de se unir nesse momento, estabelecer rotinas para o rodízio das atividades e servir de suporte ao cuidador.

De acordo com a literatura, enquanto a doença avança, as relações familiares se alteram e complicam-se as rotinas cotidianas(12).

Para estar com o doente, o cuidador deixa sua própria família e faz acordo com os outros familiares para desempenhar sua função, como nas frases abaixo:

Aí uma cuida num dia, aí a outra vai e cuida no outro, quando uma precisa sair a outra fica... agora eu vim pra cá e deixei meus dois filhas com a outra minha irmã, a outra tá trabalhando (S2)

Eu me dediquei muito durante o ano passado é [...] quase que abandonei o meu lar(S4)

Não raro, o abandono do lar e da vida privada desestruturam a família do cuidador. Com a morte do paciente, ele se depara com a perda e com a necessidade de recuperar o seu lar e os laços familiares que se fragilizaram.

Renda familiar comprometida. Podem haver conflitos do cuidador com o seu trabalho, que muitas vezes se vê obrigado a faltar ao serviço ou até mesmo a abandonar o emprego (20).

Por mais que o cuidador consiga organizar sua dinâmica familiar, nem sempre a mesma compreensão ocorre no ambiente de trabalho formal do cuidador, principalmente quando o cuidador precisa se ausentar do serviço para acompanhar o paciente nas consultas e tratamentos ambulatoriais, conforme evidenciado na frase abaixo:

porque... o emprego não quer saber... né? se você fica faltando... porque são dois dias... então quer dizer você perde, porque agente tem que vir pra cá, aqui é meio demorado, não é verdade? (S5)

Outras vezes, o absenteísmo por motivos de doença na família não é aceito pelo empregador e o cuidador perde seu emprego comprometendo ainda mais o orçamento familiar, como percebido na fala:

Então já perdi até o meu emprego por causa disso... (trazer o doente para a consulta) então é muito complexo...(S6)

A dificuldade financeira é um agravante do estresse do cuidador e da família. Os cuidadores com baixa renda e de pacientes com elevado grau de dependência são os mais afetados. Esta situação afeta a obtenção de medicamentos e a compra de alimentos para o paciente e sua família, como observado nas falas:

Tá muito difícil. Difícil mesmo. (Voz tremula e chorosa) Eu até... dô graças a Deus quando ele tá internado, porque aqui ele tem alimentação. [...] Ah! o difícil é... problema de... de comprar remédio pra ele... é dá alimentação... que eu não tenho... não tenho como... o mais difícil pra mim é isso...(S7)

A condição sócio-econômica do paciente e de sua família se contrapõe à tentativa de estimular a família a manter o doente terminal no domicílio com a justificativa de que teria uma melhor qualidade de vida e se sentiria acolhido pelos familiares nesse momento de despedida. O que se percebe nas falas dos cuidadores é que esse momento pode ser de muita angústia pela dificuldade de garantir a subsistência do doente e da própria família.

Acesso ao serviço de saúde. As dificuldades de acesso ao serviço de saúde, como distância e meio de transporte, podem colaborar para um desgaste ainda maior do cuidador, fato evidenciado pelas seguintes frases:

Me tirava completamente da rotina nossa do dia a dia, porque eu o acompanhava, levantava diariamente às quatro e meia da manhã(S4)

Eu tive que pedir pro vizinho trazer [...] Tá difícil ela não agüenta, enquanto ela tava agüentando a gente vinha de ônibus [...] Então quer dizer eu fico sempre na dependência... de ta correndo atrás de alguém que possa ta trazendo ela aqui(S5)

A maior parte da população atendida no hospital onde se realizou o estudo tem baixo poder aquisitivo, mora distante, e não raro depende de mais de uma condução para chegar ao serviço de saúde.

Apontam-se como limitações desse estudo, o fato do cuidador no momento da realização da entrevista não estar totalmente tranqüilo, uma vez que as entrevistas não foram marcadas com antecedência e a maioria deles estava preocupada com a chamada para a consulta. Os dados obtidos nesse trabalho representam a população atendida no hospital de estudo, não podendo ser generalizados para toda a população, uma vez que alguns achados, principalmente os relacionados à sobrecarga social, podem variar de acordo com o nível sócio-econômico dos entrevistados.

 

Conclusões

O estudo permitiu identificar diferentes sentimentos do cuidador do paciente oncológico terminal, referentes à sobrecarga e ficou evidente que as transformações no cotidiano familiar e profissional do cuidador podem levar o indivíduo à exaustão física e emocional, com repercussões para o seu estado de saúde.

Fatores como a falta de preparo para o cuidado e a ausência de suporte familiar e profissional sobrecarregam o cuidador. Uma especial atenção da equipe multiprofissional na avaliação das condições da família para o cuidado do paciente terminal no domicílio e um treinamento dos cuidadores para poderem assumir determinados cuidados de baixa complexidade que requerem conhecimento técnico de enfermagem são intervenções necessárias para a assistência domiciliar do paciente terminal.

O apoio da equipe de saúde permitirá ao cuidador sentir-se acolhido para expressar seus sentimentos e angústias e possibilitará que continue a exercer seu papel com o menor sofrimento possível até a morte do paciente.

 

Referências

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