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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.12 n.29 Murcia Jan. 2013

 

REVISIONES

 

Revisão da produção teórica latino-americana sobre cargas de trabalho

Revisión de la producción teórica latinoamericana sobre cargas de trabajo

Review of the latinoamerican theory production about work responsibility

 

 

Trindade, Leticia de Lima*; Coelho Amestoy, Simone**; Pires de Pires, Denise Elvira***

*Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Membro do Grupo Práxis da UFSC. E-mail: letrindade@hotmail.com
**Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC. Docente da Universidade Federal de Pelotas. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação em Enfermagem-EDEN da UFSC.
*** Enfermeira. Doutora em Ciências Sociais/UNICAMP. Professora do Programa de Pós-Graduação e Departamento de Enfermagem da UFSC. Membro do Grupo Práxis da UFSC. Pesquisadora CNPq. Brasil.

 

 


RESUMO

O objetivo desse estudo foi conhecer a produção latino-americana sobre cargas de trabalho, buscando identificar os principais marcos conceituais/teorias utilizadas nas publicações sobre carga de trabalho. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, na qual se incluiu trabalhos na forma de artigos, teses ou dissertações, indexados na base de dados LILACS nos últimos cinco anos em português, inglês ou espanhol. Os resultados evidenciaram que dos 35 trabalhos encontrados, grande parte não adotou referencial para carga de trabalho. Entre os estudos quantitativos houve o predomínio do uso do Nursing Activities Score e entre os qualitativos o referencial de Laurell e Noriega para carga de trabalho. Utilizou-se ainda, os referencias do estresse, de acidentes de trabalho, da ergonomia e da psicopatologia do trabalho. Verifica-se que a categoria cargas de trabalho é significativa da produção do conhecimento, bem como a diversidade de áreas interessadas no tema, no entanto é utilizada com múltiplos significados.

Palavras chave: carga de trabalho; trabalho; ambiente de trabalho.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue conocer la producción de América Latina sobre las cargas de trabajo, tratando de identificar los marcos conceptuales clave y las teorías utilizadas en las publicaciones acerca de la carga de trabajo. Se trata de una revisión integradora de la literatura, que incluía trabajos en forma de artículos, tesis o disertaciones, indexadas en la base de datos LILACS en los últimos cinco años en portugués, inglés o español. Los resultados mostraron que los 35 estudios, que en gran medida se hace ninguna referencia a la carga de trabajo. Entre los estudios cuantitativos fue el predominio del uso de la puntuación de las actividades de enfermería y de calidad entre el referencial y Noriega Laurell la carga de trabajo. Se utilizaron también, las referencias de estrés, de accidentes de trabajo, de ergonomía y de psicopatología de trabajo. Se verifica que la categoría cargas de trabajo es significativa de la producción, así como la diversidad de áreas interesadas en el tema, sin embargo se utiliza con múltiples significados.

Palabras clave: carga de trabajo; trabajo; ambiente de trabajo.


ABSTRACT

The aim of this study was to know the production of Latino America about the work responsibility, trying to identify the key conceptual frames and the theories used in the publications about the work responsibility. This is an integrative review of the literature which included works in the format of articles, thesis or disserations, indexed in the databases LILACS during the last five years in Portuguese, English or Spanish. The results showed that the 35 studies made no reference to the work responsability to a large extent. Between the quantitative studies the work responsibility was the predominance of the use of puntuation of the nursing activities and of quality among the referential and Noriega Laurell. The references of stress, industrial accidents, ergonometris and phsycho-pathology at work were also used as much as the diversity of areas interested in the topic, however it is used with multiple meanings.

Key words: work resoponsibility; work and work environment.


 

Introdução

Apesar do debate acerca do vigor da categoria trabalho para a análise da sociedade atual(1-2) o âmbito da produção e reprodução da vida material continua tendo importância significativa e influenciando a esfera pública e privada do viver humano(3-4). O trabalho envolve grande tempo da vida das pessoas, mas as formas e relações de trabalho não resultam de determinismos econômico ou tecnológico. Elas são influenciadas pelas ações dos sujeitos, no entanto, os cenários concretos delimitam campos de possibilidades nos quais as ações coletivas ocorrem(5).

Neste sentido, considerando-se a importância que a dimensão trabalho ocupa na vida das pessoas, os estudos da área de saúde do trabalhador buscam identificar as relações entre trabalho e saúde. Nestes estudos identifica-se a utilização da expressão cargas de trabalho, algumas vezes sem uma definição clara do seu significado. Esta categoria tem sido empregada para referir-se ao conjunto de esforços desenvolvidos pelos trabalhadores para atender as exigências das tarefas, abrangendo os esforços físicos, cognitivos e os emocionais(6) e, algumas vezes está definida como os elementos do processo de trabalho que interagem dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador manifestando-se como desgastes físicos e psíquicos(7).

No que diz respeito ao setor saúde, dentre os principais fatores que promovem bem-estar ou sofrimento do trabalhador estão as formas de enfrentamento usadas pelos indivíduos frente às situações adversas e inesperadas; o relacionamento interpessoal com os usuários e familiares e com os demais membros da equipe multiprofissional; as condições sócio-econômicas; as condições de trabalho; as formas de organização e gestão do trabalho e as maneiras de cada sujeito vivenciar os conflitos(8). O ambiente de trabalho pode ser fonte de desgaste mas pode, também, ser gerador de satisfação contribuindo a produção da saúde(9).

A dimensão da vida no trabalho, associada às vivências das relações estabelecidas nos espaços públicos e privados, levam o trabalhador a desenvolver mecanismos de defesa ou de enfrentamento para suportar as cargas a que estão submetidos, o que se pode resultar no agir mecanizado e na desvalorização do cuidado de si, com conseqüências para a sua saúde.

As cargas de trabalho, ao longo dos anos, alteram a saúde dos trabalhadores, dificultam o relacionamento dentro da equipe de trabalho, reduzem a produtividade e causam adoecimento físico e mental, necessitando, portanto, serem identificadas, prevenidas e/ou enfrentadas precocemente(10). O levantamento das condições dos ambientes de trabalho, com identificação das cargas constitui-se em um importante instrumento para que os trabalhadores possam construir e/ou reivindicar melhores condições laborais e no ambiente físico, bem como buscar a prevenção do adoecimento decorrente do trabalho.

A análise das cargas revela a diferenciação dos aspectos do processo de trabalho que têm potencialidade de interferir na dinâmica física e psíquica do trabalhador, destacando-se as características dos objetos de trabalho, as tecnologias e instrumentos utilizados, e as formas de organização, divisão e gestão do trabalho(4-5). As cargas de trabalho podem ser classificadas como: físicas, químicas, orgânicas, mecânicas, fisiológicas e psíquicas(6).

As cargas físicas são derivadas, principalmente, das exigências técnicas para a transformação do objeto de trabalho e caracterizam um determinado ambiente de trabalho, que interage cotidianamente com o trabalhador. As cargas químicas derivam principalmente do objeto de trabalho e dos meios auxiliares envolvidos em sua transformação, interferem no ambiente de trabalho e na sua interação cotidiana com o trabalhador, neste grupo encontram-se todas as substâncias químicas presentes como pós/poeiras, fumaças, gases, vapores, pastas ou líquidos.

Ainda, são derivadas do objeto de trabalho e das condições de higiene ambiental as cargas orgânicas, as quais incluem qualquer organismo animal ou vegetal, que possa ocasionar danos à saúde do trabalhador. Já as cargas mecânicas são derivadas, principalmente, da tecnologia do trabalho, da operação ou manutenção das máquinas e equipamentos, dos materiais soltos no ambiente, do próprio objeto de trabalho, e também das condições de instalação e manutenção dos meios de produção.

Restam as cargas fisiológicas e psíquicas. As primeiras são oriundas das diversas maneiras de realizar a atividade ocupacional e são constituídas por elementos como esforço físico ou visual, deslocamentos e movimentos exigidos pelas tarefas, espaço de trabalho disponível, posições assumidas em sua execução, horas extras ou intensificação do trabalho, jornadas prolongadas, noturnas e rotativas. Por fim, as cargas psíquicas estão constituídas por elementos que acima de tudo são fonte de estresse e desgaste psíquico.

Pode-se considerar que estas cargas se relacionam com todos os elementos do processo de trabalho, o qual ocorre em cenários histórico-sociais, podendo haver predominância de um ou mais elementos de acordo com especificidades dos sujeitos e das diferentes atividades, assim como das diversas formas de gestão dos coletivos de trabalho.

Resgata-se que as cargas de trabalho estão presentes no processo de trabalho, são dinâmicas e interagem potencializando-se e levando ao desgaste do indivíduo. Podem atingir um único trabalhador, parte do grupo de trabalho ou toda a coletividade do universo laboral.

O entendimento de cargas de trabalho acima apresentado filia-se a um determinado referencial teórico, o de Laurell e Noriega(6) e esta expressão tem sido usada na literatura do campo da saúde do trabalhador, no entanto cabe questionar qual(is) referencial(is) teórico(s) ou conceitual(is) tem sido utilizados nas produções bibliográficas latino-americanas sobre cargas de trabalho?

Neste sentido a presente pesquisa objetivou identificar os marcos conceituais e/ou teorias sobre cargas de trabalho utilizadas nas publicações indexadas na base de Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde (LILACS) nos últimos cinco anos. Esta revisão bibliográfica contribui para a identificação de identidades, fragilidades e vigor da categoria "cargas de trabalho" para estudos da área de saúde do trabalhador.

 

Metodologia

Para a realização desse estudo utilizou-se a revisão integrativa, a qual se caracteriza por resgatar e sumarizar pesquisas anteriores permitindo conclusões que articulam os resultados obtidos em diferentes estudos. A descrição dos procedimentos metodológicos utilizados para a obtenção dos dados possibilita aumentar a confiabilidade e profundidade das conclusões(11). Realizou-se uma pesquisa integrativa da produção latino-americana, referente às cargas de trabalho com o propósito de sumarizar os estudos que abordam o assunto, com ênfase na identificação do marco conceitual e/ou conceitos utilizados nas produções, com vistas a identificar os conceitos utilizados para cargas de trabalho.

Para esta pesquisa, inspirada em Beyaes e Nicoll(12), procedeu-se as seguintes etapas: seleção do tema e das palavras-chave; definição das bases de dados para busca; estabelecimento dos critérios para seleção da amostra; identificação do panorama geral do resultado da busca; construção de um formulário para registro dos dados coletados; análise dos dados; e interpretação dos resultados.

O levantamento bibliográfico foi realizado por meio de consulta à base de dados "Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde (LILACS)", limitando-se as publicações dos últimos cinco anos (março de 2004 a março de 2008). A busca do material ocorreu durante os meses de maio a julho de 2009, considerando, o descritor workload/carga de trabalho/ carga de trabajo, sendo que para a constituição da amostra foram selecionados os trabalhos que atenderam aos seguintes critérios: textos na forma de artigos, teses ou dissertações disponíveis na íntegra que abordam, direta ou indiretamente, a temática "carga de trabalho"; nos idiomas português, inglês ou espanhol, publicados nos últimos cinco anos.

Para o processo de seleção utilizou-se um formulário de análise individual dos estudos contendo: título, autores, fonte da publicação, finalidade/objetivo do estudo, conceito e/ou base teórica utilizada para cargas de trabalho, tipo de pesquisa, análise dos dados, resultados/discussões e conclusões. A partir disso, realizou-se a leitura de todos os trabalhos capturados na íntegra, posteriormente os achados foram sistematizados e categorizados conforme o marco conceitual empregado no estudo.

 

A produção latinoamericana sobre cargas de trabalho

Considerando-se a consulta ao LILACS utilizando-se o descritor workload/carga de trabajo/carga de trabalho foram capturadas 107 publicações, após seleção dos trabalhos, conforme o período estabelecido selecionou-se 42 trabalhos.

Dessa forma, o critério de exclusão mais significativo (60,75% dos casos) foi estar fora do período predeterminado para o estudo (2004 a 2008). A partir da aplicação desse critério, restaram 42 trabalhos, com os demais critérios foram excluídos sete trabalhos, totalizando 35 publicações, todas no formato de artigos.

Analisando os 35 artigos selecionados, visualiza-se um maior número de produções no ano de 2007, no qual estavam indexados na base LILACS 15 artigos (42,85%), em seguida no ano de 2006 com dez artigos (28, 57%), em 2008 apenas seis artigos (17,14%) e em 2005 encontrou-se quatro artigos (11,42%). Observou-se que no ano de 2004 não foram indexados trabalhos nessa base utilizando o descritor de interesse.

A maioria das publicações (54,28%) é oriunda do Estado de São Paulo e 25,71% são do Estado do Rio de Janeiro. Os demais foram dos Estados do Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul e de países como Estados Unidos e Chile. Estes dados são condizentes com a distribuição das Universidades no Brasil, tendo em vista que a região Sudeste abrange mais da metade (59%) das instituições de ensino superior no Brasil, seguida pela região Sul (13%), Nordeste (13%), Centro-oeste (11%) e Norte (4%), respectivamente, o que em parte justifica esse achado(13).

Quanto aos periódicos utilizados para publicação a maioria (17 publicações-48,57%) foi construída por pesquisadores da área de enfermagem, a área da medicina publicou sete artigos (20%), a psicologia indexou cinco trabalhos (14,28%) e dois da área de economia (5,71%). Já as áreas de administração, saúde coletiva, odontologia e nutrição publicaram um artigo cada. Verifica-se que há uma significativa diversidade de áreas interessadas nos estudos sobre as cargas de trabalho.

No que se refere ao tipo de estudo, a grande maioria (74, 28%, ou seja, 26 artigos) dos trabalhos foram resultado de pesquisa de campo. Quanto à abordagem, dez trabalhos não definiram o delineamento adotado, porém 57,14% (20 artigos) das publicações seguiram a abordagem quantitativa, e apenas 14, 28% (cinco artigos) dos trabalhos adotou o delineamento das pesquisas qualitativas. Nenhum estudo associou as abordagens qualitativas e quantitativas. Percebe-se com esse resultado um maior interesse de associar abordagem quantitativa aos estudos sobre cargas de trabalho. Em relação à metodologia 12 (34,28%) são do tipo descritivo, seis estudos transversais e seis estudos reflexivos. Ainda, quatro deles são estudos de caso e um observacional. Na análise da metodologia utilizada, seis trabalhos não permitiram a clara definição do desenho metodológico.

As técnicas de coletas de dados foram diversificadas, incluindo grupo focal, observação, entrevista, formulário, instrumentos internacionais, revisão bibliográfica e associação de técnicas, havendo o predomínio de técnicas quantitativas.

Analisando os sujeitos de pesquisa por categoria profissional visualizou-se a multiplicidade de sujeitos envolvidos nos estudos. A maioria contou com a participação de profissionais de saúde, com predomínio de enfermeiros. Entre as pesquisas de campo, a maioria foi realizada com enfermeiros (17, 14%), entretanto foram encontradas quatro pesquisas envolvendo a equipe multiprofissional de saúde, três realizadas com médicos, e outras que envolveram motoboys, policiais, trabalhadores responsáveis por serviços gerais, gerentes de serviço, caminhoneiros, funcionários de supermercado e professores do ensino fundamental. A diversidade de sujeitos pesquisados revela que as cargas de trabalho estão presentes nos diferentes ambientes laborais, por isso são interessantes pesquisas abordando-as nos mais diversos universos de trabalho.

Observou-se que as pesquisas foram realizadas, predominantemente, em hospitais (57,14%), entretanto também foram realizados trabalhos em canaviais e escolas. O restante dos trabalhos não definiu o local de estudo. Com isso, percebe-se grande interesse dos pesquisadores em desenvolver as pesquisas no ambiente hospitalar.

Salienta-se que, historicamente, os hospitais são considerados sistemas complexos, constituídos por diversos setores e profissões, tornando-se instituições formadas por trabalhadores expostos a situações emocionalmente intensas, tais como: vida, doença e morte, o que pode desencadear ansiedade, tensão física e mental. Acreditase que esse aspecto contribui para a realização de estudos sobre cargas de trabalho, a fim de proporcionar estratégias capazes de amenizar tal situação.

Quanto aos objetivos propostos pode-se notar que apenas 25,71% dos trabalhos apresentam um ou mais objetivos, diretamente relacionados às cargas de trabalho (avaliá-las, mensurá-las, compará-las ou identificá-las).

 

O referencial teórico/conceitual para carga de trabalho

No que diz respeito ao referencial teórico/conceitual adotado para carga de trabalho nos 35 artigos selecionados verificou-se que a maioria dos estudos (40%-19 artigos) não explicita nenhum referencial. Dos que definiram o referencial observou-se que os estudos quantitativos utilizaram o Nursing Activities Score (NAS) para carga de trabalho (seis trabalhos-17,14%) e os qualitativos o referencial de Laurell e Noriega (cinco trabalhos-14,28%). Ainda foram utilizados os referenciais de estresse (11,42%), da ergonomia (11,42%), de acidentes de trabalho (2,85%) e da psicopatologia do trabalho (2,85%).

O NAS é um instrumento para mensuração do tempo consumido pela equipe profissional no cuidado ao paciente em diferentes serviços de saúde. Foi ajustado do Therapeutic Intervention Scoring System-28 (TISS-28), utilizando para determinar as necessidades de contingente de força de trabalho para as atividades assistenciais mais significativas na geração de carga de trabalho nos profissionais de Enfermagem. A pontuação do NAS representa o cálculo da porcentagem do tempo de assistência dedicado para a execução das atividades de cuidado no período de 24 horas. O instrumento inclui, além das intervenções terapêuticas, os procedimentos de higiene, mobilização e posicionamento, suporte e cuidados aos familiares e pacientes, além de tarefas administrativas e gerenciais(14-15). Dessa forma, o instrumento quantitativo é usado em estudos com o pessoal de enfermagem e leva em consideração a carga de trabalho existente nas unidades de internação que, por sua vez, relaciona-se às necessidades de assistência dos pacientes, bem como, do padrão de cuidado pretendido(16).

Defende-se que os estudos orientados pelo NAS não possuem um referencial teórico para cargas de trabalho. No uso desta metodologia para cálculo da força de trabalho, a expressão "carga de trabalho" é utilizada no sentido de demandas de trabalho, de análise do conteúdo das diferentes atividades de trabalho.

Já os estudos que utilizaram o referencial de Laurell e Noriega buscaram analisar as cargas de trabalho considerando a organização do trabalho e as múltiplas dimensões da relação do trabalhador com o seu trabalho. Este referencial procura identificar as exigências postas aos profissionais pelo processo de trabalho, levando em conta os modos como os próprios trabalhadores as vivenciam, valoriza a relação saúde-adoecimento como processo social, uma vez que o nexo biopsíquico é a expressão de determinado processo sócio-histórico que se concretiza na corporeidade humana(6).

Diante disso, o trabalho é tomado como elemento-chave na compreensão dos determinantes da saúde do trabalhador. Por outro lado, como um referencial, eminentemente, qualitativo possui as fragilidades dos referenciais dessa natureza, principalmente nos estudos que procuram mensurar as cargas de trabalho. O maior contingente de pesquisas de abordagem quantitativa, em parte justifica a menor escolha pelo referencial de cargas de trabalho de Laurell e Noriega.

O construto do estresse considera as variáveis do ambiente laboral que favorecem o aparecimento de reações ao estresse profissional, as quais têm conseqüências tanto para saúde física quanto psíquica do trabalhador. Este demanda respostas do organismo humano às situações de tensão, as quais são mediadas pelas características individuais, requerendo mecanismos de enfrentamento(17). Conforme o referencial do estresse, os trabalhadores são capazes de elaborar mecanismos individuais e/ou coletivos de enfrentamento e parte da compreensão de que os sujeitos não estão passivos em relação à organização do trabalho, por serem capazes de elaborar defesas, com o intuito de evitar ou superar o sofrimento decorrente do universo laboral(18). Autores informam a existência de várias pesquisas descrevendo a complexidade do tema, a necessidade de outros estudos sobre a etiologia do mesmo e múltiplas formas de abordar o tema(19).

Observa-se que as pesquisas enfocando o acidente no trabalho, predominantemente preocupam-se com a relação entre atividade e risco de dano/adoecimento/morte. Este referencial é amplamente utilizado nas pesquisas produzidas na área de saúde e desenvolvidas em ambientes hospitalares e na indústria. A maioria das pesquisas utiliza o referencial de Laurell e Noriega porque o mesmo possibilita compreender melhor a interação múltipla e dinâmica entre o objeto de trabalho, a tecnologia, a tarefa realizada e o corpo do trabalhador resultando em maior ou menor carga de trabalho.

A aplicação da Ergonomia em pesquisas é recente, e somente se pode falar de "ergonomia aplicada ao trabalho" a partir dos anos de 1950(20). Constitui-se em uma abordagem do trabalho humano e de suas interações no contexto social e tecnológico que busca mostrar a complexidade da situação de trabalho e a multiplicidade de fatores que a compõe. Esse referencial é definido como um conjunto de ciência e tecnologias que procura a adaptação confortável e produtiva entre o ser humano e seu trabalho, basicamente procurando adaptar as condições de trabalho às características do ser humano. Para alguns autores, esse referencial se destaca pelas contribuições para a melhoria das condições laborais. Contudo, para outros autores(21) a Ergonomia possui um caráter exageradamente reducionista e conservador por não questionar a natureza do processo capitalista de produção e por apoiar-se em normas e prescrições fundamentadas em conhecimentos de natureza experimental, que ignoram a atividade de construção inerente a toda situação real de trabalho.

Por fim, o referencial da psicopatologia do trabalho de Dejours(22) valoriza a organização do trabalho e sua ação especifica sobre os seres humanos, cujo impacto se faz sentir na esfera psíquica do trabalhador. Dejours utiliza a carga psíquica para melhor compreensão da relação entre homem e trabalho. Esse autor defende que o trabalho torna-se perigoso e fonte de sofrimento quando se opõe à livre atividade do trabalhador e à descarga de energia pulsional acumulada.

A psicopatologia do trabalho revela que em certas condições, o resultado da relação do homem com o trabalho é o sofrimento decorrente do choque entre a personalidade do indivíduo e o seu projeto individual com a prescrição imposta pela organização do trabalho, a qual não considera a subjetividade do trabalhador. Por outro lado, se a relação do indivíduo com a organização das atividades é favorável, o trabalho também pode ser fonte de prazer e satisfação. Verificou-se a associação deste referencial ao de Laurell e Noriega em dois trabalhos.

Percebe-se com o estudo que há uma relevante produção do conhecimento sobre cargas de trabalho, entretanto que os referenciais apresentam fragilidades e não dialogam sobre as convergências e divergências apresentadas.

 

Considerações finais

A análise dos dados mostrou o interesse de várias áreas do conhecimento acerca das cargas de trabalho e que o estudo das mesmas permite o uso de diversas técnicas de coleta de dados, abordagens metodológicas, assim como é útil para estudos realizados em diversos cenários da produção e com múltiplos sujeitos.

Evidencia-se que a maioria dos estudos não adotou nenhum referencial para carga de trabalho. Entretanto, grande parte dos estudos quantitativos utilizou o NAS, contudo esse não se apresenta como referencial teórico e sim metodológico. Já as pesquisas qualitativas associaram-se a Laurell e Noriega, autores que enfocam os aspectos qualitativos da relação indivíduo e trabalho. Utilizou-se ainda, os referencias do estresse, de acidentes de trabalho, da ergonomia e da psicopatologia do trabalho.

Conclui-se que na maioria das publicações latino-americanas no período não está explicitado nenhum referencial para a expressão cargas de trabalho. Nos estudos que definiram um referencial verificou-se que pode haver associação entre eles sem constituir-se em divergência ou inconsistência, contribuindo para melhor interpretação da expressão "cargas de trabalho".

Destaca-se que investigações sobre cargas de trabalho merecem aprofundamento acerca dos referenciais teórico-conceituais, tendo em vista que a expressão é utilizada com diferentes entendimentos, aplica-se a estudos em diferentes realidades laborais, sendo útil para compreender e analisar a relação entre saúde e trabalho.

 

Referências

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