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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.14 no.38 Murcia abr. 2015

 

CLÍNICA

 

Uso da Membrana de Oxigenação Extracorpórea em urna Paciente Pós-Transplante Pulmonar: Cuidados de Enfermagem

Uso de la membrana de oxigenación extracorpórea en una paciente con trasplante pulmonar: Cuidados de Enfermería

Use of Extracorporeal Membrane Oxygenation in a Post-Lung Transplant Patient: Nursing Care

 

 

De Oliveira, Larissa Bertacchini*; Neves, Ana Lucia Domingues*; Jardim, Jaquelline Maria*; Mendes, Priscilla de Brito Nunes*; Naves, Sara Crivelari*; Bruno, Tatiana Cristina*; Püschel, Vilanice Alves de Araújo**; Rodrigues, Adriano Rogério Baldacin***; Lima, Zilda dos Santos*

*Enfermeira do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. E-mail: larabeta@usp.br
**Professora Associada do Departamento de Enfermagem na Saúde do Adulto da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
***Enfermeiro Chefe no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Brasil.

 

 


RESUMO

Trata-se de um relato de experiência de caso inédito no Brasil sobre a sistematização da assistência da Enfermagem aplicada a uma paciente em assistência circulatória mecânica com membrana de oxigenação extracorpórea no pós-operatório de transplante pulmonar. Foram estabelecidos 18 diagnósticos de Enfermagem e as 94 condutas implementadas envolveram: cuidados com o circuito da assistência, monitorização hemodinâmica e controle de exames laboratoriais. Os principais resultados esperados foram que a paciente apresentasse: troca gasosa melhorada, manutenção da estabilidade hemodinâmica e ausência dos efeitos adversos relacionados à terapia, tais como, sangramento e prejuízo à perfusão do membro de inserção da cânula venosa. A sistematização da assistência estabelecida mostrou agregar conhecimento científico, orientação à prática clínica e integralidade do cuidado.

Palavras chave: Assistência de Enfermagem; Transplante de Pulmão; Oxigenadores de Membrana.


RESUMEN

Se trata de un relato de experiencia de un caso sin precedentes en Brasil acerca de la sistematización de los cuidados de enfermería aplicados a una paciente en asistencia circulatoria mecánica con membrana de oxigenación extracorpórea en el postoperatorio de un trasplante de pulmón. Se establecieron 18 diagnósticos de enfermería y las 94 conductas implementados abarcaron: cuidados con el circuito de asistencia, monitorización hemodinámica y control de las pruebas de laboratorio. Los principales resultados fueron que el paciente presentaba: un mejor intercambio de gases, mantenimiento de la estabilidad hemodinámica y ausencia de efectos adversos relacionados con el tratamiento, como el sangrado y reducción de la perfusión de la extremidad de la cánula venosa. La sistematización de la atención establecida mostró agregar conocimiento científico, orientación a la práctica clínica y atención integral.

Palabras clave: Asistencia de enfermería; Trasplante de pulmón; Oxigenadoresde membrana.


ABSTRACT

This is an experience report of unprecedented case in Brazil on the nursing care system applied to a patient in mechanical circulatory support with extracorporeal membrane oxygenation in postoperative lung transplantation. Were established 18 diagnoses and 94 nursing behaviors implemented involved: care assistance circuit, hemodynamic monitoring and control of laboratory tests. The main outcomes were that the patient had: improved gas exchange, maintenance of hemodynamic stability and absence of adverse effects related to treatment, such as bleeding and reduction in limb perfusion with cannula. The care system established showed aggregate scientific knowledge, guidance to clinical practice and comprehensive care.

Key words: Nursing care; Lung Transplantation; Oxygenators, Membrane.


 

Introdução

A fibrose cística é uma doença autossômica recessiva causada por mutações nos genes das proteínas reguladoras da condutância trans-membrana, que resultam em um aumento na viscosidade das secreções glandulares e acúmulo de muco que afeta o aparelho digestivo, o pâncreas, o fígado, o sistema reprodutor e os pulmões, sendo que 90% da mortalidade relacionada à doença resulta de infecções pulmonares crônicas(1,2).

O tratamento da fibrose cística com acometimento pulmonar consiste na administração de antibióticos, agentes anti-inflamatórios, broncodilatadores, mucolíticos, drogas moduladoras do transporte iônico e, na fase mais avançada da doença, no transplante de pulmão. De acordo com os dados epidemiológicos, a fibrose cística é a terceira doença com maior indicação para o transplante pulmonar e a principal indicação para o transplante pulmonar bilateral(3).

Na década de 1960, um grupo da Universidade do Mississipi, realizou o primeiro transplante pulmonar em humano. No Brasil, os primeiros transplantes pulmonares foram realizados no ano de 1989 na cidade de Porto Alegre, sendo que, segundo dados do Registro Brasileiro de Transplantes, já foram realizados mais de 720 transplantes pulmonares no país de 2003 a 2013.

Muitos dos casos de infecções pulmonares, com consequente insuficiência respiratória, ocorrem após o transplante de pulmão(6). Esta afecção é conhecida como Disfunção Primária do Enxerto (PGD), uma lesão multifatorial para o pulmão transplantado que se desenvolve em 15 a 25% dos pacientes nos primeiros dias do pós-operatório(7).

A ECMO (Extracoporeal Membrane Oxygenation) tem sido utilizada como opção terapêutica no tratamento da insuficiência respiratória grave(8) causada pela PGD e consiste em um circuito fechado de circulação extracorpórea que recebe, através de uma cânula venosa, o sangue rico em gás carbônico, de modo que este é impulsionado por meio de uma bomba centrífuga através da membrana de oxigênio artificial, e o mesmo retorna ao paciente oxigenado a partir de um sistema arterial, ou venoso, com um fluxo contínuo, de modo a oferecer assistência cardíaca, respiratória ou cardiorrespiratória(9).

A ECMO, após o transplante pulmonar, tem sido utilizada em pacientes com falência respiratória a fim de melhorar a troca gasosa, possibilitando a realização de uma estratégia de ventilação protetora para evitar maiores danos ao pulmão transplantado. A técnica pode ser utilizada: como ponte para o transplante pulmonar, em casos de falência e danos irreversíveis do pulmão; após o transplante pulmonar, em pacientes com severa hipoxemia e que tenham desenvolvido PDG, e por fim, como ponte para a recuperação da insuficiência aguda pulmonar, ampliando o tempo para a recuperação de sua função(10).

A primeira utilização da ECMO ocorreu em 1971 em um paciente politraumatizado de 24 anos com quadro de insuficiência respiratória, que se beneficiou do suporte circulatório por um período de 75 horas e obteve resultado favorável(11).

O maior e mais diversificado estudo retrospectivo que avaliou a tecnologia ECMO aplicada a pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo grave foi relatado por um grupo da Universidade de Michigan, no qual se observou a sobrevivência de 52%, dentre oss 255 pacientes investigados, sendo que destes, 146 adultos foram tratados com a ECMO entre os anos de 1989 e 2004(12).

Nos últimos anos, principalmente no período da epidemia por influenza A (H1N1) no ano de 2009, o suporte de troca gasosa através do ECMO foi muito utilizado como terapia de salvamento em casos graves de insuficiência respiratória grave refratária às estratégias ventilatórias convencionais(13-18). Outro uso da ECMO descrito na literatura é o de um estudo(19) que demonstrou maior taxa de sobrevida após a cirurgia de uma serie de casos de pacientes jovens com diagnóstico de insuficiência respiratória irreversível e refratária à ventilação convencional que utilizaram a ECMO como ponte para transplante pulmonar.

A utilização desta técnica de assistência circulatória mecânica está em ascensão no Brasil, sendo utilizada mais frequentemente em hospitais de atendimento a pacientes críticos de alta complexidade, o que demanda dos profissionais de enfermagem responsáveis pelo cuidado ao paciente que faz uso da ECMO o conhecimento baseado na literatura científica(19). Em uma busca realizada na literatura nacional e internacional são escassos os estudos que abordam a assistência de enfermagem no cuidado de pacientes em uso da ECMO, de modo que a partir de uma busca nas bases de dados LILACS e BDENF foi identificado apenas um estudo(19) que abordava esta temática no Brasil.

Partindo do pressuposto de que os cuidados de enfermagem são fundamentais ao paciente sob este tipo de assistência e considerando a carência de produção científica sobre esta temática na área da enfermagem, o objetivo deste estudo é descrever os cuidados sistematizados de enfermagem realizados a uma paciente com PGD após transplante pulmonar que recebeu suporte com a ECMO veno-venosa.

 

Metodologia

Pesquisa qualitativa exploratória, do tipo estudo de caso clínico, retrospectivo e documental(22).

O sujeito de escolha para o relato de caso foi uma paciente de 20 anos, pós-transplante pulmonar e em terapia com ECMO veno-venosa, que esteve internada durante dois meses em uma Unidade de Terapia Intensiva Cirúrgica (UTIC) de um hospital público de nível terciário, especializado em cardio-pneumologia do município de São Paulo.

A coleta dos dados foi realizada em fonte documental através da consulta ao prontuário individual da paciente a partir da elaboração de dois formulários estruturados que continham dados referentes à história clínica da doença, tratamento recebido durante a internação e dados da prescrição eletrônica de Enfermagem (evolução, diagnóstico e intervenções de Enfermagem).

A paciente aceitou participar espontaneamente do estudo, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo sido orientada quanto aos objetivos do estudo e a confidencialidade das informações, conforme preconizado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da referida instituição sob o protocolo no 155/13. Vale salientar que não existe nenhum conflito de interesse nesta publicação.

Realizou-se a leitura e o preparo do material seguindo as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos. Utilizamos o referencial da Teoria das Necessidades Humanas Básicas proposta por Wanda Horta(21) para a compilação dos dados levantados do prontuário. Os dados são apresentados no formato de um estudo de caso clínico em que são descritos: os Diagnósticos de Enfermagem segundo a NANDA (North American Nursing Diagnosis Association) INTERNACIONAL(22); os dados do planejamento e da implementação das intervenções de enfermagem que foram realizadas de acordo com a Classificação das Intervenções de Enfermagem (NIC)(23) e através da consulta dos protocolos assistenciais fornecidos pela fabricante do equipamento; e a avaliação dos resultados das intervenções implementadas segundo a Classificação dos Resultados de Enfermagem (NOC(24)).

 

Apresentação do caso

Paciente MMF, 20 anos, do sexo feminino, natural do estado de São Paulo, portadora de fibrose cística e durante os seis meses anteriores ao transplante pulmonar esteve internada quatro vezes devido a exacerbações infeciosas. Em sua última internação em 14/07/2012 permaneceu na instituição até a realização do transplante pulmonar em 10/08/2012.

Foi realizado transplante de pulmão bilateral sequencial e sem circulação extracorpórea. Admitida na UTIC recebendo dobutamina a 5mcg/Kg/min e noradrenalina a 0,3mcg/Kg/min. Devido à cultura positiva por Enterococo resistente à Vancomicina foi admitida em isolamento de contato.

Após o procedimento cirúrgico evoluiu estável e foi extubada no 1o pós-operatório. No 2o e 3o dia de pós-operatório evoluiu com desmame de drogas vasoativas e em uso de ventilação não invasiva por BIPAP (Bilevel Positive Pressure Airway) intermitente, tendo apresentado piora do padrão respiratório e episódio de edema agudo de pulmão após a realização da broncoscopia de controle. No 4o e 5o pós-operatório evolui com PDG, com piora do padrão respiratório, permanecendo a maior parte do tempo em ventilação não invasiva. Foi iniciada infusão de furosemida contínua em 10ml/h e ciclosporina a 8ml/h e instalado cateter de artéria pulmonar.

Em 16/08/2012 apresentou piora infecciosa e hipoxemia grave, sendo que a infusão de noradrenalina atingiu 2mcg/Kg/min. A gasometria arterial mostrava uma pressão parcial de gás carbônico (PCO2) de 118 mmHg e pressão parcial de oxigênio (PO2) de 57,4 mmHg, sendo intubada e colocada em ventilação mecânica com uma Fração inspirada de O2(FiO2) de 65% e Pressão expiratória positiva final (PEEP) de 14 cmH2O. Foi instalado óxido nítrico a 30ppm. Neste mesmo dia evoluiu com hipoxemia e hipercapnia refratárias, com PH sanguíneo:7,24; PCO2: 93,6 mmHg; PO2: 58,0 mmHg; saturação arterial de oxigênio (SaO2): 79,7%; Bicarbonato (BIC): 38,2 mEq/l, com uma relação PO2/FiO2 de 58 mmHg, mantendo uma saturação de oxigênio (SpO2) entre 70-80% em Ventilação Mecânica com uma FiO2 de 100% e PEEP de 14cmH2O.

Assim sendo, após seis horas da intubação foi optado pelo início da terapia com a ECMO veno-venosa e iniciada sedação com citrato de fentanila e anticoagulação com heparina não fracionada.

A terapia com a ECMO veno-venosa foi iniciada com uma temperatura do sistema de 36oC, com rotação por minuto da bomba centrífuga de 3670rpm, com débito cardíaco (DC) ajustado para 5L/min, FiO2 de 90% e fluxo de O2 de 6L/min. Manteve óxido nítrico na ventilação mecânica a 20ppm. Já nas duas primeiras horas da terapia apresentou melhora significativa de valores gasométricos arteriais com diminuição dos níveis de PCO2 e melhora dos parâmetros fisiológicos. Após seis horas de terapia apresentou declínio nos níveis de lactato e valores de saturação venosa de oxigênio (SVO2) corrigidos.

Os valores gasométricos pré e pós-membrana da ECMO estavam dentro da normalidade, confirmando assim a eficácia da troca de gases na membrana (Pré membrana: PH: 7,46; PCO2: 47,2 mmHg; PO2: 46,5 mmHg; SaO2: 78,9%; BIC: 33,5 mEq/l. Pós membrana: PH: 7,52; PCO2: 38,3 mmHg; PO2: 258,0 mmHg; SaO2: 98,4%; BIC: 30,9 mEq/l; BE: +7,7). Houve melhora da instabilidade hemodinâmica, mantendo pressão arterial média (PAM) de 73-95mmHg com noradrenalina a 0,69cmg/Kg/min. Neste momento da terapia, a paciente permaneceu sedada com citrato de fentanila mantinha a terapia com ciclosporina, furosemida contínua e anticoagulação com heparina a 6ml/h para manter tempo de tromboplastina ativada entre 1,5 e 2,0 vezes o de controle, conforme protocolo institucional. Foi iniciada a infusão de dieta semi-elementar por sonda nasoentérica (SNE) a 20ml/h. Os exames hematológicos apresentavam leucócitos de 21.350/mm3 com desvio à esquerda (Metamielócitos: 1% e Bastonetetes 13). Foi instituída a antibioticoterapia e prescrito corticosteróide. Mantinha-se afebril, taquicárdica e com glicemia capilar instável, variando de 68 a 220mg/dl, controlada pela infusão contínua de insulina regular.

No dia 18/08/2012, frente à estabilidade hemodinâmica e respiratória, foi realizado o desmame da infusão de noradrenalina até 0,25mcg/Kg/min, uma vez que a paciente mantinha PAM de 72-90mmHg. Houve desmame da FiO2 da ventilação mecânica, com melhora da SpO2 (ΔSpO2: 96-98%) e da membrana de oxigenação da ECMO para 80. Ao tratamento foi prescrita sedação com maleato de midazolam, que associado à infusão de citrato de fentanila, mantinha a paciente com o valor da Escala de Agitação-Sedação de Richmond (RASS) de 0. Recebia dieta por SNE a 30ml/h. Glicemia capilar instável, variando de 98 a 286mg/dl, mantendo infusão de insulina regular. Identificada lesão Grau II em região sacral sendo colocado hidrogel em placa.

Dos dias 19/08/2012 a 21/08/2012 a paciente se manteve estável e tolerante ao desmame da noradrenalina, dos parâmetros de ventilação mecânica e da membrana de oxigenação da ECMO. Devido ao aumento do débito urinário houve melhora da congestão pulmonar e o balanço hídrico tornou-se negativo. Foi realizado o desmame da infusão de furosemida contínua que foi suspensa no dia 20/08/2012. No dia 21/08/2012 foi realizada biopsia pulmonar, sem intercorrências. A sedação contínua foi desligada. Desligada infusão de dieta por SNE para provável extubação e iniciada infusão de solução glicosada para aporte calórico, sendo que os demais parâmetros permaneceram estáveis.

No dia 22/08/2012 iniciou-se o desmame da ventilação mecânica, mantendo adequada SpO2 (ΔSpO2: 99-100%). Neste mesmo dia foi extubada e instalado cateter nasal de oxigênio (CNO2) a 5l/min, mantendo o óxido nítrico em 20ppm, tendo permanecido confortável da parte ventilatória. Hemodinamicamente estável, manteve a noradrenalina e ECMO veno-venosa com uma FiO2 reduzida para 40%, manteve gasometrias pré e pós-membrana com valores adequados. Continuou em uso de anticoagulação plena por meio heparina (TTPA: 51,5 seg. e TP/TR: 1,72). Paciente evoluiu com sintomas de ansiedade, queixava-se da imobilidade no leito e referia muita tristeza com relação à sua impotência diante da situação.

No dia 23/08/2008 frente à estabilidade respiratória e hemodinâmica, o desmame da ECMO evoluiu e a terapia da ECMO veno-venosa foi retirada na tarde deste mesmo dia. O óxido nítrico via CNO2 a 5l/min foi reduzido para 15ppm. Em relação ao desmame de noradrenalina, a concentração se manteve 0,06mcg/Kg/min com boa tolerância clínica. Foi desligada a infusão de heparina e mantida a infusão de ciclosporina. Os valores de exames laboratoriais e os parâmetros clínicos permaneceram estáveis. Manteve lesão Grau II em região sacral com hidrogel em placa.

Nos dias seguintes após a retirada da ECMO veno-venosa a paciente evolui com melhora progressiva do padrão respiratório e hemodinâmico. As broncoscopias subsequentes demonstraram melhora da isquemia da mucosa pulmonar causada pela PGD. No dia 04/12/2012 recebeu alta hospitalar, com seguimento ambulatorial na instituição. Vale salientar que este é o primeiro caso de alta hospitalar relatado na literatura científica no Brasil, de uma paciente pós-transplante pulmonar que fe da ECMO.

 

Sistematização da assistência de enfermagem

De acordo com a resolução COREN, portaria no 033/2011, a ECMO é uma terapia de alta complexidade, cabendo ao enfermeiro, privativamente, a responsabilidade pela assistência direta ao paciente submetido a esta intervenção. É primordial que o enfermeiro possua amplo conhecimento técnico-científico sobre o procedimento a fim de garantir a qualidade da assistência de enfermagem e a segurança do paciente em uso da ECMO(25).

A assistência de enfermagem ao paciente com ECMO deve ser realizada mediante a elaboração do Processo de Enfermagem previsto na resolução COFEN portaria no 358/2009 e com base em um protocolo institucional que padronize os cuidados prestados(26).

No dia 17/08/2012, após 24 horas do início da terapia com a ECMO, a partir dos dados de anamneses levantados anteriormente e a partir do exame físico realizado, foi elaborada a evolução de enfermagem, com a identificação dos diagnósticos, intervenções e os resultados esperados com a assistência de enfermagem, conforme descrito no quadro abaixo.

 

 

No dia 22/08/2012, no 11o pós-operatório de transplante pulmonar bilateral e no 5o dia com a ECMO, a paciente apresentava melhora hemodinâmica significativa, já sob respiração espontânea com cateter nasal de oxigênio a 5l/min e óxido nítrico 15ppm. Encontrava-se orientada e ansiosa, conforme apresentação do caso descrito anteriormente, e os cuidados de enfermagem específicos para a terapia com ECMO se mostravam efetivos até aquele momento. Com relação à evolução desde o primeiro dia com a ECMO foram mantidos os diagnósticos de enfermagem: Déficit no autocuidado para banho, higiene e alimentação; Risco de desequilíbrio da temperatura corporal e do volume de líquidos; Risco de Choque, de Glicemia Capilar Instável, de Sangramento, de Infeção e de Perfusão Tissular Periférica Ineficaz, especialmente relacionados ao uso da ECMO. Foram acrescentados novos diagnósticos, intervenções e resultados esperados de enfermagem, direcionados às alterações psicoemocionais e de autocuidado, conforme descrito no quadro abaixo.

 

 

Discussão

Na atualidade, o transplante pulmonar tem sido o único tratamento efetivo para algumas doenças pulmonares terminais. No entanto, apesar dos avanços da última década deste procedimento, a lesão pulmonar induzida pela PGD no ato cirúrgico, ainda representa frequente causa de morbidade e mortalidade no período pós-operatório, sendo a ECMO uma das opções utilizadas para o tratamento da PGD após o transplante de pulmão(4,9,27).

A ECMO é uma terapia bem estabelecida em pacientes pediátricos, especialmente para o tratamento da insuficiência respiratória neonatal. No entanto, apesar de estudos mostrarem a sua utilização no pós-operatório de transplante pulmonar de adultos, as taxas de sobrevida ainda são baixas para esta população(18).

No caso relatado, a ECMO foi colocada no 3o dia após o transplante pulmonar devido à hipoxemia refratária e acidose respiratória, sendo o tempo total de suporte com o dispositivo de 168 horas. A modalidade escolhida foi a veno-venosa, descrita na literatura(28) como sendo indicada para pacientes estáveis, por ser técnica de fácil implante, com menos ocorrência de sangramento e complicações trombóticas, além disso, é recomendada para pacientes com fração de ejeção normal e sem disfunção de ventrículo direito, como era o caso da paciente deste relato de caso.

Em relação aos cuidados de enfermagem, a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), método científico que orienta a prática da equipe de enfermagem, desenvolvida neste relato de caso, mostrou-se como ferramenta de extrema importância para que o cuidado prestado se constituísse de uma ação eficiente e individualizada, que garantisse a integralidade e a qualidade da assistência.

A assistência de enfermagem foi direcionada para a prevenção de complicações, identificação de problemas e intervenções específicas. Com relação à prevenção de infecções foi dada ênfase aos procedimentos adequados de manuseio do circuito da ECMO, através da lavagem das mãos, o manuseio asséptico da inserção de dispositivos, assim como a técnica adequada na realização dos curativos da inserção destes. Se destacaram os cuidados para a prevenção de sangramento, com o controle adequado dos exames laboratoriais e da administração de agentes anticoagulantes, assim como a vigilância da formação de trombos no circuito da assistência com foco luminoso. Outro aspecto importante foi a monitorização hemodinâmica e o controle rigoroso de exames laboratoriais, a partir do cuidado integral do enfermeiro, com metas para a prevenção de lesões de pele, controle glicêmico, hídrico, térmico e do nível de consciência.

No Brasil, o manejo da terapia de suporte mecânico com a ECMO é um cuidado inovador entre as equipes multiprofissionais de muitas instituições hospitalares, até mesmo para aquelas que atendem pacientes de alta complexidade. Dessa maneira, o número de profissionais da área de enfermagem capacitados a prestar cuidados ao paciente sob suporte com a ECMO, e consequentemente, trabalhos científicos que descrevam esses cuidados ainda são escassos na literatura.

Neste relato de caso, após o planejamento e implementação das condutas a partir da SAE foi possível afirmar que as respostas da paciente frente às intervenções propostas foram positivas, os resultados das intervenções foram alcançados e a paciente apresentou melhora clínica evidente.

Ressalta-se que além dos cuidados de natureza conceitual e procedimental, que exigem competência do enfermeiro para o saber agir eficazmente frente às demandas de cuidado crítico, é de fundamental importância prestar o cuidado direcionado às necessidades psicológicas e sociais da paciente, assim como de seus familiares(19).

 

Conclução

Prestar cuidados a pacientes em uso desta terapia exige estrutura física, recursos humanos habilitados e monitoramento das condições clínicas do paciente de elevado custo e tecnologia, uma vez que se trata de uma novidade em termos de assistência circulatória no país e que exige cuidados de alta complexidade.

Sendo o enfermeiro o profissional que atua amplamente em todos os momentos da assistência, desde a instalação da ECMO, passando pela assistência ininterrupta durante o seu uso e os cuidados voltados para a recuperação do paciente após a retirada, além do acompanhamento das ações da equipe de enfermagem, treinamento de novos profissionais e desenvolvimento de pesquisas nesta temática, é ele que intervém de maneira eficaz, com base no conhecimento científico, no tratamento e na assistência a este tipo de paciente.

Espera-se que este relato de caso possa subsidiar os enfermeiros a prestar a assistência ao paciente em uso de suporte circulatório mecânico com a ECMO, sendo que, é imprescindível a busca do conhecimento através das evidências apresentadas na literatura científica, bem como a realização de novas investigações, para que a partir da identificação dos potenciais problemas na prática clínica, o enfermeiro seja capaz instituir as intervenções de enfermagem adequadas de modo a prestar uma assistência de qualidade.

 

 

Recebido: 27 de dezembro 2013
Acepto: 26 de janeiro 2014

 

 

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