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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.15 n.41 Murcia Jan. 2016

 

CLÍNICA

 

Gestão terapêutica dos utentes com terapia anticoagulante oral

Manejo terapéutico de los usuarios con terapia anticoagulante oral

Therapeutic management of users with oral anticoagulant therapy

 

 

Serra, Isaura da Conceição Cascalho*; Ribeiro, Lurdes da Conceição Afonso Nobre**; Gemito, Maria Laurência Grou Parreirinha*** e Mendes, Felismina Rosa Parreira***

*UCP, Doutoranda em Enfermagem. Professora Adjunta na Universidade de Évora - Escola Superior de Enfermagem S. João de Deus.
**Mestre em Enfermagem Comunitária
***Doutora em Sociologia, Professora Adjunta na Universidade de Évora - Escola Superior de Enfermagem S. João de Deus. Portugal.

Correspondência

 

 


RESUMO

Objetivo: Caraterizar os utentes com terapia anticoagulante oral; conhecer a gestão do regime terapêutico e estimar custos da avaliação de Razão Normatizada Internacional (RNI).
Metodologia: Estudo descritivo, exploratório, transversal, realizado com 83 utentes com terapia anticoagulante oral de um Centro de Saúde do Alentejo (Portugal). A coleta dos dados ocorreu com aplicação de questionário construído para o efeito.
Resultados: Concluiu-se que 50,6% referiram não saber o que é coagulação; 49,4% o que são anticoagulantes orais; 63,9% quais as complicações da terapêutica anticoagulante oral. Apenas 27,7% conhecem os alimentos que interferem com esta terapêutica e 51,8% mencionam saber o que fazer em caso de ferida, extração de dente ou cirurgia. O custo da avaliação de RNI em laboratório é mais elevado que nos Centros de Saúde.
Conclusões: Identificaram-se lacunas nos conhecimentos sobre coagulação, interferências alimentares e regime terapêutico. A descentralização da Consulta de Enfermagem permite reduzir custos, melhorar a acessibilidade e gestão do regime terapêutico.

Palavras chave: Enfermagem em Saúde Comunitária; Atenção ao paciente; Gerenciamento Clínico; Terapêutica; Anticoagulantes.


RESUMEN

Objetivo: Caracterizar a los usuarios con terapia anticoagulante oral; conocer el régimen de tratamiento y estimar los costes de evaluación de la International Normalized Ratio (INR).
Metodología: Estudio descriptivo, transversal, exploratorio, con 83 usuarios con terapia anticoagulante oral de un Centro de Salud de Alentejo. Los datos fueron recolectados con la aplicación de cuestionario construido para este fin.
Resultados: Se concluyó que 50,6% informaron no saber qué es la coagulación; 49,4% lo que son anticoagulantes orales; 63,9% las complicaciones de la terapia anticoagulante oral. 27,7% conoce los alimentos que interfieren con esta terapia y 51,8% declara saber qué hacer en caso de lesión, cirugía o de la extracción de un diente. El costo de la evaluación de RNI (Razón Normalizada Internacional) en laboratorio es mayor que en los centros de salud.
Conclusiones: Existen lagunas en el conocimiento sobre el proceso de coagulación, la interferencia de alimentación y el régimen. La descentralización de la consulta de enfermería puede reducir los costos, mejorar la accesibilidad y la gestión del régimen terapéutico.

Palabras clave: Enfermería en Salud Comunitaria; Atención al Paciente; Manejo de la Enfermedad; Terapéutica; Anticoagulantes.


ABSTRACT

Objective: Characterize the users of oral anticoagulant therapy; to find out about treatment regimen management and to estimate International Normalized Ratio (INR) assessment costs.
Methodology: Descriptive, exploratory, cross-sectional study with 83 users of oral anticoagulant therapy from a primary health care centre in Alentejo (Portugal). Data collection occurred with the application of a questionnaire designed for the purpose.
Results: It was found that 50.6% reported that they did not know what clotting is; 49.4%, what oral anticoagulants are; 63.9%, what the complications are of oral anticoagulant therapy. Only 27.7% know the foods that interfere with this therapy, and 51.8% mentioned that they knew what to do in the event of injury, tooth extraction or surgery. INR assessment costs in the laboratory are higher than in the primary health care centre.
Conclusions: Gaps in knowledge regarding coagulation, food interference and treatment regimen were identified. The decentralisation of nursing appointments enables costs to be reduced, improves accessibility and management of the treatment regimen.

Key words: Community Health Nursing; Patient Care; Disease Management; Therapeutics; Anticoagulants.


 

Introdução

As doenças cardiovasculares são o conjunto de doenças que afetam o aparelho cardiovascular, nomeadamente o coração e vasos sanguíneos. As suas consequências são frequentemente súbitas e inesperadas, por vezes culminando na morte da pessoa. O controlo dos fatores de risco e uma eficaz gestão do regime terapêutico pode contribuir para a redução das complicações fatais e não fatais das doenças cardiovasculares(1).

Com o envelhecimento da população e as consequências ao nível da saúde e os atuais hábitos alimentares, a tendência para o agravamento da situação é previsível. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a população idosa mundial está a crescer 2% a cada ano e a proporção de idosos cresce mais rápido do que a de qualquer outro grupo etário. Por volta do ano 2050, os velhos mais velhos representarão 1/5 dos indivíduos idosos(2). A aposta deve passar pela educação para a prevenção destas doenças e para as consequências das mesmas.

"A elevada prevalência nacional dos fatores de risco das doenças cardiovasculares obriga a que se tenha uma especial atenção à sua efetiva prevenção, deteção e correção, tendo em atenção que o conceito subjacente a este termo aglutina não apenas as ações que evitam a perda da saúde mas, também, todos os cuidados que promovem a sua recuperação. Obriga, ainda, à adopção de medidas integradas e complementares que potenciem, na população portuguesa, a redução dos riscos de contrair estas doenças, a concretização do seu rápido e adequado tratamento e a tomada de medidas de prevenção secundária que reduzam a sua recorrência"(3).

Alguns exemplos de situações em que a terapêutica anticoagulante oral (TAO) está recomendada são: prevenção de tromboses venosas profundas e de embolias pulmonares; prevenção da formação de coágulos e êmbolos em doentes com válvulas cardíacas artificiais; prevenção da formação de coágulos e êmbolos em doentes com fibrilhação auricular e prevenção do enfarte do miocárdio em alguns doentes com características específicas. Pode também ser considerada nos doentes que vão ser submetidos a cirurgia complicada ou os que requerem imobilização prolongada(4).

As anticoagulantes orais utilizam-se no âmbito da prevenção primária e secundária de eventos tromboembólicos, pelo que existe um grande número de doentes a utilizar este tipo de medicamentos prescritos por longos períodos de tempo. A eficaz gestão do regime terapêutico é relevante pois, perante uma situação de doença, ocorre frequentemente a necessidade de mudança dos hábitos de vida, nem sempre aceites pelos utentes, resultando daí riscos para a saúde e prevenção de complicações, por outro lado, a determinação da dose terapêutica adequada destes fármacos também é complexa.

De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 40% das mortes registadas em Portugal ocorrem devido a doenças cardiovasculares e metade destes óbitos são consequência de problemas vasculares cerebrais. Condições patológicas como fibrilhação auricular (FA) levam a que um elevado número de doentes tenha de fazer uma terapêutica anticoagulante diária para prevenção de eventos trombóticos como o AVC. Estima-se que, existam aproximadamente cerca de 100 mil doentes anticoagulados em Portugal, estando este valor a aumentar de forma considerável todos os anos(1).

O sistema hemostático é constituído por um endotélio vascular íntegro e pela presença na corrente sanguínea de plaquetas e fatores de coagulação. A sua principal função é manter a fluidez do sangue e deter as hemorragias quando ocorre uma lesão vascular. É necessário um completo equilíbrio entre os mecanismos de coagulação ou de formação de fibrina, e os mecanismos fibrinolíticos ou de destruição da fibrina. Os anticoagulantes orais derivados da 4-hidroxicumarina (acenocumarol e varfarina sódica) são anticoagulantes de ação indireta que reduzem a síntese hepática dos fatores II, VII, IX e X da coagulação, por antagonizarem a ação da vitamina k (fitomenadiona). Em contraste com a heparina não possuem efeito anticoagulante in vitro. O fármaco mais representativo é a varfarina, o acenocumarol utiliza-se com menos frequência. Prolongam o tempo de protrombina (TP) que avalia a integridade do sistema extrínseco e é utilizado para o controlo do efeito anticoagulante; é referido como RNI (Razão Normalizada Internacional); aumentam ainda o tempo parcial de tromboplastina ativada (APTT) que mede a integridade do sistema intrínseco. Os anticoagulantes orais do tipo cumarínico (ex. varfarina e acenocumarol) atuam através do bloqueio ao nível do hepatócito, da carboxilação das proteínas vitamina K dependentes, sendo cada vez mais utilizados na profilaxia primária e secundária da doença tromboembólica(4) Apesar de uma melhor definição das zonas terapêuticas e de uma maior padronização da monitorização laboratorial, estes fármacos não estão isentos de complicações, nomeadamente hemorrágicas e tromboembólicas, consequências muitas vezes de um efeito anticoagulante excessivo e de insuficiente efeito anticoagulante, respetivamente. Deste modo, torna-se fundamental a sua monitorização, levada a cabo laboratorialmente através do tempo de protrombina (expresso em RnI)(5,7)

A literatura revela-nos que a maioria dos utentes com TAO são do sexo feminino, com uma média de idades próxima dos 60 anos, casadas, aposentadas, com doenças associadas, fazem esta terapêutica há mais de 5 anos, apresentando valores de RNI dentro dos parâmetros terapêuticos(6-7). O uso de TAO exige cuidados por forma a manter controlados os níveis de coagulação sanguínea e prevenir complicações hemorrágicas ou tromboembólicas. Por vezes esses cuidados podem conduzir a mudanças no estilo de vida, alteração dos hábitos alimentares, consumo de álcool, ingestão diária do medicamento, consultas de vigilância e medo de complicações, podendo comprometer a qualidade de vida destas pessoas(7).

A monitorização dos utentes com terapia anticoagulante oral necessita ser feita uma ou duas vezes por mês, para controlo da dose terapêutica, tendo em atenção os níveis de anticoagulação e os perigos da sobredosagem. De acordo com os valores convencionados pelas guidelines da sétima conferência da American College of Chest Physicians, o valor alvo de RNI deve ser igual a 2,5 ± 0,5 e a consulta de enfermagem no Centro de Saúde tem como vantagens para o utente a maior frequência de testes, com menor risco de hemorragias e suas consequências, maior independência e com resultados tão fiáveis como o método laboratorial e alterações da dosagem logo após a determinação do RNI (8). Neste contexto, devem gerir-se e rentabilizar-se os recursos físicos e humanos existentes, permitindo o seu acesso ao maior número possível de utentes que deles dependam, com vista a reduzir as taxas de mortalidade e morbilidade destas doenças(9). A politica de descentralização visa a delegação de funções e/ou tomada de decisões, encarregando outros profissionais de desempenhar as mesmas tarefas, noutro local. Ao descentralizar a Consulta de Enfermagem a utentes com terapia anticoagulante oral e a monitorização do RNI dos hospitais ou laboratórios de análises clínicas para os centros de saúde permite uma aproximação dos utentes aos cuidados de saúde de que necessitam, garantindo melhor acessibilidade e proximidade, a um menor custo.

Este estudo tem como objetivos: Identificar e caraterizar os utentes com terapia anticoagulante oral; analisar a gestão do regime terapêutico e estimar os custos da avaliação de RNI.

 

Metodologia

Estudo descritivo, exploratório e transversal, de abordagem quantitativa. A população do estudo é constituída pelo total de utentes com terapia anticoagulante oral inscritos no ficheiro de um Centro de Saúde do Alentejo (Portugal), num total de 83, cujos critérios foram ter mais de 18 anos, fazer a monitorização de RNI e respetivo controlo da dose terapêutica no referido centro de saúde, após consentimento informado. Para a recolha de dados foi aplicado um questionário, testado previamente numa amostra populacional com características idênticas às da população do estudo. O questionário foi elaborado tendo por base a literatura consultada, por forma a dar resposta aos objetivos e, apesar das diversas componentes possíveis da competência de gestão do regime terapêutico, centrou-se apenas na componente cognitiva.

Numa primeira parte pretende fazer-se a caraterização sociodemográfica dos utentes, na segunda são colocadas algumas questões com o objetivo de avaliar a perceção e conhecimentos dos utentes acerca do que é a coagulação, o que são anticoagulantes orais, complicações deste tipo de terapêutica, informações que têm acerca da forma correta de tomar o medicamento, o que fazer em caso de esquecimento de uma toma, importância de cumprir as datas de avaliação de RNI, se considera que o utente anticoagulado pode/deve fazer uma vida normal, que medicamentos pode tomar, alimentos que interferem ao fazer terapêutica anticoagulante oral e cuidados a ter em caso de ferida, necessidade de extrair um dente ou ser submetido a uma cirurgia.

O questionário foi aplicado aos utentes quando estes se deslocavam ao centro de saúde para monitorização de RNI e respetivo controlo da dose terapêutica.

Para dar resposta ao último objetivo, ou seja, estimar os custos da avaliação de RNI, foram elaborados os respetivos cálculos para avaliação deste em laboratório de análises clínicas, na sede do Centro de Saúde e principais extensões. Teve-se como referência o custo da análise de RNI tabelado pela Portaria no839-A/2009 de 31 de Julho.

Na avaliação dos custos foram considerados essencialmente parâmetros centrados no utente, à exceção do custo da análise, não tendo sido considerados os custos inerentes ao trabalho dos técnicos.

Foram cumpridos todos os procedimentos éticos (consentimento informado, confidencialidade e anonimato), conforme a Declaração de Helsínquia de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.

Procedeu-se ao tratamento estatístico descritivo dos dados, com recurso a frequências relativas e absolutas, mediante a utilização do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) 18.0.

 

Resultados

Após a análise dos dados podemos concluir que a maioria dos utentes com terapia anticoagulante oral inquiridos são do sexo feminino (56,6%) e o grupo etário com maior número de utentes é o dos 71 aos 80 anos (43,4%), sendo a maioria casados (67,5%), logo seguidos pelos viúvos (24,1%). A grande maioria já está reformada (86%). Relativamente aos conhecimentos acerca do que é a coagulação, 50,6% referiram que não têm conhecimentos acerca desse assunto. No entanto, apesar da resposta anterior, quando lhe foram apresentadas várias hipóteses para escolher, 50,6% dos inquiridos reconheceram que a coagulação é um processo natural que permite ao organismo reduzir as perdas de sangue em caso de hemorragia. No que se relaciona com os conhecimentos destes utentes acerca do que são anticoagulantes orais 50,6% responderam afirmativamente, considerando-os como medicamentos que fazem com que o sangue demore mais tempo a coagular. Pode também concluir-se que a maioria dos utentes com terapia anticoagulante oral (63,9%) desconhece as complicações da TAO. É possível verificar que, os utentes que referem conhecer quais as complicações da terapêutica anticoagulante oral, indicam como principal complicação as hemorragias. Os dados mostram que 63,9% sabem o que fazer em caso de esquecimento de uma toma do anticoagulante oral, no entanto cerca de um quarto desta população não adota o procedimento correto em caso de esquecimento. Observa-se ainda que 60,2% sabem quais os medicamentos que podem tomar enquanto fazem TAO. Os resultados indicam que a maioria dos utentes inquiridos (72,3%) referem não saber quais os alimentos que interferem com a TAO. Quanto aos cuidados a ter em caso de ferida, necessidade de extração dentária ou cirurgia, 51,8% referem-nos corretamente.

Decorreu da análise dos dados que 94% dos utentes inquiridos consideram que uma pessoa com terapia anticoagulante oral pode e deve fazer uma vida normal, reforçando a importância de cumprir as datas de avaliação de RNI, sendo que, dos 6% que fizeram referência às limitações que comprometem a normalidade da sua vida, acentuam o aumento dos cuidados com o risco de quedas, feridas e cortes que possam desencadear hemorragias.

A maioria dos utentes (85,5%) refere ter informação de que só deve fazer a terapêutica prescrita pelo médico e só depois de informar que se encontra a fazer TAO.

Outro objetivo do estudo era estimar os custos da avaliação de RNI. A importância deste objetivo prende-se com o facto de os utentes com terapia anticoagulante oral necessitarem que a monitorização dos seus valores de RNI seja feita uma ou duas vezes por mês, para controlar a dose terapêutica prescrita, tendo em atenção os níveis de anticoagulação, assim como os riscos da sobredosagem. Desta forma, foi elaborado um plano para a sua avaliação em laboratório de análises clínicas, na sede do Centro de Saúde e principais extensões, evitando desta forma deslocações aos utentes, concluindo-se que os custos diminuíram consideravelmente. Tendo como referência o custo da análise de RNI tabelado pela Portaria no839-A/2009 de 31 de Julho(10) (4,70 €) procedeu-se à simulação dos custos nos vários locais em que é possível à população em estudo avaliar o RNI, conforme tabela I.

 

 

Podemos então concluir que a avaliação de RNI em laboratório de análises clínicas é, sem dúvida, a forma mais dispendiosa, seguindo-se a avaliação em Centro de Saúde, tendo em conta que o utente se terá de deslocar de uma freguesia para a sede de Concelho, ficando então mais económico a descentralização da Consulta de Enfermagem e avaliação de RNI a utentes com terapêutica anticoagulante oral para as extensões de saúde. A descentralização da Consulta de Enfermagem a utentes com terapia anticoagulante oral permite então reduzir custos, melhorar a acessibilidade e promover uma gestão do regime terapêutico mais eficaz.

 

Discussão

A maioria dos utentes sabem que a coagulação é um processo natural que permite ao organismo reduzir as perdas de sangue em caso de hemorragia e que a TAO faz com que o sangue demore mais tempo a coagular. Maioritariamente dizem desconhecer as complicações da TAO, contudo referem a hemorragia como principal complicação. Os estudos indicam que a hemorragia é o efeito adverso mais frequente(11,12). O medo de hemorragia pode por vezes levar a níveis de ansiedade elevados, sobretudo nas pessoas que já passaram por essa situação(7).

Mencionam ainda terem sido informados pelo médico sobre o modo correto de tomar a TAO e a forma de proceder em caso de esquecimento de uma toma. A quase totalidade dos utentes inquiridos considera importante cumprir as datas de avaliação de RNI, e não veem motivos para não realizarem uma vida normal, sendo que, quando há referência aos motivos que impedem o dia-a-dia normal apontam o aumento dos cuidados com o risco de quedas e cortes que possam desencadear hemorragias. Estudos indicam que a qualidade de vida teve pior avaliação entre as mulheres, idosos e com menos de um ano de terapêutica. A maior qualidade de vida é relativa aos aspetos sociais e a pior inerente aos aspetos físicos(7).

No que diz respeito aos alimentos que interferem com a TAO são muitas as dúvidas e falta de conhecimentos identificados. A dose de anticoagulante dever ser ajustada de acordo com uma alimentação saudável e nunca o contrário. A forma como o valor de RNI responde ao consumo de diversos tipos de vegetais também varia de indivíduo para indivíduo, e por isso é fundamental manter um controlo regular de RNI (11,13,17).

Pode ainda concluir-se que, relativamente aos cuidados a ter em caso de ferida, necessidade de extrair um dente ou ser submetido a uma cirurgia, os utentes referem saber quais as atitudes a adotar, exceto em caso de necessidade de extração dentária. Estas recomendações são cruciais e os profissionais de saúde devem estar despertos para estas questões(11), no entanto um estudo indica que apesar da maioria dos médicos (60%) nas consultas questionavam os utentes sobre o uso de TAO, mostram conhecimentos insuficientes sobre esse assunto e 92% mostra interesse em saber mais sobre TAO(12).

O estudo permitiu ainda concluir que a avaliação de RNI em laboratório de análises clínicas é, sem dúvida, a forma mais dispendiosa (10.00€), seguindo-se a avaliação na sede do Centro de Saúde, tendo em conta que o utente terá de se deslocar de uma freguesia para a sede de Concelho (3.51 €), sendo mais económico a descentralização da Consulta de Enfermagem a utentes com terapia anticoagulante oral para as extensões de saúde (1.21€). Um estudo de custo-efetividade e de custo utilidade, efetuado em Portugal, possibilitou uma análise comparativa de custos, anos de vida e qualidade de vida, considerando que a monitorização dos valores de RNI poderia ser feita por automonitorização, monitorização em Centro de Saúde e monitorização em laboratório de análises clínicas. Verificou-se que a alternativa automonitorização é a que traz mais benefícios em termos de ganho de anos e qualidade de vida e a alternativa monitorização em laboratório de análises clínicas é aquela que apresenta menores benefícios, tanto em ganho de anos de vida como em qualidade de vida. Em relação aos custos diretos, a monitorização em Centro de Saúde é a que apresenta menores custos, ao invés da monitorização em laboratório que se apresenta como a que comporta custos mais elevados. Os investigadores concluíram que tanto a automonitorização, como a monitorização em Centro de Saúde são dominantes face à monitorização em laboratório de análises clínicas, envolvendo ambas menores custos diretos e indiretos e maiores ganhos em anos de vida e qualidade de vida(8).

Esta descentralização facilita o acesso a cuidados de saúde, não só de qualidade, mas ainda em tempo oportuno, com uma visão holística do utente e no local mais adequado à população alvo. O Plano Nacional de Saúde 2012-2016 diz que "o acesso adequado é um dos determinantes da saúde, potenciador da redução das desigualdades"(15).

 

Conclusões

A saúde é um direito fundamental do ser humano e um fator indispensável para o desenvolvimento económico e social de qualquer Região. A Promoção da Saúde é um processo essencial de capacitação dos utentes no controle e melhoria da sua saúde. Ao agir sobre os determinantes da saúde, não só se contribui para os ganhos em saúde, mas também para a redução de desigualdades e consequentemente para a promoção dos direitos fundamentais do ser humano. A saúde deve ser entendida como um recurso para a vida, ou seja, o utente deve ser pró-ativo, capacitando-se, para assumir a máxima responsabilidade e autonomia, modificando comportamentos e promovendo desta forma o autocuidado.

Podemos concluir pela análise dos dados que existem algumas lacunas relativamente aos conhecimentos que os utentes com terapia anticoagulante oral têm acerca da gestão do regime terapêutico, incluindo conhecimentos sobre o processo de coagulação, interferências alimentares e medicamentosas e cumprimento da TAO. As orientações do Plano Nacional de Saúde 2011-2016 defendem um sistema de saúde cujo modelo conceptual visa maximizar os ganhos em saúde, através do esforço sustentado de todos os setores, com ênfase na equidade e acesso a políticas de saúde de qualidade, com vista à redução das desigualdades.

Desta forma, sugere-se que, com vista ao empowerment destes utentes sejam programadas sessões de educação para a saúde, tanto individuais, como em grupo, sobre alimentação, interações medicamentosas, gestão do regime terapêutico. As decisões relacionadas com a saúde deixam de ser, quase exclusivamente, centralizadas nos profissionais para se deslocarem para o utente alvo de cuidados. Esta mudança de paradigma, demonstra que a reflexão sobre o valor da autonomia da pessoa levou os profissionais de saúde a repensarem o papel dos utentes, levando a que os mesmos fossem progressivamente integrados nos processos de decisão e planeamento dos cuidados de saúde(14).

De facto, "as mudanças no perfil demográfico, nos indicadores de morbilidade e a emergência de doenças crónicas traduzem-se em novas necessidades de saúde, tendo sido reconhecido, nos últimos anos, o papel determinante dos cuidados de saúde primários com ênfase na capacidade de resposta na resolução dos problemas colocados pelos cidadãos no sentido de formar uma sociedade forte e dinâmica"(16). Parece-nos interessante, no futuro, definir intervenções para esta população, no sentido de colmatar as lacunas encontradas ao nível dos conhecimentos e avaliar a sua qualidade de vida relacionada com a saúde, podendo para tal ser utilizado como instrumento o Medical Outcomes Survey 36 - Item Short-Form (SF-36), na sua versão validada para o português(7).

 

 

Correspondência:
*E-mail: iserra@uevora.pt

Recebido: 23 de setembro de 2014
Aceito: 1 de novembro de 2014

 

Referências

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