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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.15 n.44 Murcia Oct. 2016

 

ADMINISTRACIÓN-GESTIÓN-CALIDAD

 

Uso de entrevistadores externos na pesquisa qualitativa: plano de ação

Uso de entrevistadores externos en la investigación cualitativa: plan de acción

Use of external interviewers in qualitative research: action plan

 

 

Gomes, Ingrid Meireles*; Lacerda, Maria Ribeiro**; Rodrigues, Jéssica Alline Pereira***; Nascimento, Jaqueline Dias do**** e Camargo, Tatiana Braga de*****

*Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná (PPGENF/UFPR). Enfermeira do Serviço de Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (STMO-HC/UFPR). Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Cuidado Humano de Enfermagem (NEPECHE/UFPR). E-mail: inguide@gmail.com
**Doutora em Enfermagem. Professora do PPGENF/UFPR. Coordenadora do NEPECHE/UFPR.
***Mestranda do PPGENF/UFPR. Enfermeira do STMO-HC/UFPR. Membro do NEPECHE/UFPR.
****Doutoranda do PPGENF/UFPR. Enfermeira do Departamento de Enfermagem da UFPR. Membro do NEPECHE/UFPR.
*****Doutoranda do PPGENF/UFPR. Enfermeira da Unidade de Terapia Intensiva Adulto (UTIA)-HC/UFPR. Membro do NEPECHE/UFPR. Brasil.

 

 


RESUMO

A pesquisa qualitativa vem crescendo, trazendo consigo a necessidade de pensá-la Metodologicamente, a fim de evitar vieses e dilemas éticos. Dessa forma, faz-se necessário refletir sobre suas etapas, dentre elas a coleta de dados por meio de entrevistas. Objetiva-se, portanto, apresentar um plano de ação que norteie a capacitação e acompanhamento de entrevistadores externos na realização da pesquisa qualitativa. Descreve-se o plano de ação proposto, que consta de cinco momentos: viabilidade; seleção; negociação; treinamento; e acompanhamento. E, a fim de exemplificar sua utilização prática, descreve-se a experiência das autoras com a utilização do plano de ação proposto, as facilidades e dificuldades encontradas. Conclui-se que empregar uma pessoa externa para realizar a coleta de dados em uma pesquisa qualitativa é um facilitador, embora represente um desafio e exija dedicação e expertise do pesquisador. Reconhece-se, ainda, a necessidade de maiores incentivos financeiros para a realização desse tipo de pesquisa, bem como comprometimento dos pesquisadores em buscar fontes de financiamento.

Palabras chave: Entrevista; Técnicas de Pesquisa; Pesquisa Qualitativa; Pesquisadores; Planejamento.


RESUMEN

La investigación cualitativa está creciendo, trayendo consigo la necesidad de pensar en ella Metodológicamente, con el fin de evitar sesgos y dilemas éticos. Por lo tanto, es necesario reflexionar acerca de sus etapas, entre ellas la recogida de datos a través de entrevistas. Se objetiva, por lo tanto, presentar un plan de acción que guíe la capacitación y supervisión de entrevistadores externos durante la realización de la investigación cualitativa. Se describe el plan de acción propuesto, que tiene cinco momentos: viabilidad; selección; negociación; entrenamiento, y supervisión. Y, con el fin de ilustrar su uso práctico, se describe la experiencia de las autoras con el uso del plan de acción propuesto, las facilidades y las dificultades encontradas. Se concluye que emplear una persona externa para llevar a cabo la recogida de datos en una investigación cualitativa es un facilitador, aunque represente un reto y requiera dedicación y pericia del investigador. También se reconoce la necesidad de mayores incentivos financieros para llevar a cabo este tipo de investigación, así como el compromiso de los investigadores para buscar fuentes de financiación.

Palabras clave: Entrevista; Técnicas de Investigación; Investigación Cualitativa; Investigadores; Planificación.


ABSTRACT

Qualitative research has been growing, bringing along the need to think methodologically about it, in order to avoid biases and ethical dilemmas. Thus, it is necessary to think through its steps, among them the collection of data through interviews. Therefore, this study aims to introduce an action plan that guides the training and monitoring of external interviewers in conducting qualitative research. It describes the action plan proposed, which consists of five moments: feasibility; selection; negotiation; training; and monitoring. And, with the purpose of illustrating its practical use, authors' experience in using the proposed action plan is described, indicating the benefits and difficulties found. It is concluded that employing an external person to perform data collection in a qualitative research is a facilitator, although it represents a challenge and requires researcher's dedication and expertise. the need for greater financial incentives to conduct this kind of research is also recognized, as well as researchers' commitment to pursue funding sources.

Keywords: Enterview; Investigative Techmiques; Qualitative Research; Research Personnel; Planning.


 

Introdução

A pesquisa qualitativa difunde-se progressivamente(1-3), representa a possibilidade de buscar conhecimento nas relações entre os seres humanos pela interpretação da realidade vivenciada pelos indivíduos, e compreensão através de falas, assim como de gestos, artes e outros símbolos sociais(1). Em especial para a enfermagem, a pesquisa qualitativa adquire força por possibilitar conhecimento complexo, não linear, e subjetivo do cuidado(1), que é o objeto e objetivo da enfermagem.

Apenas reconhecer o crescimento da pesquisa qualitativa na área da saúde não é suficiente, fazem-se necessárias maiores considerações e aplicações de coerência teórico-Metodológica(3). Assim, ponderar sobre as técnicas de coleta de dados neste formato de pesquisa torna-se indispensável; é importante que haja densa reflexão teórica dos pesquisadores sobre as técnicas empregadas a fim de minimizar, inclusive, problemas éticos delas provenientes(2).

Neste contexto, torna-se premente discutir sobre a entrevista, visto que se trata de uma das técnicas de coleta de dados mais empregadas(2). A entrevista permite uma emersão nos dados provenientes da reflexão do fenômeno social estudado, através da obtenção de informações advindas de uma interação dialógica entre pesquisador e indivíduo.

Neste contexto emergiu este estudo, que se originou de uma atividade proposta no grupo de pesquisa "Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Cuidado Humano de Enfermagem" - NEPECHE, cujo objetivo foi discutir a elaboração e realização de entrevistas nas pesquisas qualitativas, em especial dentro da Metodologia da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) ou também conhecida como Grounded Theory. Esta atividade foi subdividida em três momentos: inicialmente discutiu-se sobre o uso de entrevistas nas pesquisas qualitativas; posteriormente da entrevista na TFD especificamente; e por fim, sobre a realização, na pesquisa qualitativa, de entrevista por pessoas contratadas para tal, parte a que se refere este estudo.

A pesquisa da qual se origina este estudo utiliza-se do apoio de entrevistadores externos para a coleta de dados. Para operacionalizar essa decisão foi elaborado um plano de ação, com o intuito de guiar a realização desta parceria, e obter os melhores e mais fidedignos Resultados na pesquisa desenvolvida. Portanto, este artigo objetiva apresentar um plano de ação que norteie a capacitação e acompanhamento de entrevistadores externos que auxiliem na realização da pesquisa qualitativa.

Uma pessoa externa à pesquisa

Realizar entrevistas e com elas construir e aprofundar conhecimento não são tarefas simples; optar pela entrevista qualitativa não significa que o conteúdo será apreendido, compreendido e refletido. Resultados ateóricos podem surgir quando se acredita que o sucesso da entrevista está exclusivamente relacionado à escolha assertiva das perguntas(3).

Faz-se necessário ir além, compreender a pesquisa, seu objeto e objetivo, o contexto e os participantes, além de se preparar para a coleta de dados. Sendo assim, pode-se pensar que inserir uma pessoa que não faz parte da pesquisa para realizar a coleta de dados seja contraditório à qualidade dos Resultados. Porém essa é uma alternativa que muitas vezes se mostra necessária para que o estudo seja desenvolvido, principalmente se houver uma restrição de tempo, por exemplo. Para tal, a inserção da(s) pessoa(s) deve ser meticulosamente pensada e planejada. Para facilitar este processo apresenta-se um plano de ação composto por 5 momentos, a saber: viabilidade; seleção; negociação; treinamento e acompanhamento.

Plano de ação para inserção de entrevistadores externos na coleta de dados

Inicia-se apresentando uma figura com uma visão geral do plano de ação e seus cinco momentos (Figura 1), a seguir passa-se para uma breve explanação de cada momento. Vale comentar que a figura proposta neste estudo passou pela validação de experts do NEPECHE/UFPR. Para facilitar a compreensão do proposto, o plano de ação elaborado será exemplificado por meio da experiência das autoras.

 

 

Primeiro momento: Viabilidade

Buscou-se avaliar a viabilidade da realização da coleta de dados por entrevistadores externos sob diferentes aspectos: financeiro, disponibilidade de tempo, Metodológico e alcance dos objetivos da pesquisa.

Inserir uma pessoa que não faça parte da pesquisa para realizar a coleta de dados incide em custo, e é muito importante considerar se há e haverá recursos suficientes para tal. No caso da pesquisa na qual se baseia a apresentação deste estudo, a experiência se tornou factível com financiamento de uma agência de fomento à pesquisa. Por se tratar de uma pesquisa que utiliza a TFD como Metodologia, não é possível realizar uma previsão assertiva sobre o número de participantes e entrevistas(4). Assim, ao realizar a análise de viabilidade financeira, fez-se necessário elaborar estimativa prévia de entrevistas, mantendo margem maior do que o esperado; e ciente que, caso essa margem seja ultrapassada, e os recursos do financiamento findem, serão necessários recursos próprios dos pesquisadores, ou que os mesmos assumam a coleta de dados.

No quesito tempo, avaliou-se a disponibilidade para realizar o treinamento e manter o aperfeiçoamento da pessoa contratada, favorecendo a coleta de forma adequada, com a obtenção de dados significativos. Tal tarefa torna-se relevante, pois se sabe que agências de fomento por vezes estabelecem prazos para que os Resultados sejam apresentados e exigem cronograma detalhado de atividades, o que dificulta o desenvolvimento de alguns tipos de pesquisa qualitativas a contento(3). Esta situação pode ser facilmente percebida quando se utiliza a TFD, em que coleta e análise se dão simultaneamente e, portanto despendem maior tempo para sua realização.

Na pesquisa optou-se pela entrevista semiestruturada, em conformidade com a Metodologia; parte-se de um roteiro preliminar, que pode se alterar a cada nova entrevista, dada a comparação constante e a circularidade dos dados propostas na TFD(4). Com isso, o treinamento e o vínculo com a pessoa selecionada para realizar a coleta necessita ser frequente e esclarecedor, a fim de que o entrevistador esteja preparado a obter os dados de acordo com a necessidade da pesquisa e possa lidar com as modificações no instrumento de coleta e no desenrolar da pesquisa. Para que qualquer proposta de realização de uma pesquisa realmente seja válida, é preciso avaliar se o propósito permite o alcance dos objetivos de formal integral, sem menosprezar possíveis interferências. Desta forma, deve-se ter em mente, o quê pesquisar, para quê e para quem servirá o conhecimento que se propõe a produzir, vislumbrando seu impacto social, além do compromisso ético com a sociedade, com a enfermagem e com a pesquisa qualitativa(1).

Segundo momento: Seleção

Em relação à seleção, buscou-se estabelecer o número de pessoas necessárias à realização do serviço, os aspectos éticos envolvidos e os critérios de seleção dos profissionais que seriam contratados. Quanto ao número de pessoas, inicialmente optou-se por apenas uma, visto que as entrevistas não podem ser realizadas concomitantemente, pois, conforme propõe a TFD, a cada entrevista é realizada a análise dos dados desta e de todas as anteriores novamente(4).

Ao que tange os aspectos éticos, diferentes questões foram refletidas, tais como o anonimato dos participantes, a inserção do entrevistador no ambiente da pesquisa e o vínculo com esses participantes, a interferência do entrevistador em aspectos pessoais e emocionais relativos aos participantes, o compromisso do entrevistador com a obtenção dos dados de forma complexa e subjetiva e com a transcrição do material, sua participação na divulgação científica do resultado da pesquisa, e por fim, a capacidade de compreensão do entrevistador com a proposta, objeto e objetivo da pesquisa.

Todas essas questões permearam a elaboração dos critérios de seleção do entrevistador e ainda o momento seguinte do plano de ação, a negociação, no qual alguns desses assuntos foram tratadas sob aspectos jurídicos/legais.

Assim, como critérios de seleção do entrevistador externo, propôs-se que fosse uma pessoa com conhecimento acerca da temática do estudo, o que no desenvolver da entrevista se faria necessário para dar continuidade e encadeamento entre respostas e próximas perguntas. Preferencialmente, optaria-se por alguém ciente do perfil dos participantes da pesquisa, mas este aspecto seria trabalhado no treinamento e, portanto, não era um critério de exclusão. Sobre o conhecimento do Método do estudo, desconsiderou-se sua necessidade, visto que a pessoa receberia treinamento específico sobre como proceder em sua tarefa.

Foi selecionada uma pessoa, graduada em enfermagem, que prestava serviços administrativos no local da pesquisa, mas que ainda assim dispunha de tempo hábil para esta tarefa em seu contra turno, portanto, tinha conhecimento sobre o objeto do estudo, os participantes e em trabalhos científicos. Para a transcrição dos dados coletados, esta primeira pessoa contratada demonstrou não ter disponibilidade de tempo para tal tarefa; e assim, selecionou-se outra pessoa que tinha tempo suficiente para realizar as transcrições com brevidade, a qual também detinha conhecimento em Metodologia científica, pois se tratava de uma aluna que participava há dois anos de projetos de iniciação científica.

Inicialmente a escolha do primeiro entrevistador pareceu assertiva, porém, não se obteve êxito devido ao vínculo já estabelecido entre os participantes e o entrevistador, que potencialmente influenciaram as falas, além de dificuldades para a condução da entrevista frente às informações coletadas. Desta forma, buscou-se realizar novos treinamentos presenciais e virtuais com este entrevistador, contudo as entrevistas continuavam sem a profundidade almejada, sendo necessário refazê-las.

Buscou-se então, um novo entrevistador. Neste momento a pessoa selecionada como transcritor iniciou simultaneamente a atividade de entrevistador. E então, após treinamento, obteve-se sucesso na realização das entrevistas, embora continue sendo necessário o feedback entre pesquisadora e entrevistador/transcritor, para aprimoramento destas. Desta forma, tem-se atualmente uma única pessoa externa contratada para a realização da coleta de dados e transcrição, o que vem ocorrendo a contento.

Terceiro momento: Negociação

Nessa fase vários itens foram acordados entre as partes envolvidas, tais como disponibilidade, custo financeiro, número de entrevistados versus tempo, tipo de serviço contratado, número de participantes, local e possíveis alterações que viessem a ocorrer. Para tal, firmou-se um contrato jurídico de prestação de serviço entre as partes, de forma a se obter maior segurança nesta relação de trabalho.

Este contrato de trabalho foi elaborado em três partes: a primeira tratou do serviço prestado, na qual se abordaram os participantes das entrevistas (caracterização, forma de contato e agendamento); direitos e obrigações do entrevistador externo (condução da entrevista, entrega e apresentação do Termo de consentimento livre e esclarecido a ser assinado e compreendido pelo participante, normas para a transcrição, prazos, manipulação das informações e vias de comunicação entre contratado e pesquisador, participação nos treinamentos, sigilo e local da realização das entrevistas); e direitos e obrigações da pesquisadora (contato inicial com os participantes, treinamento e orientações posteriores para aperfeiçoamento da entrevista, prazos, pagamentos).

A segunda parte versou sobre os aspectos financeiros, na qual se estabeleceram valores de remuneração para cada tipo de serviço, inclusive quando se fizer necessário o deslocamento do contratado e tratou-se da origem dos recursos financeiros para o custeio do contrato em questão. Por fim, na terceira parte foram estabelecidos critérios para lidar com questões que não estivessem presentes no referido contrato. Assinaram legalmente o contrato a pesquisadora responsável pela pesquisa, sua orientadora e o entrevistador externo contratado.

Destacam-se alguns aspectos discutidos e formalizados com o entrevistador externo: o tempo foi tratado tanto em questão da disponibilidade do contratado em cumprir as tarefas agendadas, bem como a variabilidade da duração da entrevista de cada participante, visto não se tratar de um tempo cronológico, mas vivido e revivido emocionalmente(5).

Tendo em vista que o principal serviço prestado é realização e transcrição das entrevistas, os procedimentos necessários para sua operacionalização precisam estar claros e acessíveis a diferentes pessoas, para que se evitem vieses. Ambos os serviços são importantes e merecem atenção, a entrevista porque é a fonte de dados e fundamenta os Resultados, e a transcrição, pois é dela que se expõem os dados brutos, e sua manutenção no relatório final da pesquisa pode, inclusive, impulsionar o leitor a tirar suas próprias Conclusões(6), sejam elas concordantes ou não com a proposta do pesquisador.

Embora muitas vezes idealize-se uma entrevista num local isento de barulhos e de outras pessoas(4), na realidade nem sempre isso é possível. É fato que um ambiente adequado se faz necessário, porém, privacidade é um conceito variável entre diferentes culturas e, portanto, a presença de outras pessoas pode não ser um impeditivo(2). No caso do estudo em questão, por tratar-se de pais de crianças em tratamento, normalmente a criança acompanha a entrevista, e esta é uma situação que o entrevistador deve enfrentar. Dessa forma, coube aos pesquisadores prepará-lo para vivenciar dificuldades e facilidades decorrentes da entrevista não exclusivamente com o entrevistado.

Por fim, em relação ao número de participantes, a TFD não predetermina um quantitativo amostral, que de acordo com este referencial denomina-se amostragem teórica. O que coaduna com o fato de, na pesquisa qualitativa, não buscar-se generalizações estatísticas(2). Desta forma, fez-se necessário negociar com o contratado um número de participantes, o qual, de acordo com a Metodologia, pode ser alterado, inviabilizando um número exato de entrevistas a serem contratadas. Ficou acordado então, entre as partes envolvidas, que este número vai sendo planejado ao longo da pesquisa, e que dada a falta de previsibilidade de prazo ou de número de participantes, o contratado poderia romper com o acordo, devendo, contudo anunciar tal decisão o mais brevemente possível, e caso já houvesse alguma entrevista agendada no momento desta decisão, a mesma deve ser realizada antes que o contrato seja encerrado.

Quarto momento: Treinamento

Realizar entrevista é uma tarefa complexa, por vezes até mesmo ambígua. Exige do entrevistador imersão na subjetividade, sem, contudo, abandonar a objetividade necessária à pesquisa científica(5). Por isso, é possível reconhecer que tal tarefa dependa de experiência de campo(6). Sem essa experiência torna-se indispensável um treinamento adequado, de forma a ambientalizar o entrevistador ao meio acadêmico com foco no objeto de pesquisa e no campo onde as entrevistas serão realizadas.

Ciente dessa necessidade é que se partiu para o momento do treinamento do plano de ação, que ocorreu com diferentes abordagens. Inicialmente realizaram-se reuniões previamente agendadas com os entrevistadores contratados, nas quais foram explanados o tema, objeto, objetivo da pesquisa, bem como o percurso Metodológico que se percorreria para concluir a pesquisa, esclarecendo qual seria a participação do entrevistador externo, sua importância e limitações nesse processo.

Reforçou-se a importância de se conhecer o objeto, objetivo e tese proposta para o reconhecimento dos dados coletados, sua relevância, bem como a condução da entrevista. A ciência destes três itens viabiliza a compreensão do todo que se almeja com os dados, "obrigando-o a colocar-se sempre a escuta do que é dito, e refletir sobre a fala, sua forma e conteúdo, observando tonalidade da voz, clareza, gestos que acompanham a fala ou substituam essa fala"(6:925).

Posteriormente, partiu-se para uma apresentação mais didática, com o uso do recurso de apresentação audiovisual, no qual foram trabalhados desde questões pessoais, tais como aspectos comportamentais, vestimentas, preparo e organização do material utilizado; bem como questões Metodológicas, sobre o que é e como realizar a entrevista e a transcrição, apresentação do instrumento semiestruturado, possibilidade de modificação deste instrumento após cada entrevista, variabilidade na forma de se abordar um mesmo assunto, de acordo com o nível de compreensão dos participantes e com o andamento da entrevista.

Foram discutidos ainda os aspectos éticos envolvidos na pesquisa, o manejo das informações, o sigilo e a confidencialidade. O entrevistador externo foi orientado a como minimizar sua interferência na obtenção dos dados e transcrever com fidedignidade as informações, acrescentando observações não verbais. Reconhece-se que o participante pode sofrer influências, principalmente de cunho emocional decorrentes da entrevista, por reviver situações delicadas ou conflitantes vivenciadas(5). Assim, esse entrevistador foi orientado a como proceder em situações que perceba a necessidade de apoio emocional para os entrevistados. No serviço de referência onde os participantes desta pesquisa foram selecionados há a disponibilidade de apoio profissional psicológico e psiquiátrico.

Quinto momento: Acompanhamento

Não se trata de um momento isolado, na verdade permeia os demais, sendo o sustentáculo para que todos os momentos possam ocorrer a contento, indispensável para que haja comprometimento de ambas as partes para com a pesquisa.

Trata-se de um item de grande relevância, pois, devido ao caráter emergente da pesquisa qualitativa, cabe ao pesquisador a tomada de decisão sobre os direcionamentos da pesquisa principalmente sobre o desenrolar da coleta e análise de dados(2); e essa decisão precisa ser consciente e planejada. Para tal, o contato do pesquisador com o entrevistador deve ser próximo, de forma a esclarecer questões nebulosas, oportunizar o surgimento de dados novos e aperfeiçoar a coleta.

Nesta experiência, o acompanhamento acontece com periodicidade variável, sempre que uma das partes considera necessário ou após cada entrevista; por meio de contato telefônico, uso de recurso eletrônico para troca de mensagens online gratuito via celular, por e-mail e em encontros presenciais. O tipo de recurso utilizado para realizar o acompanhamento é escolhido em comum acordo entre as partes e em função da necessidade ou não de encontro presencial e das demandas surgidas.

As principais demandas tratadas até esta ocasião foram: atualização ou esclarecimentos acerca do instrumento, comunicação da disponibilidade para agendamento de novas entrevistas e informação sobre entrevistas agendadas, transmissão de dados, tais como a entrevista, a transcrição, o novo roteiro e os pagamentos; dúvidas em como tratar determinado assunto durante a entrevista; melhor forma gráfica para transcrição, feedback geral do serviço prestado, bem como sobre o apoio que o contratante oferecia ao contratado.

Os ajustes que se fizeram necessários foram realizados, isto foi possível pelo acompanhamento constante que ocorre; como pode ser exemplificado pela troca da pessoa contratada já mencionada. Ao longo da pesquisa foram necessários novos treinamentos, tanto acerca do objeto e Metodologia, quanto sobre questões práticas de como utilizar recursos eletrônicos para transmissão de dados. Foi realizada adequação aos horários e locais que os participantes preferiam que as entrevistas fossem realizadas, pois, inicialmente propunha-se a realização da entrevista em ambiente hospitalar no dia que o paciente já tivesse algum procedimento ou consulta agendada, posteriormente percebeu-se que estes preferiam que a entrevista fosse realizada em seus domicílios. Nota-se que o percurso para acertar todos os vértices até que esta experiência tivesse êxito não foi tarefa simples, mas com dedicação e comprometimento das partes envolvidas está sendo possível alcançar o sucesso desta proposta.

 

Considerações Finais

Dada a experiência relatada, percebe-se que a possibilidade de utilizar uma pessoa externa à pesquisa qualitativa para realizar a coleta de dados é um desafio, porém é possível e viável, podendo contribuir principalmente quando se tem restrição de tempo. Acredita-se que a apresentação deste plano de ação cria subsídios que apoiem critérios de qualidade e de validade em pesquisa qualitativa, além de facilitar a operacionalização do trabalho, sem, contudo, menosprezar a cientificidade da pesquisa.

Para a implementação deste plano de ação, faz-se necessário expertise do pesquisador, pois requer conhecimento e experiência suficientes para orientar o entrevistador na realização da coleta de dados com o alcance da profundidade indispensável na pesquisa qualitativa. O que inicialmente parecia ser fácil exigiu trabalho, tempo, dedicação e comprometimento. Porém, tornou-se um facilitador à medida que a experiência por si permitiu que houvesse o crescimento pessoal e profissional tanto do pesquisador quanto do entrevistador externo; resultando, ainda assim, em economia de tempo e trabalho.

Entrevistar é complexo, principalmente na pesquisa qualitativa, que não permite um fazer padronizado. Sendo assim, pensar em treinar uma pessoa para tal função, mantendo em mente que o fazer pelo fazer não é suficiente, com certeza apresentaria contradições e dificuldades. No entanto, trata-se de uma alternativa facilitadora, e cabe aos pesquisadores explorá-la e aperfeiçoá-la, tornando seu trabalho menos oneroso física e intelectualmente.

Quanto à oneração financeira, sabe-se que esta pesquisa contou com apoio de financiamento público. O uso de financiamentos, seja público ou privado, é um grande impulsionador na realização de pesquisas, pois possibilita maior liberdade na escolha de alternativas que dispendam gastos, que muitas vezes os próprios pesquisadores não conseguem arcar. Desta forma, faz-se necessário que haja mais incentivos, bem como maior compromisso dos pesquisadores em buscar fontes de financiamento.

 

 

Recebido: 21 de outubro de 2015
Aceito: 18 de dezembro de 2015

 

 

Referências

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