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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.16 no.47 Murcia jul. 2017  Epub 01-Jul-2017

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.16.3.257291 

Originales

Relatos de vida e fotografia de pacientes sedados em UTI: estratégia de humanização possível?

Cristina Aparecida da Silva Ribeiro1  , Monica Martins Trovo2  , Ana Cláudia Puggina2 

1Enfermeira. Mestre em Ciencias pela UNG. Docente da Graduaçao em Enfermagem da Universidade Sao Francisco, Bragança Paulista (SP). Brasil.

2Enfermeira. Doutora em Ciencias. Docente do PRograma de Pós-graduaçao em Enfermagem da UNG, Guarulhos (SP). Brasil.

RESUMO

Objetivos

(1) Identificar a influência da contextualização do paciente sedado por meio de relatos de vida e fotografia na percepção do cuidar da equipe de enfermagem e (2) avaliar a intervenção proposta como uma estratégia de humanização para o cuidado ao paciente sedado.

Método

Pesquisa qualitativa e de intervenção com 43 profissionais da equipe de enfermagem de uma Unidade de Terapia Intensiva. A coleta de dados consistiu de uma entrevista prévia, intervenção (fixação de quadros de pacientes sedados à beira do leito e orientação para que os profissionais os lessem; a intervenção teve duração de 10 dias) e entrevista pós-intervenção. Três quadros foram fixados e estes continham fotografia e relatos de vida dos pacientes levantados por meio de seus familiares.

Resultados

Na pré-intervenção, os discursos mostraram que a interação verbal traz mais segurança durante o cuidado, há razões para preferência do cuidar de pacientes inconscientes, como o desafio da complexidade e a recompensa da recuperação, como a indisponibilidade para atender solicitações frequentes do paciente, o cuidado é valorizado independentemente do nível de consciência, conhecimento sobre aspectos da vida do paciente melhora o envolvimento e há uma preocupação de não julgar o paciente e resgatar o melhor do outro. Na pós-intervenção constatou-se que a contextualização do paciente resgatou elementos importantes para o cuidar, como a emoção promovendo sensibilização, o despertar da empatia com a contextualização, o envolvimento e o compromisso com o cuidado, além disso foi aparente um conflito entre mudar de atitude e sair da defensiva.

Conclusão

A intervenção proposta foi validada como estratégia para humanização no cuidado de pacientes sedados.

Descritores Terapia Intensiva; Enfermagem; Comunicação não Verbal; Humanização da Assistência

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Humanização (PNH) foi criada em 2004 pelo Ministério da Saúde e, desde que foi proposta, tem-se o cuidado para não banalizar o tema, já que iniciativas se apresentam, em geral, de modo vago e associadas a atitudes humanitárias, de caráter filantrópico, voluntárias e reveladoras de bondade e não como um direito à saúde inerente ao cidadão. Além disso, o alvo da PNH não é apenas o usuário, mas também profissionais de saúde e gestores precisam ser considerados nesse proceso1.

A PNH apresenta-se como um conjunto de diretrizes transversais que norteiam toda atividade institucional que envolva usuários ou profissionais da saúde, em qualquer instância de efetuação1. O resultado esperado é a valorização das pessoas em todas as práticas de atenção e gestão, a integração, o compromisso e a responsabilidade de todos com o bem comum.

A humanização dos cuidados em saúde pressupõe considerar a essência do ser, o respeito à individualidade e a necessidade da construção de espaços concretos nas instituições de saúde que legitimem a essência humana das pessoas envolvidas. O cuidado humanizado implica, por parte do cuidador, a compreensão do significado da vida, a capacidade de perceber e compreender a si mesmo e ao outro2.

Considerando a complexidade do tema, humanizar a assistência em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é um grande desafio e significa cuidar do paciente em sua integralidade, considerando o contexto pessoal, familiar e social. Para tanto, são fundamentais a atuação ativa da equipe de enfermagem e a utilização da comunicação interpessoal como instrumento para o cuidado. Neste sentido, o atendimento humanizado se faz com ações simples, pautadas na comunicação verbal e não verbal3. As boas relações interpessoais entre a equipe de enfermagem, o paciente e sua família devem-se associar a tecnologia avançada do cuidado crítico para garantir uma assistência com qualidade, do ponto de vista ético, psicossocial e espiritual.

Principalmente devido à alteração do nível de consciência dos pacientes sedados, o cuidado humanizado em UTI tem sido tema de discussões de especialistas. Partindo do pressuposto que o cuidado em saúde deve considerar a essência do ser, o respeito à individualidade e as pessoas envolvidas neste processo, o enfermeiro precisa avaliar o estado físico, mental, psíquico, social, cultural e espiritual dos pacientes sedados e do seu núcleo familiar, para assim focar na recuperação e promoção da saúde4.

Propostas de ação para humanização do paciente sedado em UTI são necessárias, imprescindíveis e, muitas vezes, simples. Tratar o paciente pelo nome, colocando identificações na cabeceira, ao pé da cama ou próximo à entrada do quarto; explicar os procedimentos que serão realizados com antecedência, independentemente do nível de consciência do paciente; estar atento aos sinais não verbais emitidos pelos pacientes e desenvolver a percepção de quando algo agrada ou incomoda; preservar a privacidade e a confiança do paciente, evitando comentários pessoais sobre ele ou outro paciente na UTI ou nos elevadores; usar tom de voz adequado para questionar o paciente sobre aspectos de sua intimidade; tomar cuidado para não invadir o território do paciente sem pedir licença; olhar sempre nos olhos antes de iniciar uma conversa ou procedimentos5.

Entretanto, sem mudança de atitude na relação com o outro, é impossível humanizar o cuidado. O profissional precisa atentar-se quanto às palavras que utiliza nas conversas, prestar atenção no outro, ouvir o que o paciente fala sem deixar o pensamento divagar, cumprimenta-lo com um sorriso ou aperto de mãos e perceber os sentimentos e as necessidades do paciente. E, além disso, também se faz necessário ampliar a percepção para todas as dimensões do cuidado: o paciente, a família e a equipe, em seus aspectos biológico, emocional, espiritual e social (6.

A estratégia de humanização proposta neste estudo se refere à ação de contextualização do paciente sedado, utilizando para tanto fotografia e relatos de vida disponibilizados pela família do paciente. Tem como finalidade aprimorar a qualidade de relacionamento interpessoal, por meio do fortalecimento do vínculo com o profissional que realiza o cuidado.

A fotografia tem o poder de impressionar, comover, incomodar e provocar sentimentos diferentes. É uma mensagem que se processa por meio do tempo, cujas unidades constituintes são culturais, assume funções com significados diferentes, de acordo tanto com o contexto no qual a mensagem é veiculada quanto com as linguagens não verbais expostas e registradas6. Por meio da fotografia existe uma memória visual que é pensada e sentida, coletivamente ou de forma individual, historicamente construída em um contexto; percebida como mensagem composta por sistemas de signo não verbais, social e individualmente compreendidos por meio de códigos, cuja interpretação possibilita a análise de certas ações e relações humanas socialmente determinadas7,8.

Por meio dos relatos de vida, pode-se caracterizar um grupo ou um indivíduo, trazendo à tona valores, definições e atitudes do grupo e do contexto ao qual o indivíduo pertence9. Os relatos de vida trazem a temporalidade das relações culturais e sociais; isto é, constroem historicamente o modo de vida e as relações estabelecidas, oferecendo a possibilidade de compreensão da vivência e contexto do indivíduo, pois permitem a descoberta, exploração e avaliação de como as pessoas compreendem seu passado, vinculam sua experiência individual a seu contexto social, interpretam-na e lhes dão significado10.

OBJETIVOS

  1. Identificar a influência da contextualização do paciente sedado sobre a percepção do cuidar da equipe de enfermagem.

  2. Avaliar a intervenção proposta como uma estratégia de humanização para o cuidado ao paciente sedado.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de intervenção, com delineamento qualitativo. O estudo foi realizado com a equipe de enfermagem de uma UTI Adulto Geral, em hospital público do estado de São Paulo. A UTI possui 16 leitos e a população é constituída por 43 profissionais de enfermagem: 20 auxiliares de enfermagem, 13 técnicos de enfermagem e 10 enfermeiros.

Optou-se por estudar apenas a equipe de enfermagem, pois o tempo de permanência com o paciente, o tipo de cuidado e a formação do vínculo podem ser vieses consideráveis na análise dos resultados.

Os critérios de inclusão dos profissionais de enfermagem no estudo foram: ser enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem da UTI selecionada e estar cuidando diretamente ou já ter prestado assistência pelo menos uma vez a um paciente incluído na pesquisa.

Após aprovação do projeto de pesquisa por Comitê de Ética em Pesquisa (parecer número 663.343/2014), os profissionais foram individualmente recrutados para participar do estudo durante momentos de sua jornada de trabalho em que estavam disponíveis ou realizando suas anotações. Houve a apresentação dos objetivos da pesquisa e, após assinatura da Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o participante foi questionado quanto ao melhor momento para conceder entrevista e a pesquisadora ficou à disposição.

A coleta de dados consistiu em uma entrevista prévia, intervenção e entrevista pós-intervenção. O período de coleta de dados foi de julho a agosto de 2014.

Primeiramente os profissionais responderam a entrevista pré-intervenção. Estes foram questionados quanto ao gênero, idade, profissão, escolaridade, religião e duas questões, que foram gravadas: Você prefere cuidar de pacientes conscientes ou inconscientes? Por quê? Você acha que conhecer dados de vida dos pacientes sedados modificaria seu jeito de cuidar?

Após todos serem entrevistados, iniciou-se a intervenção. Esta consistiu-se da fixação de quadros de pacientes sedados à beira do leito e orientação para que os profissionais os lessem. Foram elaborados três quadros de pacientes nesta pesquisa. Os quadros continham fotografia e relatos de vida dos pacientes levantados por meio de seus familiares. O critério da escolha do familiar foi feito por meio de um genograma. O objetivo do uso do genograma foi identificar o familiar com vínculo mais forte com este paciente, tentando evitar qualquer tipo de exposição indevida ou constrangimento para o paciente sedado.

Foi sugerido ao familiar escolher uma foto atual do paciente, com enquadramento meio corpo, realizando algo que goste ou em um momento de alegria. Fotos com enquadramento rente ao rosto ou muito distantes dificultam a visualização adequada da pessoa em determinado contexto, por isso não foram consideradas. Os familiares enviaram a foto por e-mail para a pesquisadora. Assim, em posse da foto, foi elaborado um quadro com a mesma, seguido de informações pessoais e da vida cotidiana do paciente: nome, escolaridade, características marcantes, religião, profissão, hobbies, gosto musical e um momento de alegria.

Os critérios de inclusão dos pacientes foram: pacientes em sedação profunda (Escala de Sedação de Ramsay 5 ou 6), sem perspectiva de mudança no padrão de sedação nos próximos dias, para que os quadros permanecessem fixados no mínimo 48h, dando tempo de serem vistos pela equipe, pacientes com 18 anos ou mais, devido ao uso de fotografia no estudo.

Em um intervalo de 10 dias, pacientes sedados foram incluídos na pesquisa ou tiveram os quadros retirados. Este período foi escolhido para que os profissionais tivessem oportunidade de visualizar alguns quadros e se acostumar com a intervenção. Como foi avaliada neste estudo a percepção sobre o cuidado, este precisa de tempo para ser modificado e/ou incorporado.

Após a intervenção, foi realizada entrevista estruturada pós-intervenção com os participantes da equipe de enfermagem, sendo realizadas duas perguntas, que foram gravadas: Que sentimentos surgiram quando você viu os quadros com os relatos de vida e fotografia dos pacientes? Conhecer algo sobre a vida dos pacientes sedados mudou o seu jeito de cuidá-los? As falas foram transcritas na íntegra e analisadas segundo o referencial metodológico de Análise de Conteúdo11.

RESULTADOS

Participaram da fase pré-intervenção 43 profissionais da equipe de enfermagem, com idade média de 33,33 (±7,3) anos. Entretanto, na fase pós-intervenção 5 (11,63%) participantes não responderam à entrevista por motivo de férias, demissão, licença médica ou transferência de setor.

A maioria dos profissionais era do gênero feminino (n=32; 74,42%), com ensino técnico (n=24; 55,81%) e católicos (n=27; 62,79%). Quanto ao estado civil, a maior frequência foi de casados (n=21; 48,84%). Com relação à formação, maior frequência foi de auxiliares de enfermagem (n=20; 46,51%), seguido dos técnicos de enfermagem (n=13; 30,23%) e enfermeiros (n=10; 23,26%).

Categorias pré-intervenção

Por meio da análise do discurso dos participantes pré intervenção foram identificadas cinco categorias temáticas e duas subcategorias (Figura 1).

Figura 1 Categorias temáticas encontradas na entrevista pré-intervenção. Guarulhos, 2014. 

Categoria I - Interação verbal traz mais segurança durante o cuidado

Nesta categoria evidenciou-se que a expressão verbal do paciente consciente é fator facilitador da relação e preditivo para o cuidado, porque nesta situação o profissional tem a oportunidade de conhecer melhor o paciente, obter feedbacks do cuidado prestado e ser mais assertivo.

“Conscientes, conscientes, conscientes porque a gente tem contato e consegue dialogar com ele, é com melhora, o que ele está esperando do tratamento, conseguimos expor para ele... porque ele está na UTI, esclarecer o porque ele está aqui, quantos dias ele vai ficar, qual a recuperação provável para ele...” (profissional nº 1).

“Conscientes, porque eles estando conscientes, nós conseguimos analisar, verificar a real necessidade dele, para se obter um melhor atendimento, qualidade no atendimento” (profissional nº 10).

“O paciente consciente ajuda melhor, a gente saber o que ele tem, entendeu? Se ele está com dor, sabemos o que fazer” (profissional nº 12).

Categoria II - Razões para preferência do cuidar de pacientes inconscientes

Subcategoria 1 - O desafio da complexidade e da recompensa da recuperação

Nesta subcategoria a preferência do profissional de enfermagem em cuidar dos pacientes inconscientes surge pela satisfação com o acompanhamento da recuperação do paciente e por toda complexidade envolvida neste cuidado. A recuperação do paciente sedado mostra-se um reconhecimento do trabalho do profissional.

“Inconsciente. O porque não sei dizer, eu prefiro inconsciente porque acho que é mais complexo, tem como você entender mais... mais a fundo, você tenta descobrir dor, essas coisas...se percebe mais... eu prefiro mais...por ser complexo” (profissional 5).

“Eu prefiro cuidar de pacientes inconscientes, já é um hábito aqui na UTI, eu gosto de acompanhar a evolução do quadro, assim quando ele entra inconsciente para mim, eles saem daqui muitas vezes consciente na maioria dos casos. É gratificante para mim” (profissional nº 11).

“Ah! Eu prefiro cuidar do paciente inconsciente, eu gosto porque é muito lindo! Muito lindo! Quando ele volta a ser consciente, vendo ele saindo do leito e indo embora, entendeu? Para mim é muito gratificante” (profissional nº 31).

Subcategoria 2 - Indisponibilidade para atender solicitações frequentes do paciente

Esta subcategoria denota insatisfação e incômodo dos profissionais participantes com solicitações frequentes, queixas e participação do paciente no seu próprio cuidado. Relato que diverge da responsabilidade ética e profissional da enfermagem; entretanto surge muitas vezes de um dimensionamento profissional inadequado em UTI e de sobrecarga no trabalho, tanto física quanto emocional da equipe de enfermagem.

“Ah... [pausa] inconsciente para ser sincero... [pausa] Ah, porque só pelo fato de ter mais facilidade de manipular, para mexer entendeu? Na minha opinião é que... não fica tipo chamando toda hora... [pausa]. Na minha opinião é isso” (profissional n° 2).

“Oh! Geralmente aqui em UTI a gente acaba acostumando com o paciente... [gagueira] inconsciente né, porque na verdade ele toma pouco tempo assim, dá mais trabalho em termo de você preparar a droga, essas coisas, mas você medicou... fez todos os cuidados que tem que ser feito, protegeu o paciente de úlceras essas coisas, acabou. Ele não vai ficar, ‘ah quero água’, ‘oh vira aqui, está doendo aqui’! Entendeu? É bem assim” (profissional n°14).

“É.... [pausa] na verdade, não tenho essa preferência, eu estou nesta profissão para promover o cuidado, então eu não tenho essa preferência, eu gosto de ambos, porque o paciente quando ele está sedado, é.... [pausa], ele não tem, um... [pausa], não fica tentando se intrometer no serviço, essas coisas, mas por mim não tenho preferência não” (profissional n° 41).

Categoria III- O cuidado valorizado independentemente do nível de consciencia

Nesta categoria os entrevistados relataram não se importar com o estado de consciência dos pacientes, o que importa realmente é cuidar. Os profissionais de enfermagem relataram prazer e carinho na realização dos cuidados dos pacientes, elementos importantes para o cuidado humanizado.

“Eu gosto de cuidar dos dois tipos de pacientes, porque em uma UTI eu convivo com os dois momentos, o primeiro momento que ele está inconsciente e o segundo momento consciente, então eu acho que os dois momentos são muitos importantes, então valorizo os dois” (profissional nº 20).

“Ah! Eu gosto do que eu faço então eu não tenho preferência não, eu cuido e procuro cuidar o melhor dos dois jeitos, não tenho preferência” (profissional nº 22).

“Olha... Eu cuido dos dois com o mesmo carinho, então eu não tenho uma escolha específica, para mim tanto faz! Assim os cuidados e o carinho serão os mesmos” (profissional nº 23).

Categoria IV - Conhecimento sobre aspectos da vida do paciente melhora o envolvimento

Nessa categoria o profissional relata maior envolvimento no cuidado prestado ao saber de aspectos positivos da vida do paciente. Conhecer o outro envolve a inserção dessa pessoa na memória e consciência de alguém; assim, as falas dos participantes denotam que a partir do momento em que o profissional conhece alguns aspectos da vida do paciente torna-se mais fácil o envolvimento.

“Acho que sim... Sim, porque isso dá mais é... [pausa] acho que... [pausa] mais envolvido assim na...[pausa] você fala relatos de vida... Você fica mais envolvido...[pausa] para cuidar do paciente entendeu? Na maioria você não sabe de nada mesmo, se faz o que tem que fazer e pronto, entendeu? Mas... Acho que sim” (profissional n°2).

“Sim, porque... [pausa] parece que não mas é, as vezes a questão até mesmo cultural né, é do paciente, estilo de vida, ele impacta diretamente e indiretamente no cuidado” (profissional n° 10).

“Sim, claro facilita. Mais claro, [pausa] é quanto mais conhecimento melhor para cuidar do paciente” (profissional n° 13).

Categoria V - Preocupação de não julgar o paciente e resgatar o melhor do outro

Os discursos dos participantes evidenciam nesta categoria que independente de conhecerem aspectos da vida do paciente que possam ser positivos ou não, o cuidado ofertado seria o mesmo. Contudo, denotam nas entrelinhas a preocupação em não julgar o paciente.

“Não, não modificaria porque independente do que ele foi ou fez, ou que aconteceu com ele por ele estar aqui isso não modificaria no meu cuidar. Indiferente... A gente tem que tratar aqui todos iguais” (profissional nº 6).

“... a partir do momento que a pessoa está aqui, é cuidada como qualquer outra pessoa, independente de religião, de cor, de sexo, de qualquer coisa. É indiferente, pode ser um ex presidiário, como presidiário, ele está aqui para a gente cuidar. Então, a gente entrou na área da saúde... já tenho a ciência disso, que a gente teria que cuidar da pessoa em si, do cliente em si, independentemente do que ele foi lá fora ou do que ele é lá fora (profissional n° 17).

“Acho que não, acho que... [pausa], independente da história de vida de cada um o meu cuidado vai ser sempre o mesmo assim, para o bem do paciente, não mudaria” (profissional n°26).

Categorias pós-intervenção

Após a intervenção foram identificadas três categorias temáticas e duas subcategorias (Figura 2).

Figura 2 Categorias temáticas encontradas na entrevista pós-intervenção. Guarulhos, 2014. 

Categoria I - A contextualização do paciente resgatou elementos importantes para o cuidar

Essa categoria mostra que após a intervenção da exposição da fotografia e relatos de vida profissionais citaram aspectos fundamentais para o cuidado: emoção, empatia e fortalecimento do vínculo com o paciente. Isto denota o resgate dos elementos básicos para o cuidar humanizado, envolvendo sentimentos no fazer e promovendo maior sensibilização do colaborador de enfermagem, aumentando o compromisso e envolvimento com a assistência de pacientes sedados.

Subcategoria 1 - A emoção promovendo sensibilização

Foi possível apreender que após a intervenção os profissionais mostraram-se sensibilizados e expressaram diversos tipos de emoção ao responderem a entrevista, tais como compaixão e carinho.

“Ah! Muito emocionante! Muito bacana de saber que o nosso trabalho é gratificante, né? E que pode ajudar a cura de quem veio procurar” (profissional nº 3).

“Eu acho que nos tornou mais sensível, não que eu não seja, mas como você tem o hábito do dia a dia, como eu posso dizer, você pensa naquela pessoa, na vida ativa que ele tinha antes de ficar doente, e nos torna mais sensível e colabora no atendimento sim, positivamente” (profissional nº 11).

“Momento de sensibilidade, acho que aproximou mais é... de alguma forma mexeu com o humano, e menos técnico” (profissional nº 13).

Subcategoria 2 - O despertar da empatia com a contextualização

Nesta subcategoria denota-se que a sensibilização dos profissionais anteriormente descrita possibilitou o despertar da empatia, com relatos de maior compreensão do outro, colocando-se no lugar do paciente e familiares.

“Que tipo de sentimento? Ah! Bem triste porque me coloquei no lugar da família, principalmente do leito 12, não sei se você chegou a ver aquele que a esposa estava grávida de gêmeos, foi bem triste viu...” (profissional n° 15).

“Ah! Da muita pena né? Pena, dó, a gente se coloca no lugar dele e vê que eles fora daqui tem uma vida, uma família, tem uma vida lá fora né? Dá muita pena...” (profissional nº 34).

“Ah sim, muda porque você passa a respeitar mais ainda, [gagueira] o paciente como ser humano, né? Então a visão, ela te dá um chacoalhão, você para pra pensar, não fica aquela coisa mecânica que as vezes a gente acaba caindo. É isso aí!” (profissional nº 10).

Subcategoria 3 - O envolvimento e o compromisso com o cuidado

Os participantes relataram melhora do comprometimento, individualização e motivação no cuidar após a intervenção e consequente sensibilização e despertar da empatia. Este fortalecimento do compromisso e maior envolvimento proporcionam o desenvolvimento de vínculos fortes com o ser cuidado, como denotam as falas seguintes.

“Ah! Melhorou bem mais, assim, [pausa] para a gente poder cuidar deles, e ter mais contato com a família também, saber o que... [pausa] na hora de agir, saber um pouco mais o sentimento que a família está sentindo ali, deduz um pouco mais, mais foi bom, legal, gostei” (profissional nº 12).

“É eu achei que o comprometimento fica maior, quando a gente toma conhecimento da vida pessoal do paciente, o serviço fica mais intensificado, a gente fica mais motivado a fazer melhor cada vez mais” (profissional nº 19).

“Surgiu um sentimento de que ele está realmente integrado em uma família, ele tem uma vida, ele é uma pessoa que tem um nome, um endereço, tem todo um contexto de uma história. Ele não é apenas um número, um leito e tal que ele está deitado. Ele é uma pessoa que tem toda uma história, uma vida e isso faz nos sensibilizarmos, para que possamos recuperar, para que ele possa voltar para o convívio da família que tão ansiosa está esperando por ele” (profissional nº 20).

Categoria II - Conflito entre mudar de atitude e sair da defensiva

Nesta categoria evidencia-se a dificuldade dos profissionais de enfermagem em conscientizar-se e assumir mudança de atitude no cuidado depois da contextualização do paciente. Esta dificuldade pode ser percebida por contradição no decorrer do discurso. Os profissionais iniciam o discurso referindo que a intervenção não mudou o jeito de cuidar, mas logo em seguida relatam novos fatos e fatores positivos em seu fazer, oriundos da contextualização.

“Na realidade não mudou né? A gente cuida como sempre cuidou, mas é na parte mais psicológica, mais legal, gostei de conhecer um pouco mais da vida deles, pelo menos um pouquinho” (profissional nº 2).

“O jeito de cuidar não, mas assim, foi bem importante saber o que ele fazia, porque às vezes a gente vê o paciente e faz uma ideia totalmente diferente da vida dele e ali a gente teve como ver e saber o que ele faz, é bem interessante” (profissional nº 9).

“Eu diria que meu jeito de cuidar do meu paciente, é muito difícil mudar. Porque eu sou uma pessoa humana, eu olho para o meu paciente e vejo ele que por alguma circunstância, motivo de saúde, ou acidente, está naquela situação. Mas é sempre bom conhecer um pouco mais das pessoas. Isso nos fazem entender melhor, e podemos melhorar o atendimento àquela pessoa, porque é muito bom conhecê-las” (profissional nº 20).

DISCUSSÃO

Nas categorias pré-intervenção evidenciadas pelos discursos foi possível identificar contradições que permeiam as ações de cuidar dos profissionais, que referem valorizar o cuidado de maneira igualitária com pacientes conscientes e inconscientes, contudo apontam predileção por indivíduos inconscientes e pouca disponibilidade para interação e escuta, elementos fundamentais para a humanização do cuidado. Apesar de reafirmarem compromisso com o cuidado e necessidade de sentir-se participante ativo e útil deste, os participantes denotam em suas falas repletas de pausas pouca reflexão sobre a temática e predomínio da visão tecnicista.

Destaca-se no contexto do cuidado ao paciente crítico e sedado a falsa ilusão de que este cuidado é menos trabalhoso. A complexidade das ações de cuidado físico com estes pacientes requer exímio conhecimento técnico e responsabilidade para manter as funções básicas e suprir necessidades fisiológicas primárias. Assim, há direcionamento para os cuidados envolvendo manutenção de vias aéreas permeáveis, avaliação neurológica, controle do equilíbrio hidroeletrolítico, além de manter membranas mucosas orais intactas, integridade cutânea e controle rigoroso de sinais vitais. Contudo, mesmo sabendo da complexidade de ações procedimentais envolvidas, os profissionais entrevistados denotam que o relacionamento humano e a comunicação constituem as partes mais difíceis do cuidar.

Cuidar de pacientes críticos torna-se gratificante porque o profissional se sente útil e capaz de amenizar o sofrimento das pessoas por meio do cuidado individualizado. Respeitar a singularidade dos pacientes e seus familiares, nesse momento crítico de suas vidas, significa respeitar profundamente sua condição humana. Os equipamentos utilizados em cuidados intensivos, como por exemplo os monitores hemodinâmicos, contribuem para melhor qualidade na assistência prestada, entretanto, elementos essenciais são necessários para um cuidado humanizado, tais como empatia, receptividade e disponibilidade para escutar, dialogar e tocar12.

É possível identificar que a intervenção despertou nos profissionais participantes aspectos e sentimentos positivos e importantes para o cuidar, tais como emoções, empatia e vínculo. Contudo, alguns profissionais denotaram dificuldades em assumir mudança no cuidado após a contextualização do paciente, situação que ficou evidente por contradições no discurso. Assim, infere-se que a intervenção contribuiu para que os participantes percebessem e refletissem sobre aspectos individuais do paciente sedado, o que pode favorecer o trabalho mais humanizado no cuidado destas pessoas.

O cuidado envolve responsabilidade, interesse e comprometimento moral, características exclusivas humanas, sendo uma expressão da humanidade, o cuidado é essencial para o desenvolvimento e realização das pessoas como seres humanos melhores13. Na enfermagem o cuidado significa um ideal moral, que envolve o resgate de características humanas durante o ato de cuidar, colocar-se no lugar do outro a fim de melhor compreender o que este outro vivencia, com responsabilidade e ética14.

O uso da fotografia no processo de humanização tem associação imediata à realidade do indivíduo. A fotografia funciona na mente humana como uma espécie de passado preservado, lembranças de certos momentos, congelados contra a marcha do tempo, proporcionando o reviver de sentimentos positivos ou negativos, dependendo da imagem que se visualiza10.

Conhecer aspectos da vida dos pacientes os individualiza, pois narra sua memória em momentos importantes, contribuindo para mostrar a importância do ser humano em seu contexto, fortalecendo o vínculo entre cuidador e paciente. Relatos da vida também possibilitam uma visão individual, porque trazem informações sobre a sociedade em que essa pessoa está inserida, sobre seus valores sociais e culturais, possibilitando a melhor compreensão desses processos e das relações envolvidas9.

Um estudo de abordagem qualitativa afirma que informações da vida de um indivíduo possui um papel fundamental nas relações entre os seres humanos, pois influencia a consciência que o ser tem de si mesmo e dos outros, sendo esta percepção expressa pela linguagem, possibilitando a percepção do passado social à vida de depoentes e leitores, que passam a entender a sequência histórica e a se sentirem parte do contexto15.

A emoção é uma experiência subjetiva, associada a temperamento, personalidade e motivação, que acontece em todos os relacionamentos que despertam interesse no ser humano16. É seu despertar nas relações que possibilita a formação de vínculos, essencial no processo de interação. Assim, é relevante destacar a importância do compromisso emocional dos profissionais com aqueles que requerem ajuda, reconhecendo e considerando relevantes suas manifestações de sofrimento, medo, angústia, desespero, entre outros sentimentos17.

Considera-se que realizar uma intervenção como esta, sem preparo emocional do profissional, pode ser preocupante, porque pode despertar emoções que precisarão ser reconhecidas e trabalhadas. Refletir sobre o outro vincula à reflexão sobre si próprio, as consequências e limites do seu fazer laboral, o que pode trazer à tona sofrimento e frustração do profissional, que lida diariamente com situações complexas. Não saber lidar com uma situação difícil pode ter como consequência imediata o distanciamento do indivíduo como defensiva. Mostra-se fundamental, deste modo, pensar em estratégias para acolher e cuidar emocionalmente da equipe depois que ela é sensibilizada e envolvida pela história e imagem do paciente sedado.

Não foi possível diferenciar as percepções em relação a intervenção nas diferentes categorias profissionais (enfermeiro, técnico e auxiliares de enfermagem), assim como os participantes não foram caracterizados em relação ao tempo de experiência. Isto pode configurar-se limite da pesquisa, pois a função e tempo de formação podem influenciar no envolvimento. Entretanto, vale ressaltar que inteligência emocional é diferente de inteligência intelectual; ou seja, desenvolvimento emocional não está vinculado à idade e não acompanha necessariamente o grau de escolaridade. O desenvolvimento da inteligência emocional é cada vez mais importante para o bom desempenho no ambiente de trabalho e pode estar relacionado ao fato de que pessoas com melhor gerenciamento de suas próprias emoções são possivelmente mais sucedidas no trabalho e tem mais qualidade de vida18.

CONCLUSÕES

A contextualização do paciente sedado melhorou a percepção do cuidar da equipe de enfermagem, pois despertou sentimentos positivos e importantes para o cuidar.

A intervenção proposta foi validada como estratégia para humanização no cuidado de pacientes sedados, podendo ser considerada efetiva no que ela se propõe: uma sensibilização dos profissionais sobre a necessidade de humanização e como uma primeira etapa para mudança de atitude.

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Recebido: 28 de Abril de 2016; Aceito: 08 de Agosto de 2016

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