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Enfermería Global

On-line version ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.18 n.54 Murcia Apr. 2019  Epub Oct 14, 2019

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.2.324811 

Originais

Violência contra mulheres rurais: concepções de profissionais da rede intersetorial de atendimento

Gabriela Bervian  , Marta Cocco da Costa  , Ethel Bastos da Silva  , Jaqueline Arboit  , Fernanda Honnef 

1Enfermeira da Prefeitura Municipal de Ibiaçá, RS. Brasil

2Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal de Santa Maria - Campus Palmeira das Missões, RS, Brasil.

3Enfermeira. Doutora em Ciências. Docente da Universidade Federal de Santa Maria - Campus Palmeira das Missões. RS, Brasil.

4Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria – Campus Santa Maria. RS, Brasil.

5Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria – Campus Santa Maria. RS, Brasil.

RESUMEN:

Introdução:

A violência contra mulheres tanto em áreas rurais quanto urbanas requer para seu enfrentamento a articulação de diferentes setores, por meio de uma rede de atendimento

Objetivo:

Conhecer as concepções de profissionais da rede de atendimento acerca da violência contra mulheres rurais

Método:

Pesquisa qualitativa, realizada com 26 profissionais da rede de atendimento às mulheres rurais em situação de violência em quatro municípios do Rio Grande do Sul, Brasil. A geração de dados ocorreu através de entrevistas semiestruturadas, sendo analisadas pela análise de conteúdo temática

Resultados:

Os profissionais relacionavam a violência contra as mulheres rurais a aspectos culturais, geracionais e heterogeneidades de gênero, que naturalizam a violência. Apontavam os diferentes tipos de violência vivenciados, desde a violência física, psicológica, moral, sexual, dependência, privação de liberdade até as jornadas de trabalho intensas

Conclusões:

Os achados reforçam as desigualdades de gênero que perpetuam a subjugação e submissão das mulheres rurais

Palabras clave: Violência; Violência contra a mulher; Saúde da mulher; Saúde da população rural; Colaboração intersetorial

INTRODUÇÃO

A violência contra as mulheres é um problema global de saúde pública, que afeta aproximadamente um terço das mulheres no mundo, ferindo seus direitos humanos, restringindo sua participação plena na sociedade e repercutindo em sua saúde e bem-estar.1É definida como qualquer ato de violência que ocasione danos físicos, sexuais ou psicológicos às mulheres.2

No Brasil, dados revelaram que 29% das mulheres vivenciaram alguma situação de violência ao longo da vida. Quanto aos tipos de violência, a física foi citada por 67% das mulheres, seguida da psicológica por 47%, da moral por 36% e da sexual por 15% destas.3

A violência está presente na vida das mulheres tanto no cenário urbano, quanto no rural. Neste último apresenta especificidades que a agravam, impondo limites ao seu enfrentamento. Dentre estes, o afastamento dos recursos coletivos para busca de ajuda e apoio, somado às distâncias geográficas dos centros urbanos, onde esses recursos encontram-se.4 5

Outro limite refere-se às características das relações entre homens e mulheres no cenário rural, permeadas pelo machismo, autoritarismo e heterogeneidades de gênero.6Este contexto de adversidades e exclusão coloca as mulheres rurais em uma condição que favorece a violência.

Diante da complexidade e do caráter multidimensional da violência contra a mulher, sua prevenção e enfrentamento requerem a articulação de diferentes setores, por meio da rede de atendimento. Esta se refere à atuação articulada entre instituições/serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, perpassando diversas áreas como saúde, educação, segurança pública, assistência social e cultura.7

Frente à problemática e a meta mundial de eliminação de todas as formas de violência contra mulheres e meninas no mundo8busca-se subsídios para desenvolver respostas à violência contra as mulheres no cenário rural, partindo das concepções de profissionais da rede de atendimento.

Assim, tem como questão norteadora: Quais as concepções de profissionais da rede de atendimento acerca da violência contra mulheres rurais? E como objetivo: conhecer as concepções de profissionais da rede de atendimento acerca da violência contra mulheres rurais

MATERIAL E MÉTODO

Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa, desenvolvida em quatro municípios do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Participaram profissionais, gestores e/ou responsáveis de serviços da rede de atendimento às mulheres rurais em situação de violência. Como critérios de inclusão elencaram-se: ser profissional, gestor e/ou responsável em um dos serviços e atuar no cargo há mais de seis meses. E critério de exclusão: estar em férias ou em licença de qualquer natureza no período de geração dos dados

Inicialmente, a pesquisadora responsável entrou em contato com os gestores ou responsáveis pelos serviços, sendo elaborada uma lista dos possíveis participantes, que posteriormente foram contatados para agendar um encontro, a fim de convidá-los a participar da pesquisa. Este encontro ocorreu nos serviços em que os participantes atuavam, em horário previamente agendado. Após estes procedimentos, constituíram o estudo 26 participantes

As áreas e serviços nos quais estes atuavam eram: agricultura - Secretaria Municipal da Agricultu ra e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural; assistência social - Centro de Refe rência de Assistência Social, Centro de Referência Especializado Assistência Social e Conselho Municipal da Mulher; saúde - Coordenadoria Regional de Saúde e Secreta ria Municipal de Saúde; educação - Secretaria Municipal de Educação; e polícia - Delegacia de Polícia Civil. Destaca-se que com exceção da área da saúde, por meio de Unidades de Estratégia de Saúde da Família, os demais serviços se localizavam no cenário urbano dos municípios

Quanto à caracterização dos participantes, 18 (69,2%) eram mulheres e oito (30,8%) homens. Em relação à formação, 23 (88,5%) possuíam ensino superior completo e três (11,5%) ensino médio completo. Quanto às áreas nas quais os participantes atuavam, sete (26,9%) atuavam na agricultura, seis (23,1%) na assistência social, cinco (19,2%) na saúde, cinco (19,2%) na policial e três (11,6%) na educação.

Para a geração de dados utilizou-se entrevistas semiestruturadas para as quais foi construído um roteiro contendo dois eixos: o primeiro composto por questões fechadas relacionadas aos dados sociodemográficos e de formação dos participantes; o segundo constituído por questões abertas acerca do objeto de estudo

As entrevistas tiveram agendamento prévio, sendo realizadas individualmente em local reservado no próprio serviço. Foram gravadas (áudio), durando em média uma hora. A geração de dados ocorreu de dezembro de 2013 a junho de 2014 e foi encerrada com base no critério da saturação temática.9

Para análise dos dados optou-se pela análise de conteúdo temática constituída por três polos cronológicos.10Antes de iniciá-la foi realizada a transcrição na íntegra do material empírico, constituindo ocorpusda pesquisa. No primeiro polo, pré-análise, foi realizada a escuta atentiva das gravações e leitura flutuante docorpus. No segundo polo, exploração do material, houve o recorte/codificação do corpus em unidades de registro e unidades de contexto. Após, as unidades de registro foram reunidas por semelhanças de sentido e relidas, constituindo as categorias. No terceiro polo, tratamento dos resultados, inferência e interpretação, foram propostas inferências e interpretações acerca dos resultados.10

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Local sob o Parecer n. 514.865. Atendeu aos preceitos éticos da Declaração de Helsinki e da Resolução nº 466/ 2012 do Conselho Nacional de Saúde, que se aplica a estudos com seres humanos. Assim, os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa, através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi assinado em duas vias. Tendo em vista a garantia do anonimato, os participantes foram identificados com a letra “P” de participante seguida de algarismo numérico crescente para representar a sequência das entrevistas realizadas e da unidade de registro correspondente

RESULTADOS

Da análise dos dados, emergiram duas categorias: Violência contra mulheres rurais: aspectos culturais e geracionais, heterogeneidades de gênero e naturalização, e Violência contra mulheres rurais: os diferentes tipos de violência a que estão submetidas

As concepções dos profissionais são respaldadas pela “nuvem de palavras” (Figura 1), cujas palavras expressam a essência das ideias centrais do estudo

Figura 1 Representação “nuvem de palavras” a partir da consulta de frequência de palavras. Palmeira das Missões, RS, Brasil, 2018 

Violência contra mulheres rurais: aspectos culturais e geracionais, heterogeneidades de gênero e naturalização

Esta categoria reúne achados que apontam que a violência contra as mulheres rurais está relacionada a aspectos culturais e geracionais e às heterogeneidades de gênero, o que leva à naturalização da violência

Os participantes revelaram que a violência contra as mulheres rurais está ligada as questões culturais que se perpetuam no cenário rural. Citaram que esta violência é vivida por várias gerações dentro da mesma família

[no rural]parece que elas aceitam isso[violência]por ser cultural.(P7UR1)

Muitas mulheres veem como uma normalidade, porque, meu pai batia na minha mãe também.(P2UR8)

Tem a questão cultural, que elas[mulheres rurais]entendem que merecem[a violência]porque aconteceu com a minha mãe, vai acontecer com a minha filha.(P26UR6)

Aquela mulher foi criada naquele sistema de violência e não consegue discernir o que é uma violência e o que não é. (P3UR3)

Outro aspecto se refere às relações entre homens e mulheres no cenário rural, pautadas no machismo, patriarcado e na dominação masculina, que tradicionalmente naturalizam a superioridade do homem e a submissão da mulher

A violência contra a mulher é muito da questão machista.(P21UR6)

Eu sou homem, você tem que ser submissa. (P12UR2)

O controle patriarcal do homem existe. (P19UR2)

Pelo fato de conviver desde a infância com a violência na família, muitas mulheres rurais acabam não reconhecendo tais situações como uma violência, naturalizando-as

Eu enxergo e elas nem sabem que estão sofrendo violência.(P25UR2)

Para elas está tudo bem, por isso não aparece muito para a sociedade, mas a gente sabe que existe.(P11UR4)

Violência contra mulheres rurais: os diferentes tipos de violência a que estão submetidas

Nesta categoria, são apresentados os diferentes tipos de violência que as mulheres rurais vivenciam

Um dos tipos de violência citados se refere à física, manifestada por marcas visíveis, como hematomas no rosto. Sendo praticada pelo homem, em especial o marido e/ou companheiro, pelo uso da força física ou de objetos

A gente vê muitas mulheres com marcas no rosto, hematomas.(P17UR2)

Chegam situações que o homem bate na mulher, com objetos e às vezes com a própria força física. (P20UR1)

São mais esses exemplos: o tapa, o soco, o pontapé.(P6UR3)

Outros tipos de violência correspondem às violências moral e psicológica, a partir do uso de palavras para depreciar e desmerecer a mulher. Consideradas pelos participantes agressões tão ou mais graves quanto à violência física

Muitas vezes a mulher não sofre violência física, mas sofre assédio moral e isso também é violência[...]. (P8UR2)

Tem casos que não é física, é emocional[...]a agressão é a mesma[...]. (P13UR1)

A moral é uma das mais tristes. (P14UR1)

Palavras para convencer a mulher de que ela não tem valor[...]machucá-la com palavras. (P8UR3)

A violência sexual é outro tipo de violência relatada, vista como a obrigatoriedade de manter relações sexuais

Ela tem que fazer sexo a hora que ele quiser. (P2UR7)

De acordo com os participantes, a dependência em relação ao marido também caracteriza um tipo de violência, que tende a impossibilitar a independência destas e o rompimento da situação de violência

As mulheres rurais dependem do marido para viver.(P10UR2)

A mulher, pela dependência do homem, acaba por não ter dinheiro.(P21UR5)

[...]elas querem sair dessa situação, mas não tem condições financeiras.(P23UR2)

Os participantes apontaram que outro tipo de violência é a privação de liberdade, em que a mulher é impedida de sair de casa e participar de grupos e conselhos

Acredito que aconteça certo encarceramento da mulher, privação da liberdade.(P12UR2)

Tem muitos homens que dificultam a participação das mulheres em grupos, em conselhos.(P14UR5)

Manter essas mulheres dentro de casa. (P9UR1)

As jornadas de trabalho das mulheres rurais também são referidas como um tipo de violência, caracterizadas pelo trabalho doméstico que a mulher realiza sozinha e pelo trabalho do campo, desenvolvido com o marido. Um dos participantes denomina o trabalho da mulher rural como escravo

A mulher do interior tem dupla jornada[...]trabalhar dentro de casa e em condições precárias, e ainda tem o trabalho do campo[...]trabalha junto com o marido.(P25UR1)

Quando a mulher só fica dentro de casa é aquela história: não faz nada. É uma violência, as duplas, triplas jornadas.(P26UR3)

Considero uma agressão ela ser escrava do trabalho.(P16UR2)

DISCUSSÃO

A partir das falas, infere-se que no cenário rural, a violência contra as mulheres é influenciada pelas questões culturais que permeiam o dia a dia das famílias, levando à ocorrência da violência de modo intergeracional

Neste sentido, é visível a dificuldade imposta pelas barreiras culturais no reconhecimento das situações de violência, pois as mulheres entendem que devem conformar-se com a realidade que lhes é imposta.11Assim, a cultura do cenário rural, muitas vezes, minimiza e oculta o reconhecimento da violência

A reprodução histórica da violência se deve pela presença desta na vida das mulheres desde a infância, a partir das relações familiares.12Ainda, por suas mães considerarem natural a vivência da violência na família, estas repassam às filhas que é uma situação habitual e aceitável, legitimando-a

Neste cenário, fortemente influenciado pelo machismo e patriarcado, é culturalmente permitido que o homem se sobreponha à mulher e, assim, possa exercer a violência. A ideologia patriarcal que regulamenta os papeis de gênero coloca as mulheres em situação de subordinação.13 14Isso promove a perpetuação de comportamentos agressivos por parte dos homens e deixa as mulheres passíveis de vivenciar a violência.13 15

Os papeis de gênero tem sido social e historicamente construídos, estando enraizados nas relações de poder e autoridade entre homens e mulheres16, naturalizando a violência contra estas, com destaque para as que vivem no cenário rural

A naturalização da violência torna-se frequente, dentre outros, por uma cultura que propaga a imagem da mulher, como aquela que aceita ser dominada pelo homem. Deste modo, a violência se expressa em todas as esferas da vida das mulheres e acaba se reproduzindo no cotidiano como natural. Nesta perspectiva, estudo apontou que as mulheres relatam a existência de normas sociais que determinam que sejam submissas ao seu companheiro.17

A mulher que convive com a violência sente-se presa a essa realidade, pois está incorporado na construção da sua identidade a condição, de que mulheres têm o dever de aceitar e se sujeitar ao que é imposto pelos homens. Esta naturalização faz o homem dominar as diversas faces da vida e o do corpo das mulheres, com destaque para as do cenário rural

Os participantes citaram os diferentes tipos de violência a que as mulheres rurais estão susceptíveis, dentre as quais a violência física. Diversos estudos têm apontado que as mulheres rurais vivenciam esta violência, especialmente perpetrada pelo parceiro íntimo.6 13 15Estudo com mulheres rurais e urbanas apontou que a proporção de mulheres rurais que sofreram violência física foi significativamente maior que a das mulheres urbanas.18

O emprego da violência física pelos homens é uma construção que inicia ainda na infância destes, quando são instigados a realizar brincadeiras que encorajam o uso da força física, através de lutas e do uso de armas. Enquanto as meninas são estimuladas a brincar com bonecas, por exemplo. Neste âmbito, reforçam-se as iniquidades de gênero, em que à mulher cabe ser frágil e delicada e ao homem ser forte e detentor do poder

As violências psicológica e moral, também citadas pelos participantes como tipos de violência contra as mulheres rurais, são relatadas em outros estudos.6 13 18 19Um deles desenvolvido com mulheres rurais do Paquistão, mostrou que 65% destas vivenciaram os diferentes tipos de violência, sendo a violência psicológica a mais comum.19

Corroborando com o estudo em tela, outras investigações trazem que estas violências se manifestam através de insultos, humilhação, xingamentos e desprezo das mulheres.6 13 20Estas são empregadas com o objetivo de fazê-las sentir-se sem valor, sendo consideradas pelas mulheres como mais intensas do que a violência física.20

Ao buscar convencer as mulheres que estas não possuem valor, o agressor as leva a acreditar que não são capazes de viver sem ele, o que dificulta com que estas saiam da situação de violência. Assim, o agressor pratica esse tipo de violência buscando intimidar a mulher, pressionando-a a permanecer no ciclo de violência.14Destaca-se que as violências psicológica e moral têm diversas repercussões na vida das mulheres, como a redução da autoestima, o que pode implicar, dentre outros, no desenvolvimento de transtornos mentais como ansiedade e depressão.

A violência sexual foi relatada pelos participantes como outro tipo de violência contra as mulheres rurais, indo ao encontro de achados de estudo desenvolvido com Agentes Comunitários de Saúde.6O fato de o marido e/ou companheiro obrigar a mulher a manter relações sexuais com ele, é uma das formas de fazê-la cumprir seu papel de esposa, satisfazendo suas vontades, e novamente demarcando as desigualdades de gênero presentes na relação homem-mulher

Dentre os tipos de violência contra as mulheres rurais, os participantes mencionam a dependência tanto financeira quanto afetiva das mulheres. Estas repercutem na dificuldade das mulheres para a superação das situações de violência e assim tendem a consentir com a esta por diversos motivos. Um deles reside no fato de que não se sentem preparadas para encarar os desafios de viver sem o suporte financeiro do marido. Situação que se agrava quando possuem filhos6, por acreditarem que estes sofreriam se elas deixassem o relacionamento.17Outro motivo é o desejo de manter a família unida.5

A privação de liberdade é outro tipo de violência contra as mulheres rurais relatado. Para seu exercício, o homem, por meio da sua posição de superioridade, dificulta e até impede que a mulher usufrua de atividades fora do ambiente doméstico, visto que esta nos cenários rurais tem suas funções atreladas ao lar e o homem à vida pública

Assim a dificuldade de convívio com outras pessoas, pelo distanciamento geográfico e controle do homem, dificulta a busca de ajuda para o rompimento das situações de violência. O lugar onde a mulher mora, geralmente é distante de outras casas e recursos criando um obstáculo para o contato com outras pessoas.21

As duplas e triplas jornadas de trabalho desempenhadas pelas mulheres nos cenários rurais também são nomeadas como um dos tipos de violência nestes.22Estas jornadas estão atreladas à divisão desigual do trabalho, que sobrecarrega as mulheres, pois estas têm a obrigação de cuidar do lar, filhos e marido e/ou companheiro, e ainda realizar atividades na lavoura. Já ao homem, como provedor da família, cabe os serviços com a lavoura, que tem geração direta de renda.6Já as mulheres por estarem envolvidas com atividades que não repercutem diretamente na renda, tem seu trabalho invisibilizado

As jornadas de trabalho das mulheres rurais estão atreladas às desigualdades de gênero, em que as mulheres subordinam-se ao homem, e com isso seu trabalho é vislumbrado como ajuda, mesmo que trabalhem tanto ou mais que ele.21Dessa forma, a organização social e do trabalho, reverbera no sofrimento das mulheres, pela sobrecarga de trabalho e invisibilidade deste.23

Embora muitos tipos de violência citados pelos profissionais também atinjam mulheres que vivem no cenário urbano, existem singularidades no cenário rural que agravam todos os tipos de violência. Estas se relacionam a uma construção sociocultural que reforça a fragilidade e resignação das mulheres diante dos homens. As mulheres neste cenário, de modo geral, têm pouco estudo e jornada excessiva de trabalho, restringindo-se a convivência com os membros do núcleo familiar. A estes aspectos soma-se à presença de serviços de atendimento e apoio quase que exclusivamente no cenário urbano e distantes geograficamente. O que tende a limitar as possibilidades de enfrentamento da violência pelas mulheres neste cenário

As limitações desta investigação estão relacionadas a estudos qualitativos descritivos, sobretudo por ter sido desenvolvida a nível local, prejudicando a generalização dos achados. Apesar disso, a pesquisa atingiu os seus objetivos e tem como aplicabilidade proporcionar a reflexão dos profissionais da rede de atendimento acerca da violência contra as mulheres rurais, os quais articuladamente podem desenvolver estratégias que contemplem as especificidades desta população. Uma das estratégias seria promover a desnaturalização da violência contra a mulher nesse contexto, pois ao torná-la visível para quem a vivencia pode facilitar o seu enfrentamento

Como implicações para novas pesquisas, tem-se a possibilidade de desenvolver estudos com abordagens metodológicas participativas cujas participantes sejam as próprias mulheres rurais em situação de violência

CONCLUSÕES

Os resultados revelaram que os profissionais concebem a violência contra a mulher rural intimamente relacionada a aspectos culturais e geracionais e às heterogeneidades de gênero, que levam a naturalização da violência neste cenário. Suas concepções apontam os diferentes tipos de violência que as mulheres rurais vivenciam cotidianamente: violência física, psicológica, moral, sexual, dependência, privação de liberdade e duplas e triplas jornadas de trabalho. Reforçam as desigualdades no cenário rural, especialmente as de gênero, perpetuando a condição de subjugação das mulheres.

O estudo alerta para a naturalização da violência pelas mulheres que a vivenciam e a premência da superação das desi gualdades de gênero socioculturalmente estabelecidas. Ainda, aponta a importância do trabalho na rede de atendimento, para que por meio da incorporação de ações conjuntas, sejam desenvolvidas estratégias que resultem no cuidado integral às mulheres rurais em situação de violência.

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Recebido: 15 de Maio de 2018; Aceito: 02 de Junho de 2018

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