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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.18 no.54 Murcia abr. 2019  Epub 14-Oct-2019

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.2.317281 

Originais

Práticas obstétricas desenvolvidas em duas maternidades públicas para parturientes de risco habitual

Isaiane da Silva Carvalho1  , Rosineide Santana Brito2  2 

1Enfermeira. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Brasil.

2Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo. Brasil.

2Professora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Brasil.

RESUMO:

Objetivo:

Avaliou-se a qualidade da assistência prestada à mulher e ao filho durante o parto normal nas maternidades públicas municipais da cidade de Natal/RN, Nordeste do Brasil.

Método:

Foi realizado um estudo transversal, quantitativo, em duas maternidades públicas, com 314 puérperas atendidas no período de abril a julho de 2014.

Resultados:

As diferenças entre as maternidades foram identificadas quanto ao oferecimento de líquidos por via oral (p=0,018), estímulo a posições não supinas (p=0,002), existência de partograma (p=0,001), apoio ou acolhimento pelos profissionais de saúde (p=0,047), infusão intravenosa (p<0,001), posição supina (p<0,001), uso de ocitocina (p<0,001), restrição hídrica e alimentar (p=0,002), e o fato de o toque ser realizado por mais de 1 examinador (p=0,011). A assistência prestada durante o processo de parto e nascimento apresentou melhores resultados, em geral, para a maternidade A.

Conclusões:

Fazem-se necessárias à implementação de melhorias e readequação do modelo obstétrico vigente.

Palavras-chave: Enfermagem Obstétrica; Avaliação em Saúde; Qualidade da Assistência à Saúde; Parto Normal

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, sabe-se que diversas mudanças ocorreram no campo obstétrico. Como exemplo de reação ao modelo instituído com a hospitalização do parto e nascimento, emergiu um movimento com vista à humanização. Este trouxe consigo uma série de discussões, as quais colocaram em evidência práticas e rotinas institucionais concebidas cientificamente como desnecessárias e contribuintes para transformar uma ocasião que deveria trazer alegria e satisfação em algo amedrontador1.

A humanização do parto e nascimento surgiu como proposta desafiadora para instituições hospitalares, profissionais de saúde e sociedade, visando novas possibilidades de práticas assistenciais e redefinições de papéis dos sujeitos integrantes desse cenário2 3. Além disso, buscou-se resgatar o parto normal como evento fisiológico, incluindo toda a complexidade associada ao processo de gestar, parir e nascer, de modo que a mulher recuperasse o controle sobre o seu processo parturitivo4.

Sobre o parto normal, as rotinas empreendidas durante esse período foram agrupadas em quatro categorias: Categoria A - práticas que são demonstradamente úteis e que devem ser estimuladas; Categoria B - práticas claramente ineficazes ou prejudiciais e que devem ser eliminadas; Categoria C - práticas em relação às quais não existem evidências científicas suficientes para apoiar uma recomendação clara e que devem ser utilizadas com cautela; e Categoria D - práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado5.

Mesmo assim, apesar dos avanços, em muitos casos as práticas desenvolvidas no cotidiano dos serviços obstétricos estão em descompasso com o preconizado pelas políticas públicas de saúde. Desse modo, uma das formas de identificar como determinada assistência é prestada pode ser mediante o desenvolvimento de estudos que abordam a avaliação da qualidade. A cidade do Natal, capital do Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil, constitui-se como uma referência no atendimento obstétrico estadual. Contudo, ressalta-se que a precariedade existente nos serviços obstétricos no interior do estado contribui para que haja, por vezes, o deslocamento das parturientes em direção à capital. Tal realidade favorece a sobrecarga dos serviços locais, os quais apresentam dificuldades para prestar assistência de qualidade frente à demanda excessiva de parturientes6. Assim, objetivou-se avaliar a qualidade da assistência obstétrica prestada à mulher e ao filho durante o parto normal nas maternidades públicas municipais da cidade de Natal/RN.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, com abordagem quantitativa e fundamentado no protocolo do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology7. O estudo foi desenvolvido nas duas maternidades públicas municipais (Maternidade A e B) situadas na cidade do Natal. Esta encontra-se inserida no litoral do Estado do Rio Grande do Norte, na região Nordeste do Brasil, e corresponde à capital do estado, com área territorial de 168,53 km2 (8. A maternidade A, por não dispor de centro cirúrgico, realiza apenas partos normais. Por sua vez, a maternidade B realiza além de partos normais, cirurgias cesarianas.

As participantes do estudo compreenderam puérperas, cujo filho nasceu vivo, pela via transpélvica, com início de trabalho de parto espontâneo ou induzido, e que apresentaram condições físicas e emocionais para responder aos questionamentos propostos. Foram excluídas do estudo puérperas adolescentes que não estavam acompanhadas por seus responsáveis legais no momento da entrevista, a fim de autorizar a sua participação na pesquisa. Igualmente a exclusão foi realizada quando o parto ocorreu no domicílio. Com base no número de partos ocorridos no ano de 2012, calculou-se o tamanho da amostra considerando-se um α=5% e margem de erro de 0,05, o que resultou em um valor igual a 314 puérperas alocadas proporcionalmente para cada maternidade (Maternidade A: 112; Maternidade B: 202).

O instrumento de coleta de dados foi construído com base nas recomendações da WHO5para a assistência ao parto normal e passou por processo de validação, tendo a versão final obtido concordância ótima (k=0,96; IVC=0,99). A coleta de dados aconteceu no período de abril a julho de 2014 e a visita às maternidades processou-se de forma consecutiva, com intervalos de 24 horas, a contar do início do primeiro dia de coleta. A aproximação com as puérperas deu-se mediante convite oral durante visita aos alojamentos conjuntos e após aceitação da contatada, iniciou-se a entrevista estruturada. Informações adicionais foram obtidas nos prontuários: número de consultas pré-natal; idade gestacional; Apgar; peso do recém-nascido; presença de partograma; uso de ocitocina; realização de episiotomia; analgesia peridural.

Os dados coletados foram digitados em uma planilha do programa Microsoft Oficce Excel® versão 2010 e depois exportados para o programa IBM SPSS Statistics® version 20.0. Para a análise das categorias relacionadas às recomendações da WHO utilizou-se frequência absoluta e relativa. Os testes Qui-Quadradro de Pearson e Exato de Fisher, este último para os casos em que a frequência esperada foi menor que 5, compararam as diferenças observadas entre as duas maternidades. Considerou-se em todos os testes estatísticos nível de significância de 5%

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte sob nº 562.313 de 28 de fevereiro de 2014 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 25958513.0.0000.5537.

RESULTADOS

AsTabelas 1e2apresentam a utilização das recomendações da WHO para a assistência ao parto normal por categorias. Sobre a categoria A, houve oferecimento de líquidos por via oral no trabalho de parto e parto (45,54%), respeito à privacidade (90,13%), presença de acompanhante (85,67%), pergunta respondida em caso de dúvidas/questionamentos (96,43%) e auxílio para alívio da dor por meio de métodos não invasivos e não farmacológicos (79,30%). Os métodos mais utilizados corresponderam ao banho de chuveiro (46,18%), caminhada (45,86%) e realização de massagens (34,71%). Também foram citados o cavalinho (33,12%), exercícios de respiração (27,07%) e bola de parto (8,92%). Ressalta-se que o último método esteve disponível exclusivamente para a maternidade A.

Além disso, observou-se monitoramento fetal por meio de ausculta cardíaca (96,18%), orientação quanto à possibilidade de posições não supinas durante o trabalho de parto (59,24%), existência de partograma (2,23%), contato cutâneo direto precoce, pelo menos 30 minutos na primeira hora de vida, entre mãe e filho (78,66%), orientação quanto ao início da amamentação na primeira hora pós-parto (78,34), apoio ou acolhimento pelos profissionais de saúde (92,36%), e escolha prévia da maternidade pela puérpera (51,91%). Identificaram-se diferenças entre as maternidades para as variáveis oferecimento de líquidos por via oral (p=0,018), estímulo a posições não supinas (p=0,002), existência de partograma (p=0,001) e apoio ou acolhimento pelos profissionais de saúde (p=0,047).

Em termos da categoria B, não foi relatada a realização de enema e tricotomia em âmbito institucional em nenhum dos casos. Houve infusão intravenosa no trabalho de parto (48,73%), posição supina durante todo o trabalho de parto (23,57%), parto em posição de litotomia (99,68%) e uso de ocitocina antes do parto (52,87%). No caso das categorias C e D, foram verificados pressão no fundo uterino (22,29%), restrição hídrica e alimentar (18,15%), mais de 3 toques vaginais (31,60%), mais de 1 examinador (60,77%) e realização de episiotomia (50,64%). Informações sobre analgesia peridural não estiveram presentes para nenhum dos casos avaliados. As diferenças entre as maternidades deram-se quanto à infusão intravenosa (p<0,001), posição supina (<0,001), uso de ocitocina (<0,001), restrição hídrica e alimentar (p=0,002), e o fato de o toque ser realizado por mais de 01 examinador (p=0,011).

Tabela 1. Utilização das recomendações da WHO para assistência ao parto normal nas maternidades A e B (Categoria A). Natal/RN, Brasil, 2014. 

Legenda:*Teste Exato de Fisher;Valores para puérperas que realizaram perguntas (17,83%; n=56);*Métodos não invasivos e não farmacológicos.

Fonte: Própria da pesquisa (2014)

Tabela 2. Utilização das recomendações da WHO para assistência ao parto normal nas maternidades A e B (Categorias B, C e D). Natal/RN, Brasil, 2014. 

Legenda: Própria pesquisa (2014);*Teste Exato de Fisher;Valor da mediana utilizado para categorização;ǂValores para puérperas nas quais foi realizado toque vaginal (99,68%; n=313);§Excluído: não soube informar (1,92%; n=06);||Excluído: não soube informar (0,64%; n=02).

Fonte: Própria da pesquisa (2014)

DISCUSSÕES

Os dados revelaram que, em geral, as práticas da categoria A apresentaram melhores resultados na maternidade A, mas devem ser incentivadas em ambas as maternidades, principalmente para alguns itens avaliados. Em termos das práticas das categorias B, C e D, algumas já não fazem parte da rotina das instituições. Entretanto, as que continuam a ser executadas apresentaram altos percentuais, sendo os maiores observados na maternidade B.

O oferecimento de líquidos por via oral no trabalho de parto ocorreu para menos da metade das puérperas, com piores resultados para a maternidade B. Todavia os resultados são superiores aos encontrados por uma pesquisa que avaliou a utilização das práticas da WHO em uma casa de parto no Sudeste do país, 39%. O referido estudo também considerou a possibilidade de alimentos sólidos e líquidos e, neste caso, o percentual elevou-se para 56,6%9. Uma revisão sistemática sobre o assunto concluiu que não há benefícios ou malefícios associados a essa prática para mulheres com baixo risco de complicações. Ademais, dada a ausência de pesquisas com mulheres que apresentem maior risco de complicações, inexistem evidências que apoiem a restrição10.

A privacidade foi referida por grande parcela das puérperas. Todavia, esse resultado deve ser avaliado com cautela, pois era notável durante as respostas que para muitas puérperas a ausência de privacidade configurava-se algo inerente ao processo de parto e nascimento. Assim, mesmo diante dessa ocorrência, o seu ideário não permitia a real identificação, denotando a necessidade de investigações mais profundas sobre o que é privacidade para a puérpera no cenário do nascimento. Em contraste a esse resultado, uma investigação desenvolvida em uma maternidade escola identificou que apenas 15% das parturientes referiram ter privacidade11. Além disso, uma pesquisa de base populacional do Brasil evidenciou alguns fatores associados à maior privacidade durante o processo de parto e nascimento como escolaridade elevada, cesarianas, presença de acompanhante e fonte de pagamento privado12.

Concernente à presença do acompanhante, resultados inferiores foram obtidos em pesquisa desenvolvida em nível de Brasil, onde obteve-se percentual igual a 75,5% para algum tipo de acompanhante durante a internação13. Isso demonstra que paulatinamente a presença do acompanhante durante o trabalho de parto começa a ser integrada como parte da rotina institucional nas maternidades investigadas. Uma revisão sistemática, demonstrou que o apoio contínuo apresenta benefícios clínicos significativos, não apresenta prejuízos e, portanto, deve ser disponibilizado a todas as mulheres no processo parturitivo14).

Poucas mulheres realizaram questionamentos, mas as que o fizeram, em sua maioria, tiveram as dúvidas esclarecidas. Estudo relacionado à satisfação da mulher durante o processo parturitivo identificou que a clareza das explicações esteve associada ao nascimento nas Regiões Sudeste e Sul do Brasil, presença de acompanhante e fonte de pagamento privado12. Assim, o fornecimento de explicações e informações às mulheres é algo fundamental para a compreensão desse momento, devendo esse item receber atenção especial dos prestadores de serviço.

Em termos da utilização de métodos não invasivos e não farmacológicos para alívio da dor, os resultados obtidos foram próximos aos encontrados em pesquisa desenvolvida em um hospital universitário no Sudeste do país (77%), sendo banho de chuveiro o mais utilizado15, situação também ocorrida nesta pesquisa. Tal realidade demonstra a aceitação das puérperas aos métodos não farmacológicos para alívio da dor no trabalho de parto, quando estão disponíveis em âmbito institucional.

Estudo realizado com vista a sumariar a evidência de revisões sistemáticas sobre a eficácia e a segurança das intervenções não farmacológicas e farmacológicas para tratamento da dor no trabalho de parto, concluiu que a maioria dos métodos não farmacológicos não são invasivos e parecem apresentar segurança à parturiente e ao seu filho. Entretanto a sua eficácia é incerta em virtude de evidência limitada de alta qualidade. Alguns métodos como imersão em água, massagem e relaxamento podem melhorar a dor do parto. Assim, é preciso considerar as necessidades e circunstâncias de cada mulher16.

No monitoramento fetal, verificou-se apenas se houve ausculta cardíaca e isso foi relatado por praticamente todas as parturientes, ressaltando a importância dada pelos profissionais a esse procedimento, diferente do que ocorreu em estudo sobre a qualidade da assistência ao parto normal em uma cidade no Centro-Oeste do país, onde a ausculta não foi realizada em 29,1% dos casos17.

O estímulo a posições não supinas, especificamente para o trabalho de parto, foi descrito por pouco mais da metade das puérperas, com melhores resultados na maternidade A. A respeito desse assunto, existem evidências claras de que a caminhada e posições verticais, em comparação com posições reclinadas ou cuidados no leito, possibilitam redução do tempo de trabalho de parto, risco de cesariana, necessidade de analgesia epidural e parecem não ter relação com o aumento de efeitos negativos para a mãe e filho. As mulheres com risco habitual devem ser informadas sobre os benefícios associados à posição vertical, e estimuladas a assumir aquela que melhor se adapte às suas necessidades18.

O partograma praticamente não fez parte da realidade institucional das maternidades avaliadas, apenas existindo em baixo percentual na maternidade A por ocasião da presença de estudantes de medicina. Diferentemente do observado, estudo desenvolvido em maternidades escola situadas na Região Nordeste do Brasil encontrou frequência de 42% quanto ao uso do partograma19. As atuais evidências disponíveis não permitem uma recomendação em caráter de rotina do partograma. Nesse sentido, as autoras da revisão sistemática, ao considerarem sua ampla aceitação, recomendaram que o seu uso deva ser determinado localmente, até o surgimento de evidências mais fortes20. Isso posto, e considerando-se a influência dessa ferramenta para redução das taxas de cesarianas, bem como o contexto da realidade brasileira com elevados índices dessa cirurgia, entende-se que ela deve ser incentivada nas instituições avaliadas.

O contato pele a pele entre mãe e filho relatado nas duas maternidades foi superior ao encontrado em pesquisa que avaliou essa prática no Brasil (41,9% para partos vaginais). Ao se comparar os tipos de parto, os recém-nascidos por via vaginal apresentaram maior chance de terem esse contato em relação à cesariana. Do mesmo modo, o estímulo à amamentação na primeira hora de vida também foi superior (78,34%). Os autores da pesquisa nacional obtiveram percentual igual a 59,2% para essa prática, com maior chance de sua ocorrência nos partos vaginais21. Esses resultados estão associados à adaptação dos recém-nascidos do presente estudo a vida extrauterina, condição que favorece o desenvolvimento dessas intervenções. Além disso, pode ser reflexo do fato de ambas as maternidades serem hospitais Amigos da Criança.

De acordo com essa iniciativa, no passo número 4, deve ocorrer contato cutâneo precoce entre mãe e filho de forma imediata após o parto por no mínimo uma hora, além de estímulo a amamentação. A recomendação mencionada estipula que no mínimo 80% das puérperas entrevistadas devem referir à realização dessas práticas durante o processo de avaliação institucional22. Esse contato pode trazer benefícios relacionados à amamentação, como maior probabilidade de aleitamento materno entre 1 e 4 meses após o nascimento e não apresenta a curto ou longo prazo efeitos negativos visíveis23.

Quanto ao acolhimento (92,36%), resultados inferiores foram obtidos no estudo de Figueiredo et al.11, onde 78% das puérperas referiram ter sido bem acolhidas. No âmbito da Rede Cegonha, dentre as suas diretrizes, consta a garantia do acolhimento e classificação de risco. Cabe ressaltar que o ato de acolher não se reduz a um comportamento bondoso oriundo de alguns profissionais, tampouco uma reorganização física do serviço ou instituição de uma triagem de atendimento, pois quando assim desenvolvido distancia-se dos seus reais propósitos24. Assim, entende-se que esse componente configura-se como um aspecto relevante para o processo de avaliação da qualidade do serviço, principalmente quando expressa a visão do usuário.

Sobre o respeito quanto à escolha da mulher pelo local de parto, a Rede Cegonha preconiza a existência de vinculação entre a gestante e a rede assistencial desde o período do pré-natal, incluindo a maternidade prevista para a realização do parto24. Ademais, a Lei n. 11.634, de 27 de dezembro de 2007, assegura o direito a vinculação à maternidade onde a gestante receberá atendimento no SUS25. No entanto, pouco mais da metade das puérperas entrevistadas tiveram a oportunidade de escolher a instituição na qual o parto seria realizado, refletindo o desrespeito a esse direito. Por sua vez, as que não tiveram a possibilidade de escolha ficaram mais tendentes a peregrinar por várias instituições e se expor aos inúmeros riscos associados a essa problemática, considerando a possibilidade de ausência de vinculação.

A utilização do enema e da tricotomia não foi identificada em nenhuma das maternidades avaliadas, demonstrando que esses procedimentos foram definitivamente eliminados da rotina de práticas obstétricas institucionais. Porém, sobre a tricotomia, apesar de o procedimento não ser realizado nas maternidades, as entrevistadas referiram tê-lo feito em suas residências, demonstrando ser algo culturalmente instituído e aceito pelas mulheres. Estudos como o de d’Orsi et al.26, com coleta de dados entre 1998 e 1999, identificou para partos vaginais em maternidades públicas e privadas realização de enema (17% e 38,4%) e tricotomia (63,3% e 41,1%). No Canadá, pesquisa desenvolvida entre 2005 e 2006 apresentou percentuais de 5,4% e 19,1% para enema e tricotomia respectivamente27.

Sobre o enema, revisão sistemática com quatro ensaios clínicos, com 1.917 mulheres, concluiu que não existe benefício em termos de taxa de infecção puerperal e infecção neonatal. Do mesmo modo, não se identificou diferenças significativas quanto à laceração perineal e duração média do trabalho de parto. Assim, o seu uso rotineiro é desencorajado28.

Para a tricotomia de rotina na admissão do trabalho de parto, revisão sistemática mostrou não haver diferença quanto a morbidade febril materna, infecção da ferida perineal e deiscência da ferida perineal. Então os autores concluíram que não existe evidência para recomendar essa prática29. Nesse sentido, com as recomendações das pesquisas desenvolvidas nos últimos anos, o enema e a tricotomia progressivamente foram excluídas da rotina de procedimentos obstétricos.

A infusão intravenosa no trabalho de parto esteve presente em ambas as maternidades com piores percentuais para a B. Entretanto, resultados superiores foram encontrados, considerando-se a abrangência nacional (73,8%) e Região Nordeste (71,5%)30. A sua indicação, normalmente, está relacionada à hidratação e suporte nutricional e a uma possível redução do tempo de trabalho de parto. Contudo, revisão sistemática sobre essa prática em mulheres nulíparas com risco habitual demonstrou a inexistência de evidências robustas para recomendá-la31.

Acerca do parto em posição supina, tal posição é adotada como rotina nas duas maternidades. No Brasil, em estudo considerando todas as Regiões do país, tal posição esteve presente em 91,7% dos partos de risco habitual avaliados30. Todavia, quando outras posições estão disponíveis, as mulheres tendem a assumi-las, a exemplo da semissentada (82,3%) e da lateral (16,0%)9.

Sobre o uso de ocitocina no trabalho de parto, uma pesquisa identificou percentual de 38,2% para partos de risco habitual no Brasil, sendo maior no Sudeste (47,2%), Sul (46,1%) e Nordeste (30,9%)30, resultados inferiores aos encontrados na maternidade B. Isso demonstra ser esta uma prática amplamente utilizada no cotidiano dos serviços obstétricos investigados, fazendo-se necessário o desenvolvimento de outras pesquisas sobre a real necessidade de indicação. Revisão sistemática sobre o uso de ocitocina em comparação com nenhum tratamento ou tratamento tardio para o progresso lento na primeira etapa do trabalho de parto concluiu que, embora a redução do trabalho de parto para algumas mulheres seja importante, se o objetivo for a redução das cesarianas, outros aspectos devem ser considerados32.

Referente à pressão no fundo uterino, identificou-se em uma investigação percentuais de 37,3% para essa manobra em parturientes com risco habitual no Brasil, tendo as Regiões Centro-Oeste (45,5%) e Nordeste (40,6%) obtido os piores resultados, o que demonstra valores acima dos identificados no presente estudo (22,29%)30. Acerca desse assunto, estudo sobre os efeitos da manobra de Kristeller para o assoalho pélvico evidenciou que tal intervenção não modificou a funcionalidade do assoalho pélvico, entretanto aumentou as taxas de episiotomia (66% contra 25,3%, p<0,0001) 33. Uma revisão sistemática concluiu que não existe evidência disponível para a realização de afirmações quanto a benefícios ou malefícios dessa manobra34. Isso posto, tendo em vista os percentuais de episiotomia observados, especialmente na maternidade B, a frequência de realização da pressão no fundo uterino deve ser revista como forma de minimizar eventuais danos à saúde materna e fetal.

A analgesia peridural não faz parte da rotina de procedimentos de nenhuma das maternidades investigadas. No Brasil, o uso dessa prática foi de 31,5% para partos de risco habitual30. Em um estudo com mulheres multíparas, houve associação entre cesariana e o recebimento de anestesia peridural ou raquimedular35. Revisão sistemática identificou que a analgesia peridural parece apresentar eficácia na redução da dor durante o parto, mas aumenta a chance de um parto instrumental36.

No que concerne aos exames vaginais, ao se avaliar sua frequência em um hospital escocês, evidenciou-se que 75,52% das mulheres tiveram 3 ou mais exames vaginais durante o trabalho de parto, com média de 2,9±1,5, e variação entre 1 e 7 toques, sendo a média próxima à obtida na presente investigação (3,09±1,91)37. Estudo de revisão sistemática sobre exames vaginais de rotina para avaliar o progresso do trabalho de parto não encontrou evidências para apoiar ou rejeitar o uso rotineiro desse exame durante o parto38. Diante da falta de evidências, deve-se considerar que os exames vaginais são procedimentos invasivos, desconfortáveis, e em alguns casos provocam dor39.

Por fim, o percentual de epsiotomia obtido (50,64%) foi semelhante ao encontrado para o Brasil (56,1%)30. Uma política de episiotomia restritiva em comparação com sua execução em caráter de rotina parece apresentar uma série de benefícios, como menos trauma perineal grave, sutura e complicações na cicatrização. Entretanto, houve aumento do trauma perineal anterior com episiotomia restritiva40. Destaca-se que nas situações onde o parto é assistido por enfermeiras obstetras, percentuais menores deste procedimento são identificados demonstrando que esses profissionais realizam menos intervenções desnecessárias a nível de períneo41. Desse modo, considerando os percentuais identificados nas duas maternidades avaliadas, é preciso reconsiderar a frequência com que esta prática ocorre, com vista à redução dos danos físicos e emocionais que é capaz de produzir na mulher, bem como incentivar a assistência ao parto de risco habitual pelo enfermeiro obstetra.

CONCLUSÕES

Diante dos resultados apresentados, constatou-se que as práticas integrantes da categoria A precisam ser cada vez mais estimuladas, principalmente na maternidade B, como o uso do partograma, o oferecimento de líquidos e o estímulo a posições não supinas. De forma articulada, a assistência pré-natal necessita assegurar a existência de vinculação entre as gestantes e a maternidade na qual provavelmente o parto ocorrerá. Ao contrário, as práticas presentes nas demais categorias devem ser revistas, como o parto em posição de litotomia, o uso de ocitocina no trabalho de parto, toque vaginal realizado por mais de um examinador e a ocorrência de episiotomia.

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Recebido: 05 de Janeiro de 2018; Aceito: 02 de Junho de 2018

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