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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.20 no.62 Murcia abr. 2021  Epub 18-Mayo-2021

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.425181 

Originais

Enfrentamento da violência no trabalho da enfermagem no contexto hospitalar e na Atenção Primária à saúde

Grasiele Fátima Busnello1    , Letícia de Lima Trindade2    , Daiane Dal Pai3  , Daiana Brancalione4  , Manoela Marciane Calderan4  , Kaciane Boff Bauermann5 

1Enfermeira. Doutoranda em Ciências da Saúde. Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Brasil

Enfermeira. Docente da Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil

2Enfermeira. Pós-doutora em Enfermagem. Docente da Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil.

Enfermeira. Pós-doutora em Enfermagem. Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Brasil

3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Brasil.

4Enfermeira. Graduada em enfermagem, Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil.

5Enfermeira. Mestranda em Enfermagem, Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil.

RESUMO:

Introdução

A violência no trabalho é definida como ação, incidente ou comportamento com atitude voluntária do agressor, em decorrência da qual um profissional é agredido, ameaçado, ou sofre algum dano durante a realização do seu trabalho. A equipe de enfermagem, está exposta cotidianamente a situações de violência no trabalho.

Objetivo

Analisar os mecanismos de enfrentamento da violência utilizados pelos profissionais de enfermagem no contexto hospitalar e na Atenção Primária à Saúde.

Materiais e Método

Estudo misto explanatório sequencial, com 198 trabalhadores de enfermagem de um hospital e 169 da Atenção Primária à Saúde, em um município do Sul do Brasil. Os dados foram coletados utilizando-se uma survey na etapa quantitativa e entrevistas na qualitativa, analisados com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences e pela análise temática.

Resultados:

Identificou-se que 51% dos participantes foram vítimas de violência, sendo os mecanismos de enfrentamento utilizados pelos trabalhadores são de cunho individual e coletivo, com predomínio do primeiro, evidenciando-se que o problema frequentemente, é direcionado à vítima. O trabalho coletivo foi um fator contribuinte para o enfrentamento da violência, com destaque ao diálogo e apoio entre a equipe. No entanto, não se observou suportes institucionais na busca por condutas frente aos episódios de violência e consequência aos perpretadores.

Conclusão

A prevalência da violência mostrou-se elevada nos dois cenários, com características diferentes quanto ao perfil das vítimas e perpretadores. Reforça-se a importância do enfrentamento coletivo, como a forma mais eficaz para o combate da violência no local de trabalho.

Palavras - chave: Violência no trabalho; Enfermagem; Estratégias de Enfrentamento; Atenção Primária à Saúde; Serviço hospitalar

INTRODUÇÃO

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) caracteriza a violência no trabalho como qualquer ação, incidente ou comportamento fundamentado em uma atitude voluntária do agressor, em decorrência da qual um profissional é agredido, ameaçado, ou sofre algum dano ou lesão durante a realização, ou como resultado direto, do seu trabalho.1 A violência classifica-se em física ou psicológica, em que a primeira compreende o uso de força física contra outro indivíduo ou conjunto de pessoas culminando em algum prejuízo físico, psicológico ou sexual. A segunda é categorizada como sendo a utilização de poder, que pode ser por meio de ameaças contra um sujeito ou coletividade, resultando em detrimento físico, mental, espiritual, moral ou social. A violência psicológica subdivide-se em agressão verbal, intimidação/assédio moral, assédio sexual e discriminação racial2.

A prevalência de violência ocupacional contra os profissionais da saúde mostra-se elevada em vários estudos internacionais.3,4 O mesmo foi identificado em estudos brasileiros5.

Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) salienta que, apesar da magnitude dos casos de violência, há lacunas importantes nos dados, pois, pelo menos 60% dos países não dispõem de informações com qualidade, o que prejudica os esforços de prevenção e controle do problema6. Além disso, as pesquisas existentes têm chamado à atenção quanto ao pouco suporte das instituições e da presença de subnotificação dos episódios de violência vivenciados por profissionais.3)(7)(8

Entre os trabalhadores da saúde, em particular a equipe de enfermagem, há exposição cotidiana a situações de violência no trabalho, muitos tornam-se alvo de ameaças e agressões de colegas e usuários dos serviços, potencializado por estarem mais próximos a estes sujeitos em sua jornada de trabalho9.

Os trabalhadores de enfermagem estão expostos cotidianamente, a situações de violência em seus locais de trabalho, tanto em ambientes hospitalares como na Atenção Primária à Saúde (APS). Para enfrentar estas circunstâncias, é necessário que o trabalhador utilize mecanismos, os quais reúnem esforços cognitivos e condutas para amenizar, eliminar ou alterar situações desgastantes.

Sob essa perspectiva, destaca-se a questão que norteou a presente proposta investigativa: quais as formas de enfrentamento utilizadas pela equipe de enfermagem nos episódios de violência no trabalho e fatores associados às condutas frente ao fenômeno nos contextos hospitalar e na Atenção Primária à Saúde? Para responder a esta questão, este estudo tem como objetivo analisar os mecanismos de enfrentamento da violência, utilizados pelos profissionais de enfermagem no contexto hospitalar e na Atenção Primária à Saúde.

MATERIAIS E MÉTODO

Desenvolveu-se um estudo de métodos mistos, utilizando-se a estratégia de pesquisa explanatória sequencial, a qual envolveu coleta inicialmente de dados quantitativos, utilizando-se dos resultados para direcionar a coleta de dados qualitativos10, a qual permitiu aprofundar alguns achados. O cenário da pesquisa reuniu os níveis assistenciais primário e terciário, envolvendo um hospital público e 26 Unidades Básicas de Saúde (UBS). Este cenário representa a Rede de Atenção à Saúde, em um município no Sul do Brasil, selecionado intencionalmente devido a observação empírica sobre a exposição dos trabalhadores à violência no trabalho.

Na etapa QUAN utilizou-se como critérios de inclusão para participação no estudo: fazer parte da categoria profissional de enfermagem, estar trabalhando na instituição há mais de 12 meses. Foram excluídos do estudo trabalhadores afastados por licença, folgas ou em férias no período da coleta dos dados. Ainda, utilizou-se um cálculo amostral por cenários considerando 95% de confiança e erro de 5%, prevalência de 50%, calculada com auxílio do WINPEPI versão 11.32. No período da coleta de dados, a população no hospital inclui 75 enfermeiros, 22 enfermeiros trainees, 413 técnicos de enfermagem e 22 auxiliares de enfermagem, na APS constituía-se por 53 enfermeiros, 11 técnicos de enfermagem e 148 auxiliares de enfermagem. Assim, participaram 51 enfermeiros, 141 técnicos e seis auxiliares de enfermagem atuantes no hospital; 47 enfermeiros, 113 auxiliares de enfermagem e nove técnicos de enfermagem, trabalhadores da APS, totalizando 367 trabalhadores de enfermagem, mediante cálculo amostram por cenário e por categoria. Estes foram selecionados por sorteio, com base na listagem de trabalhadores ativos no período de estudo.

A amostra de participantes respondeu ao Survey Questionnaire Workplace Violence in the Health Sector, proposto pela OMS, OIT e de Serviços Públicos e Conselho Internacional de Enfermagem11 traduzido e adaptado para a língua portuguesa2. O instrumento aborda a ocorrência da violência física e psicológica. A violência psicológica é composta pela agressão verbal, intimidação/assédio moral, assédio sexual e discriminação racial, o que contempla características da agressão, do perpetrador, da vítima, reações e medidas adotadas.

Na etapa QUAL considerou-se trabalhadores expostos à violência, selecionados por conveniência, a partir da aplicação do questionário e contemplou o relato das experiências vividas diante da situação de violência no trabalho. Para esta etapa do estudo, o total de participantes foi definido por saturação das informações, sendo necessárias 15 entrevistas com trabalhadores do hospital e 18 entrevistas com trabalhadores das UBS. 33 participantes selecionados foram convidados a responder uma entrevista com questões semiestruturadas, focalizadas na percepção do trabalhador sobre a temática do estudo, com questionamentos sobre: como as situações de violência são tratadas no local de trabalho e quais estratégias de enfrentamento para situações são utilizadas. Estas foram gravadas em áudio, seguiram um roteiro e permitiram melhor compreender a violência no trabalho dos profissionais.

A coleta de dados ocorreu em dois momentos, no cenário hospitalar no período de outubro de 2014 a dezembro de 2017 e no cenário da APS no período de setembro de 2018 a março de 2019 no local de trabalho dos profissionais, mediante autorização das instituições de saúde, contato prévio, apresentação dos objetivos e assinatura em duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Buscou-se não intervir na dinâmica de trabalho das equipes e coletar dados nos diferentes turnos assistenciais.

Os dados foram codificados, tabulados e analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23.0. As variáveis QUAN foram descritas por média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias, o teste t-student para amostras independentes foi aplicado. Em caso de assimetria, o teste de Mann-Whitney foi utilizado.

Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas, os testes qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher foram utilizados. Para controle de fatores confundidores, a análise de Regressão de Poisson foi aplicada. O cenário para a entrada da variável no modelo multivariado foi que a mesma deveria apresentar um valor p<0,20 na análise bivariada. No entanto, permaneceram no modelo final apenas as variáveis com p<0,10. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05) e as análises foram realizadas no programa SPSS versão 21.0.

Para análise das entrevistas, uma vez transcritas, utilizou-se a Análise Temática dos depoimentos, segundo Bardin12. Os depoimentos foram organizados em categorias gerais, posteriormente em subcategorias, sendo que, no presente manuscrito serão discutidas: (1) como as situações de violência são tratadas no local de trabalho; (2) o problema da violência frequentemente é direcionado para vítima e (3) mecanismos de enfrentamento da violência no trabalho da enfermagem.

Para preservar o anonimato dos participantes estes foram codificados como: Enfermeiro (E), Técnico de Enfermagem (TE) e Auxiliar de Enfermagem (AE), seguido do número de ordem dos instrumentos.

O estudo atendeu às prerrogativas éticas para pesquisas envolvendo seres humanos e foi aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa (pareceres n° 933.725/2014 e n° 2.835.706/2017). Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e o termo de autorização para gravação de voz.

RESULTADOS

O perfil da amostra estudada na etapa QUAN hospitalar representou 198 trabalhadores da categoria de enfermagem, dos quais 141 eram técnicos de enfermagem, 51 enfermeiros e seis auxiliares de enfermagem, dentre eles n165 (84,2%) eram do sexo feminino, com média de 28,6 (±6,6) anos de idade, n=130 (66,7%) possuíam companheiros, com em média de um filho, escolaridade média de 14,3 (±1,8) anos de estudo, com experiência profissional média de oito anos, sendo a mínima de três anos e a máxima 16 anos, e carga horária semanal foi 42,1 (±5,0). A maioria dos trabalhadores n=167 (86,5%) possui contato frequente com os pacientes, não possui cargo de chefia ou duplo vínculo de trabalho. Sobre os hábitos de vida dos participantes deste cenário, observou-se que n=08 (4,1%) são tabagistas e n=65 (33,3%) fazem uso de bebidas alcoólicas uma a duas vezes na semana. A maioria dorme menos de oito horas diárias e 31,6% fazem uso de medicações.

No ambiente da APS, foram investigados 169 profissionais de enfermagem na etapa QUAN, n=47 (27,8%) enfermeiros, n=09 (5,3%) técnicos de enfermagem e n=113 (66,9%) auxiliares de enfermagem. Entre os profissionais, n=158 (93,5%) do sexo feminino, com média de idade de 41,1 (± 8,8) anos, n=119 (70,4%) possuíam companheiro, (70,4%) contam com, em média, um filho, com escolaridade média de 15,4 anos, experiência profissional de 14 anos em média (entre oito e 20 anos de atuação). Em consonância com os trabalhadores de enfermagem da área hospitalar, na APS também, a maior parte n=159 (94,1%) apresenta contato físico frequente com pacientes durante as atividades laborais, não possui cargo de chefia ou duplo vínculo. Nesse cenário também se observou que a maioria não é tabagista n=161 (95,27%), com consumo de álcool semelhante, com a mesma média de horas de sono (7,1 horas) de sono, contudo maior registro de utilização de algum medicamento (98,8%). Em ambos os cenários as medicações mais mencionadas foram os ansiolíticos, psicotrópicos, e outras medicações para controle de doenças crônicas, a exemplo dos anti-hipertensivos.

Entre os trabalhadores que sofreram violência no trabalho no ambiente hospitalar a maioria eram mulheres n=89 (89%), brancas n=86 (85,1%) com escolaridade de 14,7 anos (±2/p=0,001), sem companheiro n=41(41%), com menor número de filhos. Quanto à função, eram a maioria enfermeiros n=38 (37,6%), que estavam em contato frequente com os pacientes n=95 (94,1%). Ainda, para cada ponto a mais na escala de preocupação com violência no local de trabalho (3,7±1,2), há um aumento de 14% na probabilidade de sofrer violência no trabalho.

No contexto da APS, o perfil foi semelhante, formado por trabalhadoras n=158 (94,3%), brancas n=154 (90,1%), com escolaridade de 15,4 ± 2,8 anos, casadas ou convivendo com companheiro n=119 (70,4%). Entre as vítimas foram mais frequentes as técnicas de enfermagem n=09 (28%), também em contato frequente com os usuários. Destaca-se que para cada ponto a mais na escala de preocupação com a violência no local de trabalho, há um aumento de 12% na probabilidade de sofrer violência laboral.

O estudo permitiu identificar os agressores, sendo que o colega de trabalho no ambiente hospitalar, foi o mais frequente n=47 (32%), seguido por outros com 26%, sendo que, outros são agressores não identificados pelas vítimas por exemplo: terceirizados, agressões por ligação entre outros. O paciente representou 22% dos agressores, o acompanhante/familiar 11% e chefia 9%. Quando o agressor era o colega de trabalho, o colega médico foi o mais citado (84,2%). Quando investigado o cenário da APS, os dados revelaram que o principal agressor contra trabalhadores de enfermagem foi o paciente (91,12%), seguido pela chefia (26,62%) e colegas de trabalho representaram (10,05%).

Quanto às condutas existentes frente aos episódios de violência contra a enfermagem nos dois cenários são apresentados os dados QUAN e QUAL encontrados, no display abaixo.

DISPLAY I.  Mecanismos de enfrentamento da violência no trabalho no cenário hospitalar e na Atenção Primária à Saúde, Santa Catarina, 2020. (n=367) 

* nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05). Fonte: dados da investigação.

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo revelam um percentual de vítimas da violência, reforçando dados obtidos de outros estudos nacionais13)(14)(15) e internacionais3)(16)(17. Foram vítimas da violência majoritariamente técnicos de enfermagem no cenário da APS e enfermeiros no ambiente hospitalar, em ambos os cenários as agressões foram prevalentes em mulheres de cor branca.

O colega de trabalho representou o agressor mais frequente no ambiente hospitalar, divergindo do cenário da APS, em que o paciente foi o perpetrador mais comum, assim como comprovado em outros estudos5)(13)(18)(19.

Ao tratar-se das formas de enfrentamento da violência, percebeu-se que elas podem ser individuais ou coletivas. O enfrentamento individual é percebido em atitudes como o uso de estratégias de fuga, não voltadas para os problemas, mas sim para recursos pessoais. Autores20 salientam que, ainda que o trabalhador encontre formas de defesa contra fatores de estresse ocupacional, alguns conflitos não são notados por ele, tampouco por chefias e gestores, podendo impactar negativamente, no seu processo de trabalho.

O trabalho coletivo foi um fator contribuinte para o enfrentamento da violência, sinalizado em depoimentos que abordam o apoio entre a equipe e o diálogo. No entanto, isso se restringe ao acolhimento e ao suporte emocional à vítima, demostrando a ausência de incentivo e suporte institucional na busca por condutas frente aos episódios de violência, fato encontrado também, em outras pesquisas7,8.

Observando-se o conjunto de informações reveladas pelos participantes quanto ao enfrentamento da violência, observa-se que majoritariamente, utilizam-se estratégias individuais, aspecto que se soma as poucas condutas tomadas com os perpetradores, o que dificulta que a enfermagem faça frente aos problemas no contexto de trabalho.

Analisando-se os achados referentes aos mecanismos de enfrentamento da violência, foi possível evidenciar que no contexto hospitalar a maioria dos profissionais afirmam existir procedimentos para o relato da violência em seu local de trabalho. Afirmam também, haver estímulo para o relato da violência no seu local de trabalho e ser a chefia e colegas os principais estimuladores desse relato.

Já no contexto da APS, os achados indicam inversão, pois a maioria dos profissionais afirma não existir procedimentos para o relato da violência em seu local de trabalho, além de inexistir estímulo para o relato da violência no seu local de trabalho e, quando existe esse relato, são os usuários os principais estimuladores. Pesquisa realizada nos centros de APS da Sérvia demonstrou que os profissionais de saúde consideram inútil denunciar a violência, pois a gerência não adotará nenhuma ação, todavia, os participantes afirmam que, se existisse maior apoio gerencial e institucional, a violência seria mais frequentemente relatada16).

Ficou evidente a ausência de conduta e notificação dos episódios de violência, tanto na etapa QUAN como na etapa QUAL, bem como a falta de apoio e posicionamento institucional. Estudo encontrou que os entrevistados consideram a violência como algo normal no trabalho da enfermagem, no entanto nunca participaram de treinamentos sobre como agir frente a esses acontecimentos21. A OMS sinaliza que a violência pode ser evitada6, contudo, a naturalização desta e a falta de providências aparece com frequência em outras investigações sobre o tema3)(22)(23)(24.

Na Jordânia, investigação encontrou que os entrevistados relatam não denunciar os incidentes de violências porque acreditam ser uma conduta inútil. Alguns não denunciaram porque imaginavam não ser importante, além disso, o empregador nunca ofereceu aconselhamento, oportunidade de relatar ou outros tipos de apoio3.

Na Eslovênia o principal motivo para a falta de notificação e relatos dos episódicos de violência no trabalho foi a crença de que o relato não mudaria nada23. Investigação na Turquia identificou que os enfermeiros submetidos ao fenômeno afirmaram que, em função disso, tiveram impacto negativo em sua saúde física e/ou psicologia, no entanto apenas 1,8% destes recebeu ajuda profissional22. Outros autores encontraram que a maioria dos participantes relatam ausência de políticas para lidar com a violência no trabalho24. Isso é uma crítica à maneira como a prevenção da violência no trabalho tem sido tratada pelas instituições, demostrando falhas nas respostas das lideranças e instituições de saúde23.

A violência repercute no desgaste dos trabalhadores de enfermagem, ocasionando, por vezes, danos à saúde do trabalhador, e estes podem ser físicos e psicológicos, como o surgimento de doenças somatizadas, contribuindo para a desmotivação com a profissão. Além disso, a violência fragiliza as relações interpessoais, bem como pode interferir na qualidade do cuidado prestado ao paciente.

O conjunto dos achados permite refletir que o planejamento do processo de trabalho e a garantia de recursos necessários para o bom funcionamento do serviço podem ser fatores de proteção aos trabalhadores. Neste sentido, a utilização de ferramentas, como o processo de enfermagem, protocolos e resoluções que dão sustentação à prática da enfermagem, deve fazer parte da rotina diária da equipe, a fim de assegurar autonomia no desenvolvimento do cuidado, garantindo assim assistência segura e humanizada. Estas ferramentas contribuem para o fortalecimento e valorização da profissão, além de possibilitar empoderamento ao profissional e contribuírem para ambientes de trabalho seguros.

CONCLUSÃO

O estudo da violência nos contextos hospitalar e da atenção Primária, revelou o perfil das vítimas e perpetradores, achados importantes para compreender o fenômeno e mapear medidas singulares para enfrentamento do problema nos diferentes contextos, reafirmando-se assim a importância dos estudos contínuos sobre o tema e em diferentes cenários assistenciais.

Ao analisar as formas de enfrentamento, encontrou-se que as individuais foram as mais utilizadas pelas vítimas, principalmente as estratégias de fuga, não voltadas para o problema. Nesse sentido, reforça-se a importância do enfrentamento coletivo, como a forma mais eficaz para o combate da violência no local de trabalho.

Apesar das vítimas sinalizarem a existência de procedimento para o relato dos episódios, o recurso não é, ou é pouco utilizado, pois a vítima sente-se insegura para o relato e ainda, o considera inútil, constatação reforçada pela escassez de condutas da instituição frente aos episódios, o que aponta para a banalização do problema.

Como limitações do estudo destaca-se a impossibilidade de agregar todos os participantes na etapa QUAL, deixando de dar voz aos demais participantes. Em contrapartida, o estudo corroborou com conhecimento produzido, mediante novos elementos para a compreensão e analise da violência, especialmente, sobre as formas de enfrentamento utilizadas pela vítima frente à ocorrência deste problema, comum em todo mundo.

Ao investigar sobre o assunto é possível analisar a dimensão da questão, a fim de promover a criação de medidas de prevenção, proteção e enfrentamento da violência laboral. Trabalhadores de enfermagem, conscientes de como a violência ocorre, se tornam mais vigilantes, assim compreendem que apenas condutas pontuais não solucionam o problema. É fundamental que cada trabalhador reflita sobre suas ações diárias e identifique no seu dia a dia, atitudes que favorecem a cultura da violência, mas, para além, são necessárias medidas institucionais mais eficientes. Faz-se necessário que atores de todos os setores, sobretudo da gestão dos serviços de saúde, atuem de forma integrada e coordenada na elaboração de estratégias e políticas públicas que favoreçam a prevenção da violência e a promoção da cultura de paz.

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Recebido: 28 de Abril de 2020; Aceito: 05 de Outubro de 2020

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