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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.20 no.63 Murcia jul. 2021  Epub 02-Ago-2021

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.451351 

Originais

Níveis de ideação suicida associados ao uso de álcool

Clara Ananda Pimentel de Sousa Santos1  , Claudete Ferreira de Souza Monteiro2 

1 Enfermera, Maestra en Enfermería, Universidad Federal de Piauí. Teresina/Piauí/Brasil. claraanandapimentel@hotmail.com

2 Enfermera, Doctora en Enfermería, Profesora de graduación y posgraduación en Enfermería de la Universidad Federal de Piauí. Teresina/Piauí/Brasil.

RESUMO:

Objetivo

Analisar a associação entre ideação suicida e uso de álcool em população adulta atendida na atenção primária à saúde de Teresina/Piauí/Brasil, no período de junho a setembro de 2019.

Material e Método

Estudo observacional, analítico e transversal realizado com 380 adultos em 11 Unidades Básicas de Saúde. A população fonte constou de 14.062 adultos de 20 a 59 anos, cadastrados no sistema de informação e-SUS das Equipes de Saúde da Família. A coleta de dados ocorreu entre junho e setembro de 2019, com aplicação de questionário sociodemográfico, Escala de Ideação Suicida de Beck e Alcohol Use Desorders Identification Test.

Resultados:

A prevalência de ideação suicida na amostra foi 17,9%. Dentre estes 39,7% apresentam ideação suicida clinicamente significante. O uso de álcool por pessoas com ideação suicida foi de 42,6% e com ideação suicida clinicamente significante de 44,4%. Em indivíduos com provável dependência observou-se um aumento na prevalência de ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante, 33,3% e 16,7%, respectivamente. Não ter companheiro apresentou 1,4 vezes mais chances de presença de ideação suicida e histórico de discriminação 1,9 mais chances. Ter tido evento estressor aumenta as chances de ideação suicida clinicamente significante em 3,1 vezes e problemas com sono em 2,9 vezes.

Conclusão:

O estudo mostrou que o uso de álcool exerceu influência para presença de ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante na amostra.

Palavras chave: Adulto; Ideação suicida; Abuso de álcool; Saúde mental; Saúde coletiva

INTRODUÇÃO

A ideação suicida envolve desde pensamentos momentâneos de que a vida não vale a pena ser vivida, passando por vagas ideias sobre morrer, geralmente de maneira passiva, chegando ás vezes, a um planejamento minucioso sobre como tirar a própria vida. Diante da sua gravidade, hoje a preocupação dos profissionais e das políticas de saúde incluem providências que devem ser tomadas antes que essa ideia saia do plano mental e se torne uma drástica realidade - a tentativa ou o suicídio 1). Por ser a primeira intenção, ela é estudada dentro do comportamento suicidário que envolve basicamente três manifestações: ideação suicida, tentativas de suicídio e o suicídio 2).

No contexto brasileiro ocorrem em torno de 11 mil óbitos por suicídio, o que equivale a 30 suicídios por dia. Os dados levantados no período de 2011 a 2017 mostram registros de 80.352 óbitos por suicídio na população a partir de 10 anos, indicando ser a quarta maior causa de mortes na população jovem do Brasil. No estado do Piauí, região Nordeste, a taxa de óbitos por suicídio na faixa etária de 15 a 29 anos, nesse mesmo período, passou de 8,7 para 11,4, o que aponta variação de 32% 3).

Dados do Boletim Epidemiológico nº 24, da Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde do Brasil, informa que o total de casos notificados de violência autoprovocada e óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos, no período de 2011 a 2018 foi de 154.279. Traz ainda um novo componente ao colocar que violências autoprovocadas/autoinfligidas compreendem ideação suicida, automutilações, tentativas de suicídio e suicídios, muito embora ressalte que nem toda violência autoprovocada caracteriza uma tentativa de suicídio, pois pode ser uma forma de aliviar sofrimentos, sem que haja o objetivo de pôr fim à vida. Ressalta-se que ideação suicida não é objeto de notificação3).

Os dados são de fato preocupantes e várias são as tentativas de explicação. Quando se estuda o lado individual dos suicidários, a visão considerada é de um transtorno da saúde mental do indivíduo (em particular, depressão e abuso de álcool). Quando se analise a dimensão social e econômica o suicídio passa a ser considerado oriundo de pressões ordenador que a coesão social exerce sobre as pessoas4).

Para a Organização Mundial da Saúde o suicídio é evitável. Dentre as várias medidas de prevenção e controle das tentativas e, por conseguinte do suicídio, inclui a identificação precoce, tratamento e cuidados de pessoas com transtornos mentais ou por uso de substâncias, dores crônicas e estresse emocional agudo5 Indicando nessas medidas que o uso de substancias encontra-se relacionado também com o comportamento sucidário.

Dados do segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD), mostra que 5% dos brasileiros já tentaram cometer suicídio e que em cerca de 24% dessas tentativas o uso de álcool esteve presente 6. O álcool é um problema que se encontra inserido em diversos âmbitos, com destaque para a relação com o comportamento suicida 7.

Diante desse panorama estatístico, do sofrimento que envolve as vítimas, família e sociedade e, da dificuldade de identificar essa intencionalidade, busca-se fatores que se associam a essa ideia. Portanto, o objetivo desse estudo foi analisar a associação entre ideação suicida e uso de álcool em população adulta atendida na atenção primária à saúde de Teresina/Piauí/Brasil.

MATERIAL E MÉTODO

Estudo observacional, analítico e transversal, realizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) que contam com matriciamento pelos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) no município de Teresina/Piauí/Brasil. Participaram da pesquisa usuários que estavam cadastrados nas UBS, na faixa entre 20 a 59 anos de idade.

A população fonte constou de 14.062 hab (adultos de 20 a 59 anos, cadastrados no sistema de informação e-SUS das Equipes de Saúde da Família (eSF). Para o cálculo da amostra adotou-se a fórmula para pesquisas sociais em populações finitas, levando-se em consideração uma prevalência presumida (50%) de indivíduos com comportamento suicida que buscam serviços de atenção primária8. Adotou-se nível de confiança de 95% e erro máximo de 5%. A mostra totalizou 380 indivíduos.

A coleta ocorreu entre junho e setembro de 2019, em 11 UBS (somente as matriciadas por NASF). Utilizou-se questionário contendo dados sociodemográficos, condições de saúde e hábitos de vida; Escala de Ideação Suicida de Beck (BSI) e Alcohol Use Desorders Identification Test (AUDIT).

Para investigar a suspeição de uso nocivo de álcool utilizou-se o Alcohol Use Desorders Identification Test (AUDIT), instrumento de fácil aplicação, composto por 10 perguntas, consistente com a definição do CID-10 de uso nocivo e dependência de álcool, validado no Brasil por Méndez (1999), que verificou 7,8% de sensibilidade e 81% de especificidade para as categorias: uso nocivo, síndrome da dependência e estado de abstinência. As respostas a cada questão são pontuadas de 1 a 4, sendo as maiores pontuações indicativas de problemas. O instrumento prediz quatro zonas de risco, de acordo com o escore obtido: zona I (até 7 pontos: indica uso de baixo risco ou abstinência); zona II (de 8 a 15 pontos: indica uso de risco); zona III (de 16 a 19 pontos: sugere uso nocivo) e zona IV (acima de 20 pontos: mostra uma possível dependência) 9.

Para avaliação da presença de ideação suicida foi utilizada a Escala de Ideação Suicida de Beck (BSI). Criada em 1979 por Beck e colaboradores, é um dos instrumentos de auto avaliação para verificação da gravidade da ideação suicida, composta por 21 itens pontuados em escala de 0 a 3, com variação de escore de 0-38, calculado apenas pela soma dos primeiros 19 itens, os itens 20 e 21 são meramente informativos. Com base na validação realizada por Cunha (2001) 10 em âmbito nacional, pessoas que apresentaram escore abaixo de 6 pontos foram considerados com ideação suicida, já indivíduos que apresentaram pontuação igual ou superior a 6 foram considerados com ideação suicida clinicamente significante. Nesse estudo a aplicação desse instrumento não objetivou levantar diagnostico clinico, mas, para obtenção de dados no âmbito da pesquisa. Contou-se com o auxílio de um profissional psicólogo na análise dos resultados obtidos pelo referido instrumento.

Os dados foram analisados no software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0. A fim de caracterizar a amostra foram realizadas estatísticas descritivas, como medidas de tendência central (frequência simples, média, mediana) e medidas de dispersão (desvio padrão). O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado nas variáveis numéricas contínuas para verificação do pressuposto de normalidade. A homogeneidade das variâncias foi avaliada pelo teste de Levene, enquanto que a linearidade foi avaliada por meio dos gráficos de dispersão.

Para o estudo das associações entre as variáveis quantitativas, empregou-se o coeficiente de correlação de Spearman. Utilizou-se o teste qui quadrado para avaliar a associação entre as variáveis categóricas nominais. Aplicou-se ainda o teste de regressão logística multivariada para estimar a probabilidade associada à ocorrência do evento em face do conjunto de variáveis explanatórias. Para todas as análises que se pretendeu foi adotado o nível de significância de 0,05.

Foram obedecidos os princípios da ética, sigilo e confidencialidade, conforme preconiza a Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos. Os participantes foram convidados e esclarecidos acerca dos objetivos do estudo e, ao concordarem em sua participação, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (Parecer n°. 121623/2018).

RESULTADOS

Verificou-se na amostra uma prevalência de ideação suicida de 17,9%. Dentre estes 39,7% apresentaram ideação suicida clinicamente significante (Figura 1). A média de escore no BSI foi de 1,24 (desvio padrão 4,17), com valor máximo de 31 pontos.

Figura 1:  Prevalência ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante segundo o BSI. Teresina, 2019. (n= 380) 

Observa-se na Figura 2 que a prevalência de uso de álcool por pessoas com ideação suicida foi de 42,6% e com ideação suicida clinicamente significante de 44,4%. Na análise bivariada não houve associação entre as variáveis uso de álcool e ideação suicida (p= 0,435) e uso de álcool e ideação suicida clinicamente significante (p=0,429).

Figura 2:  Uso de álcool por pessoas com ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante. Teresina, 2019. (n= 380). 

Entre as pessoas que fazem uso de álcool, a prevalência levantada de ideação suicida foi de 18,6% (n=29). A Figura 3 apresenta a prevalência de ideação suicida e ideação clinicamente significante segundo o padrão de uso de álcool. Observa-se aumento na prevalência de ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante com o aumento na gravidade do padrão de uso de álcool, alcançando-se um percentual de 33,3% e 16,7%, respectivamente, em indivíduos com escore compatível com padrão de possível dependência. Na análise bivariada não se observou associação significativa entre as variáveis: ideação suicida e padrão de uso de álcool (p = 0,060) e associação significativa entre as variáveis ideação suicida clinicamente significante e padrão de uso de álcool (p = 0,030).

Figura 3:  Prevalência de ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante segundo o padrão de uso álcool. Teresina, 2019. (n= 380) 

No modelo de regressão logística multivariada para presença de ideação suicida, mantiveram-se associação estatística significante situação conjugal sem companheiro e histórico de discriminação. Não ter companheiro apresentou 1,4 vezes mais chances de presença de ideação suicida; ter histórico de discriminação apresentou 1,9 mais chances de presença de ideação suicida (Tabela 1).

Tabela 1:  Regressão logística envolvendo presença de ideação suicida e variáveis socioeconômicas e condições de vida em pessoas que fazem uso de álcool. Teresina, 2019. (n= 156). 

No modelo de regressão logística multivariada para presença de ideação suicida clinicamente significante, mantiveram-se associação estatística significante sexo feminino, estado civil sem companheiro (com casamento anterior), sem companheiro, presença de evento estressor, presença de problemas de sono e histórico de discriminação. O sexo feminino apresentou 3 vezes mais chances de presença de ideação suicida clinicamente significante, estado civil sem companheiro (com casamento anterior) 4 vezes mais, sem companheiro 2,9 vezes mais chances. Ter tido evento estressor aumenta as chances de ideação suicida clinicamente significante em 3,1 vezes e problemas com sono em 2,9 vezes. Histórico de discriminação apresentou 3,7 mais chances de presença de ideação suicida clinicamente significativa (Tabela 2).

Tabela 2:  Regressão logística envolvendo presença de ideação suicida clinicamente significante e variáveis socioeconômicas e condições de vida em pessoas que fazem uso de álcool. Teresina, 2019. (n= 156). 

DISCUSSÃO

Na análise da prevalência de ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante adotou-se o ponto de corte de 6 pontos no escore obtido na BSI. Dos 380 participantes, 17,9% apresentaram nível de ideação suicida. Resultado similar foi identificado em outros estudos 11,12. A presença da ideação suicida clinicamente significante esteve em 39,7% dos indivíduos que apresentaram pontuação diferente de zero na BSI. Na mesma região brasileira deste estudo - Nordeste, a presença de ideação suicida forte foi identificada em 63% da amostra13. Torna assim uma preocupação em potencial que deve ser vista tanto pelo contexto individual quanto aqueles que se relacionam a vida em coletividade.

Ainda que esteja bem estabelecida a relação entre comportamento suicida e transtornos mentais (em particular, a depressão e uso de substâncias), vários atos suicidários acontecem de maneira impulsiva em momento de crise, como um colapso na habilidade de lidar com os fatores estressores da vida, tais como problemas financeiros, términos de relacionamento ou dores e doenças crônicas. Com isso, conclui-se que o prejuízo no enfrentamento de conflitos, desastres, violência, abusos ou perdas e um senso de isolamento estão fortemente associados ao comportamento suicida 5.

Os dados analisados nesse estudo apontam que a prevalência de uso de álcool por pessoas com ideação suicida foi de 42,6% e com ideação suicida clinicamente significante foi de 44.4%. A associação do uso de álcool com a ideação suicida foi verificada em estudo realizado em maiores de 18 anos que frequentam uma universidade pública no Piauí, na qual revelou que 90,3% dos indivíduos que relataram fazer uso de álcool apresentaram algum nível de ideação suicida. O uso de bebida alcóolica aumenta em 7,11 as chances da presença de ideação suicida 14. Essa mesma associação foi verificada em estudos nacionais e internacionais 15,16.

A associação entre o abuso de substância e o comportamento suicida vem sendo apresentada na literatura, principalmente sob o pressuposto de que o uso indevido de álcool pode desencadear pensamentos suicidas. Tanto a presença de ideação suicida pode precipitar o uso indevido de álcool, quanto o uso indevido de álcool pode precipitar o comportamento suicida. Por conseguinte, a relação entre uso de substâncias e comportamento suicida parece ser recíproca e multidirecional, o que evidencia a necessidade de medidas preventivas para ambos os agravos 17.

Observou-se nesse estudo que à medida que houve aumento no padrão de uso de álcool, elevou-se também a prevalência de ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante, mostrando que valores mais altos dos dois níveis de ideação suicida encontravam-se no padrão compatível com provável dependência de álcool. Dados convergem com outro estudo onde a dependência de álcool esteve presente em 13% dos indivíduos que apresentaram ideação suicida de baixa gravidade e em 16% nos participantes que foram considerados como com ideação suicida de alta gravidade 11.

Estudo realizado através da análise dos dados da Pesquisa Nacional Combinada 2008-2012 sobre uso de drogas e saúde, cujo objetivo era verificar o impacto do binge drinking no comportamento suicida na população adulta dos Estados Unidos da América, verificou que a ideação suicida prevaleceu nos indivíduos que faziam uso em binge (29,0%), quando comparados àqueles que não eram bebedores compulsivos, evidenciando que à medida que aumenta a gravidade do consumo, eleva-se a presença de ideação suicida 18.

Através do modelo de regressão logística multivariada para presença de ideação suicida significante, observou-se que ser do sexo feminino apresentou associação estatística significante e que mulheres apresentam 3 vezes mais chance de manifestar esse comportamento. Fato também evidenciado em outro estudo, no qual houve associação estatisticamente significante entre ideação suicida e mulheres 19.

Alguns elementos devem ser levados em consideração quando se trata de fatores que levam essas mulheres a considerar o suicídio, e um deles está relacionado a questões ligadas ao gênero. Aspectos esses que podem envolver os rígidos papéis de gênero que essas mulheres realizam uma posição desigual ou falta de poder em relação aos filhos, marido e familiares. Também pode estar relacionado à violência sofrida (psicológica, verbal, física, sexual ou institucional). A somatização de tal vivência compromete a saúde mental das mulheres, de modo a promover o isolamento, ansiedade, baixa autoestima e depressão, culminando na ideação suicida 20.

Ter histórico de discriminação apresentou associação estatisticamente significante com os dois níveis de ideação suicida abordados nessa pesquisa, elevando em 1,9 as chances da presença de ideação suicida e em 3,7 vezes o risco de ideação suicida clinicamente significante. A pessoa que sofre discriminação fica com marcas em relação ao respeito próprio e do poder pessoal, da sua autonomia e competência de autodeterminação sobre a própria vida. As taxas de suicídio são elevadas em grupos vulneráveis que sofrem discriminação, como refugiados e migrantes, indígenas, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) e pessoas privadas de liberdade 5.

O estigma eleva, pois, a vulnerabilidade dos seres e grupos, o que reflete diretamente nas suas condições de saúde. Independente da fonte causadora do estigma, as implicações na vida do indivíduo acometido podem ser: violação da dignidade humana, isolamento e exclusão sociais, menor acesso aos serviços de saúde, comprometimento das chances de vida, com deterioração da qualidade de vida e aumento do risco de morte 21.

Ser divorciado(a) ou viúvo(a) (estado civil sem companheiro, com casamento anterior) acrescenta em 4 vezes as chances da ideação suicida clinicamente significante e ser solteiro (sem companheiro) aumenta em 2,9 o risco em apresentar esse nível de ideação suicida. Uma das causas para esse fenômeno é a relação de dependência emocional ao cônjuge, expressa, por exemplo, pela concepção de que não é possível viver sem o outro. A dependência emocional compreende um padrão persistente de necessidades psicológicas que não foram atendidas e que podem resultar na carência de autoestima e idealização do outro, fato que predispõem à alterações comportamentais e que pode resultar em sofrimento psíquico e consequências 22.

A presença de histórico de evento estressor no último ano aumentou as chances da ideação suicida clinicamente significante em 3,1 vezes. Pesquisa que visou a identificação de classes distintas de categorias de eventos estressores e a interferência dessas classes na ideação suicida e tentativa de suicídio, evidenciou que 14,4% dos participantes da pesquisa afirmaram ter tido algum evento estressor 23.

Eventos estressores são definidos como fatos ocorridos na vida que alteram o ambiente e provocam uma tensão que interfere nas respostas emitidas pelos indivíduos. Apesar da influência biológica e genética no comportamento suicida, os fatores externos tidos como psicossociais (família desestruturada, desemprego, pobreza, dificuldade de acesso à saúde e educação, doença na família, falecimento de alguém querido, divórcio, dentre outros) podem ser causadores de estresse, ser modificadores do ambiente e aumentarem a probabilidade do surgimento de problemas emocionais interferindo no comportamento do indivíduo 24.

Indivíduos que apresentam problemas no sono apresentam 2,9 vezes mais chances de ideação suicida clinicamente significante. Alterações no sono podem causar consequências do equilíbrio emocional, e originar perturbações depressivas, de ansiedade e stress nos indivíduos. Os transtornos nos padrões de sono podem resultar num elevado risco de transtornos somáticos e psicológicos, que atingem negativamente a qualidade de vida. A redução da duração de sono normal favorece a elevação da agressividade, irritabilidade, labilidade emocional e menor tolerância à frustração 25.

CONCLUSÃO

Os dados mostram alta prevalência de ideação suicida, com elevado percentual de ideação suicida clinicamente significante. Mostram também sua associação com uso de álcool, pois à medida que eleva o padrão desse uso eleva também a prevalência de ideação suicida e ideação suicida clinicamente significante. Apresenta associação significativa da presença de ideação suicida com o sexo feminino, presença de evento estressor, problemas no sono, histórico de violência e de discriminação.

Tais achados revelam a influência que o uso de álcool exerce na ideação suicida e constituem-se como um diagnóstico situacional para que os serviços de atenção básica de saúde promovam ações de prevenção e enfrentamento a essas questões.

Como limitações desse estudo, pontua-se a participação de indivíduos acima de 20 anos, tendo em vista que o uso de álcool inicia-se precocemente no adolescer, merecendo, pois, futuras pesquisas sobre essa faixa etária.

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Recebido: 19 de Outubro de 2020; Aceito: 13 de Janeiro de 2021

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