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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.20 no.63 Murcia jul. 2021  Epub 02-Ago-2021

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.450481 

Originais

Notificação de incidentes relacionados à assistência à saúde em um hospital de ensino

Valdenir Almeida da Silva1  , Rosana Santos Mota1  , Angela de Souza Barros1  , Alessandra Rabelo Fernandes Gonçalves1  , Monalisa Viana Sant’Anna1  , Mara Regina Nascimento Barbosa dos Santos1 

1 Hospital Universitario Profesor Edgard Santos, Universidad Federal de Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. valdenirenf@gmail.com

RESUMO:

Objetivo:

Analisar os incidentes relacionados à assistência à saúde em um hospital de ensino.

Método:

Pesquisa quantitativa, realizada a partir das notificações de incidentes realizadas entre 2016 e 2018. Os dados foram processados no programa STATA versão 12.

Resultados:

A incidência de eventos adversos foi 3,82 por 100 pacientes-dia. As unidades de internação para adultos foram os locais com maior ocorrência de incidentes, 57,20%; os pacientes adultos, 52,75%; do sexo feminino, 52,9%; negros, 80,01%; solteiros, 47,62%; com baixa ou nenhuma escolaridade, 50,91%, foram os principais atingidos. Os enfermeiros foram os principais notificadores, 80,38%. As flebites, 27,05%; cirurgias, 19,20%; e quedas, 17,27%, foram os incidentes mais notificados, cujos danos foram classificados como leves em 91,52%, mas houve 03 óbitos no período.

Conclusão:

A análise dos incidentes permite destacar a importância das notificações para o planejamento e implementação de medidas que possam contribuir para o fortalecimento da cultura de segurança do paciente.

Palavras-chave: Notificação; Eventos adversos; Segurança do paciente; Hospitais de ensino; Enfermagem

INTRODUÇÃO

A segurança do paciente é uma preocupação global, afetando todos os sistemas de saúde tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento1. Nas organizações de saúde, como organizações complexas e cujo risco zero é impossível de se obter, a existência de mecanismos para gestão de incidentes relacionados à assistência à saúde e da minimização de seus impactos contribuem para o desenvolvimento de sistemas fiáveis/confiáveis2. Como estratégia para a melhoria do cuidado e da assistência prestada, questões relativas à segurança do paciente vêm ganhando destaque. Em âmbito global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou, em 2004, a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente no intuito de fomentar discussões acerca do tema e para estimular o desenvolvimento de ações em prol da segurança do paciente e da redução da ocorrência de eventos adversos (EA)3.

A abordagem do tema segurança do paciente tem sido enfatizada como uma necessidade premente, conforme editorial do periódico The Lancet “Segurança do paciente não é um luxo” (Patientsafetyisnot a luxury). Essa publicação reforça a importância de se estruturar sistemas e ambientes nos serviços de saúde capazes de promover diminuição de erros4. A OMS infere que, no mundo, ocorre um evento adverso evitável para cada 10 pacientes, durante a utilização dos serviços de saúde5. Estima-se que 4,2 milhões de pacientes em todo o mundo sofrem danos ou morte anualmente devido à práticas de assistência insegura ou a erros. O custo anual derivado dessas práticas é estimado em 42 bilhões de dólares, consumindo cerca de 1% dos gastos globais na saúde1.

Sendo os riscos à segurança no processo do cuidado inevitáveis, embora, em parte, preveníveis1,5, destaca-se o papel da notificação de incidentes relacionados à assistência à saúde, cujo propósito primário é a comunicação de ameaças à segurança, como quase falhas, incidentes ou eventos adversos, e a possibilidade de subsidiar o aprendizado a partir da experiência. Um bom sistema interno de notificação pode ser usado para identificar ameaças à segurança do paciente e assegurar que todos os envolvidos estejam conscientes de tais ameaças. Assim, as notificações são importantes para o monitoramento do progresso na prevenção de erros, para permitir o acompanhamento de práticas segura e como forma de melhorar a segurança do paciente1,6-8. Os sistemas de notificação permitem a coleta de informações, análise e disseminação das lições aprendidas8.

As informações obtidas a partir das notificações são determinantes para tomadores de decisão, responsáveis pela elaboração e gestão de políticas de segurança, profissionais de saúde e pacientes9, podendo subsidiar a implementação de melhorias organizacionais6,10. A tomada de decisão baseada em dados sobre notificações de incidentes, então, deve ser um compromisso assumido pelos agentes envolvidos nas políticas públicas para a segurança do paciente2.

Diante da importância atribuída às notificações dos incidentes relacionados à assistência à saúde para a segurança do paciente, decidiu-se pela realização desse estudo que traz como objetivo analisar os incidentes relacionados à assistência à saúde em um hospital de ensino.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória com abordagem quantitativa, realizada a partir de dados secundários provenientes de notificações de incidentes relacionados à assistência à saúde, referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018.

A pesquisa foi realizada em um hospital de ensino (HE), de grande porte, pertencente ao Sistema Único de Saúde (SUS), integrante da rede Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, localizado em Salvador, Bahia, Brasil. Trata-se de um hospital integrante da Rede de Hospitais Sentinela, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), cujo objetivo primordial é ser um observatório ativo do desempenho e segurança de produtos usados na saúde. Como tal, colabora com a notificação de eventos adversos e queixas técnicas relacionadas a produtos sob vigilância pós-uso ou pós-comercialização no Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (NOTIVISA). Além disso, possui um Núcleo de Segurança do Paciente estruturado com implantação dos protocolos básicos de segurança do paciente recomendados pela ANVISA, além de realizar monitoramento dos protocolos e dos incidentes, e atividades de educação permanente em segurança do paciente.

O hospital dispõe de um aplicativo de Vigilância Hospitalar (VIGIHOSP) implantado em meados de 2015 para o recebimento das notificações de incidentes e queixas técnicas relacionadas à assistência à saúde. Desde então, vem recebendo notificações de todos os setores do hospital sendo acessível a todos os profissionais.

Os dados foram coletados entre os meses de agosto de 2019 a março de 2020 por uma bolsista de iniciação à pesquisa devidamente treinada e supervisionada pelos pesquisadores responsáveis. Como o VIGIHOSP foi implantado no hospital em meados de 2015, determinou-se como período da pesquisa os anos de 2016 a 2018, sendo este último o ano completo anterior à elaboração do projeto.

Incluiu-se todas as notificações de incidentes relacionadas à assistência à saúde realizadas no VIGIHOSP, no período da pesquisa. Foram coletadas variáveis relacionadas aos pacientes e incidentes, tais como: idade, raça, sexo, estado civil, grau de instrução, procedência, turno da ocorrência, categoria profissional do notificante, natureza da notificação (anônima ou identificada); data e local da ocorrência; tipo e características do incidente; e grau do dano (leve, moderado, grave, óbito).

Adotou-se a classificação do grau do dano conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS)11, em: 1) nenhum - não houve nenhuma consequência para o paciente; 2) leve - o paciente apresentou sintomas leves, danos mínimos ou intermediários de curta duração sem intervenção ou com uma intervenção mínima (pequeno tratamento ou observação); 3) moderado - o paciente necessitou de intervenção como, por exemplo, a realização de procedimento suplementar ou terapêutica adicional, prolongamento da internação, perda de função, danos permanentes ou por longo tempo; 4) grave - necessária intervenção para salvar a vida, grande intervenção médico-cirúrgica ou causou grandes danos permanentes ou em longo prazo; perturbação/risco fetal ou anomalia congênita; e 5) morte. Cumpre salientar que um incidente relacionado á assistência à saúde é um evento ou circunstância que poderia resultar ou que resultou em dano desnecessário para o paciente. Quando tal incidente resulta em dano ao paciente, denomina-se evento adverso11.

Os dados foram analisados por meio do software estatístico STATA versão 12 mediante a aplicação de estatística descritiva. A taxa de incidência dos incidentes relacionados à assistência à saúde foi calculada pela relação entre o número de incidentes notificados no período do estudo, dividido pelo número total de pacientes admitidos no mesmo período x 100.

O projeto atendeu aos princípios éticos da pesquisa envolvendo seres humanos e atendeu às recomendações da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. O protocolo da pesquisa foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa mediante CAAE número 09076619.2.0000.0049.

RESULTADOS

No período da pesquisa foram notificados 1911 incidentes no HE, sendo que 259 ocorreram no ano de 2016, 617 em 2017 e 1035 em 2018. A incidência geral das notificações no período do estudo foi de 7,94 por 100 pacientes internados-dia, sendo 3,46 em 2016; 7,91 em 2017 e 11,78 em 2018. As principais unidades notificadoras foram: unidades de internação adulto, com 1093 (57,20%) notificações; centro cirúrgico, que realizou 240 (12,56%) notificações; Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto, com 203 (10,62%) notificações; e a unidade de oncohematologia, com 169 (8,84%). (Tabela1)

Tabela 1.  Caracterização dos incidentes relacionados à assistência à saúde notificados, conforme o local de ocorrência. Salvador, Bahia, Brasil, 2020 

A caracterização sociodemográfica dos pacientes que tiverem incidentes notificados aponta para pessoas majoritariamente adultas, 1.008 (52,75%) e idosas, 649 (33,96%); do sexo feminino, 995 (52,9%); autodeclarados como negros, 1529 (80,01%); solteiros, 910 (47,62%); com baixa ou nenhuma escolaridade, 973 (50,91%); e provenientes de Salvador - Bahia, 1030 (53,90%). (Tabela 2)

Tabela 2.  Caracterização sociodemográfica dos pacientes com notificação de incidentes relacionados à assistência à saúde. Salvador, Bahia, Brasil, 2020 

Quanto à caracterização dos incidentes notificados (Tabela 3), a maioria ocorreu durante a internação do indivíduo no HE, 1827 (95,70%); no turno da manhã, 414 (21,66%); com notificação identificada, 1446 (75,67%); sendo o profissional enfermeiro o principal notificador, 1536 (80,38%). Salienta-se a elevada proporção de falta de registro no turno de ocorrência dos incidentes, 815 (42,65%).

Tabela 3.  Caracterização dos incidentes relacionados à assistência à saúde notificados. Salvador, Bahia, Brasil, 2020 

No tocante ao tipo de incidente (Tabela 4), as maiores proporções de notificações foram relacionados às flebites, 517 (27,05%); cirurgias, 367 (19,20%); quedas, 330 (17,27%); problemas relacionados à cadeia medicamentosa, 233 (12,19%); lesões de pele, 181 (9,47%); e problemas com a identificação do paciente, 72 (3,77%).

Tabela 4.  Tipos de incidentes relacionados à assistência à saúde notificados. Salvador, Bahia, Brasil, 2020 

Referente ao dano, 920 (48,14%) dos incidentes foram classificados como eventos adversos, com repercussões na saúde dos indivíduos. A incidência dos eventos adversos foi de 3,82 por cada 100 pacientes internados/dia. Os incidentes que apresentaram maior proporção de danos à saúde, foram: flebites, lesões de pele, artigos e equipamentos médico-hospitalar, perda de cateter, sangue e/ou hemocomponentes, extubação acidental e erro diagnóstico, com danos aos pacientes em 100% dos casos, sendo, portanto, classificados como eventos adversos; terapia nutricional, em 18 (56,26%); quedas, em 43 (13,03%); e problemas relacionados à cadeia medicamentosa, com 30 (12,88%) dos casos.

Concernente ao grau do dano decorrente do evento adverso (Tabela 5), a maioria repercutiu com danos leves, 842 (91,52%); 64 (6,96%) ocasionaram danos moderados; e três (0,32%) culminaram na morte do indivíduo. Os eventos que apresentaram maiores proporções de danos considerados moderados ou graves foram: cirurgia (36,84%), equipamento médico-hospitalar (25%), medicamentos (20%), extubação acidental (12,50%), quedas (11,63%) e lesão de pele (8,84%).

Tabela 5.  Grau do dano dos eventos adversos notificados. Salvador, Bahia, Brasil, 2020 

DISCUSSÃO

No período do estudo, a incidência geral das notificações de incidentes relacionados à assistência à saúde foi de 7,94 por 100 pacientes-dia. Dentre os incidentes notificados, 48,14% causaram algum dano aos pacientes e assim, foram classificados como eventos adversos. A incidência de eventos adversos encontrada foi de 3,82 para cada 100 pacientes internados. Pesquisa realizada em um hospital de ensino em Minas Gerais a partir de notificações espontâneas em um sistema eletrônico de notificação, em um período de quatro anos, encontrou uma resultado semelhante, com prevalência de 33,8 incidentes por 1.000 internações12.

Esses dados diferem de outras pesquisas brasileiras e internacionais quanto ao percentual de eventos adversos entre os incidentes estudados. Pesquisa realizada em três hospitais de ensino no Rio de Janeiro - RJ, mostrou uma incidência de eventos adversos de 7,6%, com uma proporção de 0,8 EA por 100 pacientes-dia13. Outra pesquisa identificou um percentual de 7,9%14; e de 8,2%, sendo que 24% dos pacientes sofreram entre dois e cinco eventos diferentes15 Em outras publicações ainda encontra-se um percentual maior de eventos adversos em unidades especializadas, como UTI, cuja incidência foi de 32,4%, com uma média de 2,8 eventos adversos por 100 paciente-dia16 e entre idosos hospitalizados, com prevalência de 58,8% e média de 2,04 eventos por 100 internações17. Em âmbito internacional, destaca-se que no Quênia, identificou-se prevalência de 1,4% eventos adversos, a partir de revisão de prontuários18; no Canadá, pesquisa mostrou um percentual de EA de 12,5%19) e em Portugal, a incidência de EA foi estimada em 15,3%20.

É necessário reconhecer que diversos fatores influenciam na ocorrência de EA, como quantidade e qualidade dos materiais e equipamentos disponíveis, condições estruturais do serviço e o acesso a novas tecnologias14; o subdimensionamento do pessoal de enfermagem, a formação e a qualificação14, tempo de experiência profissional menor do que cinco anos, para incidentes mais leves e maior do que cinco anos para danos mais severos1. A implementação de políticas de segurança, por outro lado, favorece a identificação e a notificação de incidentes, passos necessários para o fortalecimento da cultura de segurança.

Estudo realizado em um hospital universitário no Sul do Brasil que possui dimensionamento de pessoal adequado identificou que a ocorrência de eventos adversos foi maior do que em outros hospitais que também possuem dimensionamento dentro do recomendado pela legislação, ficando assim evidente que outros fatores como preparo inadequado para a realização de procedimentos cirúrgicos e diagnósticos, transporte inadequado, treinamento insuficiente da equipe também influenciam na ocorrência de eventos adversos14.

Observou-se que houve um crescimento no número das notificações com o passar dos anos analisados. Em outros estudos, também foi observada a mesma tendência de crescimento com os anos1)(6)(7)(12 Acredita-se que esse incremento seja devido à difusão de informações sobre o aplicativo utilizado para o recebimento das notificações, à implantação dos protocolos de segurança do paciente e à realização de atividades educativas junto aos profissionais da organização, quando é enfatizada a importância e estimulada a prática da notificação. A educação em serviço também é destacada por outros autores que constataram incremento no número de notificações correlacionado a treinamentos mensais6.

No estudo em tela, as principais origens das notificações foram as unidades de internação adulto, (57,20%); centro cirúrgico (12,56%); UTI adulto (10,62%); e a unidade de oncohematologia, (8,84%). Esses dados confirmam uma tendência apontada pela literatura quanto aos locais com maiores ocorrências de incidentes relacionados à assistência à saúde1)(6)(12)(21. A maior incidência em unidades de internação pode estar relacionada à maior quantidade de leitos e consequentemente, à maior quantidade de pacientes internados. Considera-se também o perfil de gravidade, complexidade, instabilidade hemodinâmica, uso de maior quantidade de medicamentos e a maior submissão a procedimentos diagnósticos e terapêuticos dos pacientes16, como é o caso do centro cirúrgico, UTI e unidade de oncohematologia como fatores que predispõem os pacientes a sofrer incidentes de segurança.

As características das pessoas que sofreram algum incidente apontam que o grupo de idosos foi o segundo maior (33,96%), ficando atrás dos adultos.Também houve destaque para pessoas do sexo feminino; autodeclaradas como negras, 80,01%; solteiras, 47,62%; e com baixa ou nenhuma escolaridade, 50,91%. Outras pesquisas também mostram que os adultos e os idosos compõem o grupo etário que mais sofrem incidentes relacionados à assistência à saúde1)(12)(15)(16)(22. Também há predominância de pessoas do sexo feminino14,15) e com apenas ensino fundamental14. O percentual de autodeclaração como pertencentes à raça negra pode ser justificado pelo fato de cerca de 80% da população da cidade de Salvador - Bahia ser afrodescendente, população mais vulnerável e que em sua grande maioria utiliza os serviços do SUS, coincidindo assim com a origem dos pacientes internados que sofreram incidentes.

Dentre os incidentes notificados, 95,7% ocorreram durante a internação, o que pode ser justificado pelo maior tempo de permanência do paciente no serviço e assim, estar mais exposto ao risco. Destaca-se que 40,13% dos registros foram a incidentes que ocorreram no período diurno, principalmente pela manhã, podendo ser explicado pela maior quantidade de profissionais nos serviços, maior vigilância e maior possibilidade de identificação e de notificação dos incidentes. Em pesquisa realizada em uma UTI de um hospital em São Paulo - SP, o turno da ocorrência mais relatado foi o noturno (36,8%) e houve uma distribuição próxima entre os turnos da manhã e da tarde, mas 77,4% das notificações não informavam o turno da ocorrência, ao passo que nesta pesquisa esse percentual foi de 42,65%12. No período noturno, existem menos profissionais de enfermagem e da equipe multiprofissional no serviço, no entanto, a distribuição dos incidentes neste turno foi menor. Entende-se, entretanto, que nem sempre é possível identificar o turno da ocorrência do incidente, como é o caso dos eventos que resultam de evolução processual, como flebites e lesão por pressão.

Os enfermeiros foram os maiores notificadores, respondendo por 80,38% do total de notificações nos três anos da pesquisa. Esse dado é confirmado por outros autores6,7, no entanto, em outras publicações os médicos aparecem como os maiores notificadores2, além de assistentes administrativos, técnicos em enfermagem6 e farmacêuticos21. Sabe-se que os riscos para ocorrência de incidentes devem ser compartilhados entre a equipe multiprofissional23, assim como a responsabilidade pelas notificações.

Os incidentes com as maiores proporções foram as flebites, 27,05%; os relacionados a cirurgias, 19,20%; quedas, 17,27%; problemas relacionados a cadeia medicamentosa, 12,19%; lesões de pele, 9,47%; e problemas com a identificação do paciente, 3,77%. Apesar da relevância para a segurança do paciente e da elevada proporção encontrada, este incidente não Figura entre as notificações mais comuns nos serviços de saúde24. Esse resultado leva a supor de que pode haver uma subnotificação de flebites, já que a terapia infusional e a existência de pacientes com fatores de risco para flebites, como os idosos, fazem parte do cotidiano dos serviços de saúde25. Embora as flebites sejam consideradas como evento adverso, ela ainda não integra os protocolos básicos de segurança do paciente da ANVISA. Isso pode ser um fator que influencia negativamente em sua identificação e notificação, já que a adoção de protocolos pode contribuir para a realização de cuidados com mais segurança devido ao fato de orientar condutas e a prevenção de falhas26.

No que diz respeito aos incidentes relacionados às cirurgias, parte deles dizem respeito ao não seguimento do protocolo de cirurgia segura, indicando que pode haver um amadurecimento da equipe quanto às preocupações com a segurança do paciente no contexto cirúrgico e assim, contribuindo para a cultura de segurança.

Observa-se que os incidentes mais notificados, com exceção das flebites e das cirurgias, concordam com a literatura, apenas com algumas variações em termos percentuais12)(14)(15)(17)(19)(20)(21)(27)(28. Pesquisa realizada em 12 hospitais de grande porte da região metropolitana de Salvador - Bahia relatou como eventos adversos mais prevalentes a lesão por pressão (88,9%), as quedas (77,8%), os erros de medicação (75%), a retirada não programada de drenos e tubos (42,9%), e falhas na identificação do paciente (33,3%)24. No Quênia, estudo mostra que os eventos mais relatados foram associados a medicamentos, uso de sangue e equipamentos médico-hospitalares18. Na Áustria, pesquisa indica que os incidentes mais notificados dizem respeito a cirurgias (45%), à identificação do paciente (12%), erros no gerenciamento de medicamentos (9%), a equipamentos médico-hospitalares (10%) e a falhas na comunicação (6%)7.

A maior parte dos incidentes (91,52%) resultou em danos leves; os eventos com danos moderados corresponderam a 6,96%; os graves foram 0,22%; e 0,32% levaram o paciente ao óbito. Outras pesquisas indicam a ocorrência de 79,6% de danos leves, com efeitos temporários aos pacientes. Os incidentes relacionados com a cadeia medicamentosa foram mais prevalentes como de graves (82%)12. Dados sobre notificações de eventos adversos da Indonésia apontam para a ocorrência de 19,71% de lesões leves, 2,19% de lesões permanentes e 8,76% de mortes29. Estudo realizado a partir de notificações no sistema NOTIVISA, entre os anos de 2014 e 2016 identificou que, de um total de 63.933 eventos adversos relacionados à assistência à saúde, 417 9 (0,6%) levaram ao óbito. Segundo dados da pesquisa, apenas um estado brasileiro não realizou notificação de óbito no período estudado. Os incidentes foram associados à infecção relacionada à assistência à saúde, à administração de medicamentos e fluidos intravenosos, ao uso de sangue e hemoderivados, aos artigos e equipamentos médicos e a problemas estruturais e de instalações30.

A Organização Mundial de Saúde reconhece que a ocorrência de eventos adversos é uma falha na segurança do paciente e que cerca de 60% dos incidentes ocorridos poderiam ser evitados. As estratégias de segurança do paciente devem ser encaradas como medidas capazes prevenir riscos e reduzir a possibilidade de danos em decorrência dos cuidados à saúde11. Os eventos adversos impõem consequências aos pacientes e aos serviços de saúde, como aumento dos custos hospitalares com as internações, maior tempo de permanência no leito, necessidade adicional de realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, maior consumo de medicamentos, absenteísmo no trabalho e risco de morte prematura20.

Este estudo apresenta como limitação o fato de ter sido realizado com dados de notificações voluntárias realizadas em um sistema eletrônico. Como tal, não se pode descartar a possibilidade da existência de subnotificações e com isso, pode não revelar o painel dos incidentes em sua totalidade. Outro fator limitante é a falta de informações sobre alguns itens, como o local e o turno da ocorrência, dados da caracterização dos pacientes e dos incidentes, além do grau do dano. Apesar disso, sabe-se que as notificações voluntárias são bastante difundidas em todo o mundo, sendo um dos métodos mais úteis para a geração de mudanças comportamentais por permitir o aprendizado com os próprios erros. Destaca-se que a não utilização das notificações com finalidade punitiva e disciplinar favorece a adesão à sua prática, assim como o investimento em atividades de educação permanente com a finalidade de difundir práticas de saúde seguras e necessárias ao fortalecimento da cultura de segurança do paciente12.

CONCLUSÃO

A análise dos incidentes relacionados à assistência à saúde notificados voluntariamente em um período de três anos, mostrou uma incidência geral de notificações de 7,94 por 100 pacientes-dia, dos quais 48,14% causaram algum dano aos pacientes. A incidência de eventos adversos foi de 3,82 para cada 100 pacientes internados-dia. A flebite foi o incidente mais notificado, seguido pelo grupo das cirurgias e das quedas. No geral, 91,52% dos eventos causaram danos leves, mas ocorreram três óbitos no período.

Os resultados encontrados permitem destacar a importância das notificações voluntárias de incidentes como um dos fatores que contribuem para o fortalecimento dos programas e da cultura de segurança. O conhecimento e a determinação da magnitude dos incidentes e de suas características relacionadas, bem como a análise do perfil dos pacientes atingidos, podem subsidiar o planejamento local e a implementação de diversas medidas, como as ações educativas. Estas podem contribuir para que os profissionais entendam o sentido e a importância das notificações, e, em última instância, favorecer a melhoria da qualidade e da segurança do paciente.

Financiamento:

Projeto financiado com uma bolsa de iniciação à pesquisa pelo programa Permanecer, edição 2019/2020, Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil, Universidade Federal da Bahia.

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Recebido: 14 de Outubro de 2020; Aceito: 03 de Março de 2021

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