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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.21 no.66 Murcia abr. 2022  Epub 05-Mayo-2022

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.491181 

Originais

Dinâmica espaço-temporal e fatores associados ao suicídio entre jovens no Nordeste do Brasil: um estudo ecológico

Taynara Lais Silva1  , Thatiana Araújo Maranhão1  , George Jó Bezerra Sousa2  , Isaac Gonçalves da Silva1  , Geovana Almeida Santos Araújo1  , Maria Lúcia Duarte Pereira2 

1 Departamento de Enfermería, Universidad Estadual de Piauí , Parnaíba-PI, Brasil. taynaralaissilva@gmail.com

2 Departamento de Enfermería, Universidad Estadual de Ceará , Fortaleza-CE, Brasil.

RESUMO:

Objetivo

Analisar o padrão espaço-temporal e os fatores associados à mortalidade por suicídio entre jovens no Nordeste brasileiro.

Método

Estudo ecológico que analisou os óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 24 anos ocorridos na Região Nordeste. O software Joinpoint foi utilizado para a análise temporal e a análise espacial se deu por meio dos métodos Bayesiano Empírico Local, Índice de Moran Global e Local e a técnica de estatística espacial de varredura Scan. Para identificar os fatores associados à mortalidade foi utilizado o modelo multivariado Ordinary Least Squares Estimation.

Resultados

O suicídio entre jovens apresentou crescimento significativo (p<0,001) de 2,8% ao ano na região Nordeste no período estudado. A análise de espalhamento de Moran identificou aglomerados espaciais de óbitos nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Já o método de varredura Scan identificou seis aglomerados espaciais de suicídio estatisticamente significativos. Os indicadores: percentual de desocupados de 15 a 24 anos (β = -0,05; p=0,02) e percentual de vulneráveis à pobreza (β = -0,06; p=0,03) apresentaram associação negativa, enquanto que a taxa de analfabetismo de 18 a 24 anos (β = 0,15; p=0,01) e o percentual de pessoas de 18 a 24 anos de idade com ensino fundamental completo (β = 0,09; p<0,001) apresentaram associação positiva à mortalidade por suicídio entre jovens.

Conclusões

Houve aumento significativo do suicídio entre jovens na região Nordeste. Os aglomerados com maiores taxas de suicídio localizaram-se predominantemente no estado do Piauí. Quatro indicadores socioeconômicos estiveram associados ao suicídio entre jovens na região.

Palavras-chave: Suicídio; Jovens; Mortalidade; Análise espaço-temporal

INTRODUÇÃO

Anualmente, é estimado que mais de 800 mil pessoas morrem por suicídio em todo mundo e, a cada adulto que se suicida, pelo menos outros 20 tentam tirar a própria vida 1. Este fenômeno é complexo e multifatorial, tendo em vista que fatores sociais, psicológicos e culturais podem interagir para levar uma pessoa ao comportamento suicida e a partir de uma análise contextual é possível compreender e prevenir situações de maior risco, como transtornos depressivos, abuso/dependência de álcool/drogas e isolamento social 2).

Entre os jovens de 15 a 29 anos de idade a situação é bastante delicada, pois o suicídio é a terceira principal causa de morte nesta população em todo o mundo (3). A juventude refere-se à fase de vida que corresponde ao período entre a infância e a idade adulta. É uma etapa de aquisição de habilidades sociais, atribuições de deveres, responsabilidades e afirmação da identidade. As escolhas realizadas nessa fase de vida têm forte influência no futuro (4. A maioria dos adolescentes tem vários fatores que aumentam individualmente sua vulnerabilidade à angústia e ao sofrimento emocional, elementos que de forma acumulada podem levar ao comportamento suicida (5.

A mortalidade de adolescentes por lesões autoprovocadas no Brasil apresentou tendência de crescimento nos últimos anos, especialmente na população masculina, com destaque para a região Nordeste no Brasil (6. Dessa forma, o comportamento suicida na adolescência e juventude deve ser considerado uma prioridade absoluta das políticas públicas de atenção à saúde, pois, além dos impactos individuais e familiares, a morte de indivíduos nessa faixa etária compromete o desenvolvimento do país, uma vez que futuramente poderiam estar fazendo parte da população economicamente ativa 7.

Considerando-se que as elevadas taxas de mortalidade por suicídio estão relacionadas às características socioeconômicas dos ambientes onde as populações estão inseridas, é fundamental compreender a relação entre a crescente ocorrência do agravo e sua distribuição no tempo e no espaço, correlacionando à situação socioeconômica dos municípios brasileiros 8. Diante disso, torna-se necessário analisar a ocorrência do agravo no grupo populacional de faixa etária jovem, considerando a sua localização espacial, temporal e fatores associados a fim de se compreender como ocorre o fenômeno do suicídio. Portanto, o presente estudo tem por objetivo analisar o padrão espaço-temporal e os fatores associados à mortalidade por suicídio entre jovens no Nordeste brasileiro.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo epidemiológico, do tipo ecológico em que foram analisadas as características da população de jovens na faixa etária de 15 a 24 anos que cometeram suicídio na região Nordeste do Brasil. A definição etária de juventude pode variar de país para país, entretanto, no Brasil tem-se utilizado a definição da Organização das Nações Unidas (ONU) 4.

Segundo o último censo demográfico, em 2010 a região Nordeste possuía população de 53,1 milhões de habitantes, dos quais 10,3 milhões eram jovens, constituindo-se, portanto, a segunda maior população desta faixa etária dentre as regiões brasileiras. Atualmente, estima-se uma população de aproximadamente 57,4 milhões de habitantes, dos quais 26% são jovens 9. Ressalta-se que o Nordeste é composto por 1.794 municípios que integram nove estados: Maranhão (MA), Piauí (PI), Ceará (CE), Rio Grande do Norte (RN), Paraíba (PB), Pernambuco (PE), Alagoas (AL), Sergipe (SE) e Bahia (BA).

Os dados secundários foram obtidos por meio eletrônico no portal do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde e são oriundos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Para tanto, selecionaram-se os óbitos de jovens residentes no Nordeste ocorridos no período de 2010 a 2019 e cujos códigos X60 ao X84 eram citados de acordo com a 10º Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

Os dados demográficos da população jovem dos estados e municípios do Nordeste foram obtidos no sítio eletrônico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibilizados no DATASUS e correspondem ao Censo Demográfico de 2010 e às Estimativas Intercensitárias 9. Já os dados socioeconômicos foram obtidos no sítio eletrônico do Atlas do Desenvolvimento Humano (10. Os indicadores coletados foram Índice de Gini, taxa de desocupação de 18 a 24 anos, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), razão de dependência, taxa de analfabetismo, percentual de pessoas de 18 a 24 anos de idade com ensino fundamental completo, renda per capita, percentual de vulneráveis à pobreza, percentual de pessoas de 18 a 24 anos de idade na escola, percentual de 15 a 24 anos de idade que não estudam, não trabalham e são vulneráveis, na população vulnerável dessa faixa etária. Ressalta-se que a coleta de dados e tabulação foi realizada pelos autores, os quais também realizaram as análises.

A análise da tendência temporal de regressão por pontos de inflexão foi realizada para a população geral de jovens residentes no Nordeste e por sexo, bem como foram obtidos valores para cada um dos nove estados da região. Para isso utilizou-se o software Joinpoint Regression Program versão 4.6.0.0 em que foi avaliado se uma linha com múltiplos segmentos descreve o modelo melhor do que apenas uma reta. A variação percentual anual (em inglês: Annual Percentage Change - APC) foi calculada utilizando intervalo de confiança de 95% (IC95%), no qual um valor negativo da APC indica tendência decrescente e um valor positivo indica para uma tendência crescente. Estabeleceu-se nível de significância de 5% para testar a hipótese nula de que a APC da série era igual a zero. Para a análise da APC são significativos os resultados com p<0,05 ou IC95% somente positivo (tendência crescente) ou somente negativo (tendência decrescente) (11.

O ano da ocorrência do suicídio foi escolhido como variável independente e como variável dependente a taxa de mortalidade em cada ano por estado, calculadas diretamente no programa. Assim, selecionou-se o número de óbitos como numerador e a população do ano escolhido como denominador, considerando-se o coeficiente para 100.000 habitantes.

Também foram calculadas as taxas de mortalidade brutas por suicídio entre jovens de 15 a 24 anos de cada município da região Nordeste. As taxas foram calculadas utilizando-se como numerador o número de óbitos por suicídio nos municípios em cada ano, e, como denominador, optou-se pela padronização pelo método indireto, na qual foi utilizada a média da população referente aos dois anos centrais do estudo (2014-2015), multiplicado por 100.000 habitantes. Todavia, visando minimizar a instabilidade das taxas brutas, estas foram posteriormente suavizadas por meio do método Bayesiano Empírico Local para corrigir flutuações aleatórias casuais, especialmente em municípios com pequeno número de habitantes (12.

A estrutura de dependência entre os valores observados do suicídio nos municípios nordestinos foi analisada por meio da função de autocorrelação espacial. Inicialmente, foi aplicado o Índice de Moran Global para testar a hipótese de dependência espacial e fornecer uma medida geral de associação para toda a área do estudo.

Uma vez que a presença de autocorrelação espacial global foi constatada, aplicou-se o Índice de Moran Local (Local Index Spatial Analysis - LISA) para verificar a presença de aglomerados espaciais e quantificar o grau de associação espacial em cada município do conjunto amostral. Essa técnica permite visualizar graficamente o grau de similaridade entre vizinhos por meio do diagrama de espalhamento de Moran ou Moran Map, no qual o padrão Alto/Alto (em vermelho) representa os municípios com altas taxas de suicídio circundados por municípios com taxas igualmente altas, e o padrão Baixo/Baixo (em verde) indica os municípios que possuem baixas taxas de suicídio e estão cercados por munícipios com taxas igualmente baixas. Os municípios em amarelo (Alto/Baixo) e azul (Baixo/Alto) indicam áreas de transição epidemiológica.

A formação de aglomerados puramente espaciais de óbitos por suicídio entre jovens foi avaliada por meio da técnica estatística espacial de varredura Scan. Para a identificação de aglomerados foi adotado o modelo discreto de Poisson, o qual considera que o número de eventos em cada área é proporcional ao tamanho da população sob risco, bem como os seguintes requisitos: não haver sobreposição geográfica dos aglomerados, tamanho máximo do aglomerado igual a 5,0% da população exposta, aglomerados em formato circular e 999 replicações (BRASIL, 2006). Conjuntamente, foram gerados mapas espaciais do risco relativo (RR) para formação de aglomerados de óbitos na região.

O software TerraView v.4.2.2® foi utilizado para a obtenção da matriz de vizinhança, para o cálculo das taxas brutas e bayesianas e das estimativas globais e locais de autocorrelação espacial. Para a aplicação da técnica estatística espacial Scan foi empregado o software SatScan v.9.6®. Os mapas foram elaborados no software QuantumGis v.2.14.17®.

Para a análise multivariada, o ajuste da variável dependente (taxa de mortalidade por suicídio entre jovens) e independentes (variáveis socioeconômicas) foi realizado através do modelo Ordinary Least Squares Estimation (OLS). A presença de colinearidade entre as variáveis independentes foi verificada por meio do Variance Inflation Factor (VIF). As variáveis não colineares foram inseridas no modelo OLS, adotando-se significância estatística de 5%. Para o cálculo do modelo multivariado OLS foi utilizado o software STATA v.12®.

O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí (CEP/UESPI) sob parecer de nº 3.286.816 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) de nº 07557818.4.0000.5209. Ademais, foram respeitados todos os aspectos éticos e legais conforme preconizado pelas Resoluções 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

No Nordeste foram notificados 4.634 óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 24 anos no período de 2010 a 2019, sendo a taxa de mortalidade média no período estudado de 5,19 óbitos por 100 mil habitantes. As mortes autoprovocadas foram predominantes entre os indivíduos do sexo masculino (n=3.480; 75,0%), escolaridade de quatro a sete anos de estudo (n=1.066; 40,1%), solteiros (n=3.981; 92,4%) e de cor/raça parda (n=3.405; 79,0%). A maioria dos óbitos ocorreu no domicílio da vítima (n=2.929; 67,3%), sendo o enforcamento, estrangulamento e sufocação o método mais escolhido para cometer o suicídio (n=3.164; 68,3%) (Tabela 1).

Tabela 1:  Caracterização sociodemográfica dos óbitos por suicídio entre jovens no Nordeste no período 2010-2019. Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021. (N =4.634) 

*4 Casos foram excluídos por constarem o sexo como “ignorado”.

**1.094 Casos foram excluídos por constarem os anos de estudo como “ignorado”

***52 Casos foram excluídos por constarem o local de ocorrência como “ignorado”.

****320 Casos foram excluídos por constarem cor/raça como “ignorada”.

*****325 Casos foram excluídos por constarem estado civil como “ignorado”

A análise temporal por Joinpoint mostra que no período analisado houve crescimento estatisticamente significativo de 2,8% (IC95%: 0,5 - 5,1; p<0,001) ao ano na mortalidade por suicídio entre jovens na região Nordeste. Quando a análise foi feita segundo o gênero, constatou-se que no período 2010-2019 houve crescimento de 3,2% (IC95%: 2,0 - 4,5; p<0,001) ao ano nas mortes autoprovocadas entre os homens jovens, ao passo que no período 2014-2019 houve crescimento de 6,0% (IC95%: 00,1 - 12,3; p<0,001) ao ano nos óbitos por suicídio entre as mulheres jovens. (Tabela 2).

A análise apontou ainda o aumento estatisticamente significativo (p<0,001) da mortalidade por suicídio entre jovens em quatro estados nordestinos, sendo eles: Piauí (APC: 4,9; IC95%: 1,1 - 8,8), Bahia (APC: 4,6; IC95%: 1,2 - 8,1), Maranhão (APC: 3,9; IC95%: 0,9 - 6,9) e Pernambuco (APC: 3,3; IC95%: 0,1 - 6,6) (Tabela 2).

Tabela 2:  Variação percentual anual da mortalidade por suicídio entre jovens segundo o sexo e por estado de residência no período de 2010 a 2019. Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021. 

*IC95%: Índice de confiança de 95%

A distribuição espacial da taxa de mortalidade média bruta por suicídio no período 2010-2019 é mostrada no Mapa A. Pode-se verificar que, mesmo sendo um mapa de taxas de mortalidade brutas, a distribuição das maiores taxas está majoritariamente no estado do Piauí. Após a suavização pelo método bayesiano, constatou-se aglomerados de óbitos (em laranja e marrom) que abrangeram parcela expressiva dos municípios dos estados do Piauí, Ceará e Sul do Maranhão com taxas que variaram de 8,47 a 25,42 óbitos por 100.000 habitantes (Mapa B) (Figura 1).

O índice de Moran Global demonstrou autocorrelação espacial positiva estatisticamente significativa (I = 0,12; p=0,001). Uma vez constatada a dependência espacial, procedeu-se ao cálculo do Índice de Moran Local a fim de identificar clusters do agravo. Assim, no mapa C observa-se a classificação dos municípios do Nordeste quanto às taxas de mortalidade por suicídio entre jovens de acordo com o gráfico de espalhamento de Moran. Os municípios com padrão espacial Alto/Alto (em vermelho) estão localizados predominantemente nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Os municípios com padrão Baixo/Baixo de distribuição (em verde) se situam especialmente na Bahia, Maranhão, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Todos os municípios que apresentaram um padrão espacial no Moran Map (Mapa C), mostraram-se significantes no Lisa Map (Mapa D) com p<0,05. Contudo, pode-se observar que quase a totalidade dos municípios com padrão espacial Alto/Alto e significância estatística de 99,9% (p=0,001) encontram-se no estado do Piauí (Figura 1).

A Figura 1 ainda mostra os mapas de aglomerados e de risco relativo dos óbitos por suicídio entre jovens calculados por meio do método de varredura Scan puramente espacial. No mapa E foram identificados 11 clusters, sendo que, destes, apenas seis eram estatisticamente significativos (p<0,05). O cluster primário (em vermelho), isto é, aquele com a maior verossimilhança, incluiu 155 municípios, estando eles predominantemente na sub-região nordestina Meio Norte, no estado do Piauí. Além disso, assim como no teste de autocorrelação espacial, alguns municípios do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, embora secundários, também se mostraram aglomerados espaciais significativos (em amarelo). Já o mapa F mostra que os municípios de Jurema (PI), Rio Grande do Piauí (PI), Santa Cruz do Piauí (PI) e Aroeiras do Itaim (PI) (em azul escuro), possuem risco para o suicídio de 7,04 a 10,57 vezes maior que o risco observado em toda a região Nordeste.

Figura 1:  Padrão espacial da mortalidade por suicídio entre jovens no Nordeste no período 2010-2019. Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021. 

A Tabela 3 apresenta as informações detalhadas dos aglomerados de óbitos por suicídio na população jovem identificados pelo método de varredura Scan puramente espacial. O cluster primário possui raio de 218,8 km e os seus municípios têm, em média, 2,18 vezes mais risco de suicídio em comparação à totalidade da área estudada (Nordeste).

Tabela 3:  Aglomerados espaciais de óbitos por suicídio em jovens no Nordeste no período 2010-2019, definidos pela estatística de varredura puramente espacial. Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021. 

*RR: Risco relativo para o cluster comparado ao resto do estado;

**LLR: Teste da razão de verossimilhança logarítmica.

A Tabela 4 apresenta o ajuste do modelo OLS para a taxa de mortalidade por suicídio entre jovens. Nesse modelo, o coeficiente de determinação (R²) foi de 0,0166, o que significa dizer que o conjunto dos indicadores socioeconômicos selecionados foi capaz de explicar parcialmente a variabilidade do suicídio em 1,66%.

Os indicadores socioeconômicos percentual de desocupados de 15 a 24 anos (β = -0,05; p=0,02) e percentual de vulneráveis à pobreza (β = -0,06; p=0,03) apresentaram associação negativa com o suicídio na população jovem. Por sua vez, os indicadores: taxa de analfabetismo de 18 a 24 anos (β = 0,15; p=0,01) e percentual de pessoas de 18 a 24 anos de idade com ensino fundamental completo (β = 0,09; p<0,001) apresentaram associação positiva com a mortalidade (Tabela 4).

Tabela 4:  Modelo final da Regressão Linear Múltipla ou OLS dos indicadores associados ao suicídio entre jovens no Nordeste no período 2010-2019. Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021. 

*Coeficiente de determinação (R²) = 0,0166;

**IC 95%: Índice de Confiança de 95%

*** VIF: Variance Inflation Factor

DISCUSSÃO

Os resultados levam à constatação de que houve crescimento da mortalidade por suicídio na população jovem da região estudada. As mulheres jovens apresentaram maior crescimento na mortalidade por suicídio no nordeste do Brasil nos últimos anos. O mesmo foi observado em estudo realizado na Espanha, o qual mostrou que a mortalidade por suicídio entre mulheres aumentou no período de 2010 a 2016, enquanto que entre os homens as taxas permaneceram estáveis, sendo necessários novos estudos que busquem justificar os determinantes do aumento de acordo com os gêneros (13.

Neste estudo foram identificados aglomerados espaciais de óbitos por suicídio com destaque para o estado do Piauí. Este achado corrobora com estudo que mostrou que dentre os dez municípios com as maiores taxas de suicídio da região Nordeste, cinco pertenciam ao Piauí (14. Apesar de a pobreza e a desigualdade de renda na região Nordeste do Brasil ter declinado nas últimas décadas, esta região ainda apresenta os piores indicadores sociais em relação às demais regiões do país, além de apresentar fortes padrões de heterogeneidade socioeconômica em seu território (14. Nos estados do Maranhão e Piauí, concentram-se municípios com elevado percentual de pobreza, elevado índice de Gini e as menores rendas per capitas, circundados por outros municípios na mesma situação localizados, principalmente, na sub-região nordestina Meio Norte. Essa sub-região representa uma faixa de transição entre a Amazônia e o Sertão Semiárido do nordeste, sendo composta pelos estados do Maranhão e Oeste do Piauí, a qual é pouco desenvolvida economicamente, prevalecendo atividades de extrativismo vegetal, agricultura tradicional e pecuária extensiva (15.

O estado do Ceará também apresentou aglomerados de óbitos por suicídio entre jovens. Observa-se que a trajetória histórica do Nordeste apresenta resistentes padrões de desigualdades sócio espaciais. No entanto, são notórias as conquistas obtidas nas últimas décadas pela região, como a redução da pobreza, o aumento da renda, o forte crescimento e as modificações na dinâmica econômica (15. Nesse contexto, o Ceará passou por um amplo processo de transformação nas últimas décadas, com importantes avanços nos indicadores econômicos e sociais, o que se traduziu em melhoria no bem-estar da população (16.

Ademais, pesquisa realizada no Rio Grande do Norte mostrou que os óbitos por suicídio não estiveram relacionados às piores condições de vida, uma vez que indicadores socioeconômicos estiveram associados às altas taxas de mortalidade, principalmente em regiões bem desenvolvidas (17. Da mesma forma, investigação realizada na Índia apontou que populações residentes em estados menos desenvolvidos economicamente estiveram associadas ao menor risco de suicídio em comparação com os estados mais desenvolvidos (18. Ressalta-se a complexidade do agravo suicídio que, por ser de causa multifatorial, necessita de uma análise contextual dos indivíduos a fim de se atuar nas situações de maior risco e prevenir a sua ocorrência (2.

Em relação a análise de fatores associados, observou-se que a variável percentual de desocupados de 15 a 24 anos apresentou associação negativa com a mortalidade por suicídio entre jovens no Nordeste. Estudo realizado com jovens adultos na França mostrou que empregos instáveis ​​e desfavoráveis podem aumentar as chances de comportamentos suicidas, o que deve ser monitorado, principalmente em tempos de crises econômicas (19.

Nesse contexto, a população trabalhadora pode, muitas vezes, estar sujeita a condições precárias de trabalho, baixos salários, dificuldades no transporte e longos trajetos para o emprego, que podem ocasionar efeitos desastrosos para a saúde física e mental dos indivíduos. Tais condições indicam que a sobrecarga e o sofrimento emocional relacionados ao trabalho podem ser tão acentuados que o risco do trabalhador ao suicídio é maior que o risco atribuído aos desempregados (20.

O percentual de vulneráveis a pobreza também apresentou associação negativa com a mortalidade por suicídio entre jovens, ou seja, quanto menor a renda, maior a taxa de mortalidade por suicídio. Achado semelhante foi observado em estudo realizado no Rio Grande do Sul, estado com municípios que apresentam as maiores taxas de suicídio do país, que indicou que as cidades com maior percentual de pessoas em situação de pobreza apresentaram números mais elevados de suicídio. Diante disso, ressalta-se que os resultados devem ser interpretados com cautela, em virtude da complexidade dos fatores que influenciam na intenção de cometer suicídio, com vistas a não os resumir apenas aos fatores econômicos (8.

A variável taxa de analfabetismo apresentou-se como fator de risco para a mortalidade por suicídio, ou seja, quanto maior a taxa de analfabetismo, maior o risco de mortalidade por suicídio entre jovens. O baixo nível de escolaridade tem sido apontado como fator de risco para o suicídio em várias investigações conduzidas no Brasil (21)(22)(23)(24 e em outros países (18,25. É válido ressaltar que revisão sistemática com metanálise evidenciou que intervenções educativas de prevenção ao suicídio baseadas na escola tiveram um efeito positivo na prevenção de tentativas de suicídio26.

Em contrapartida, a variável percentual de pessoas com ensino fundamental completo também apresentou associação positiva com a mortalidade por suicídio. Achado similar foi observado em estudo realizado na África do Sul, o qual apontou que pessoas com qualquer escolaridade (escola primária e acima) tiveram maiores chances de morrer por suicídio em comparação com pessoas que não tiveram nenhuma educação. Essa investigação demonstrou ainda que o risco de morte por suicídio aumentou conforme o nível de educação se elevou (27.

Este estudo apresenta como limitação o uso de dados secundários, os quais podem apresentar inconsistências devido a preenchimentos inadequados e subnotificações. Além disso, os indicadores e dados populacionais referem-se ao Censo demográfico de 2010 e Estimativas Intercensitárias, visto que o novo recenseamento nacional previsto para 2020 não foi realizado. Ademais, alguns resultados desse estudo devem ser interpretados com cautela, pois mesmo as variáveis preditoras do suicídio tendo apresentado significância estatística no modelo OLS, seus coeficientes estimados se situam muito próximos a zero, demonstrando que o efeito destes sobre a variável desfecho é pequeno. Apesar disso, tais limitações não inviabilizam a realização da pesquisa e não diminuem a sua importância.

CONCLUSÃO

Por meio deste estudo observou-se tendência significativa de aumento da mortalidade por suicídio entre jovens na região Nordeste, com destaque para Piauí e da Bahia. Além disso, seis aglomerados espaciais de suicídio foram identificados, sendo que o cluster primário incluiu predominantemente municípios do Meio Norte piauiense. Por fim, os indicadores socioeconômicos percentual de desocupados de 15 a 24 anos, percentual de vulneráveis à pobreza apresentaram associação negativa com o suicídio na população jovem. Já a taxa de analfabetismo de 18 a 24 anos e o percentual de pessoas de 18 a 24 anos de idade com ensino fundamental completo apresentaram associação positiva.

Os achados do presente trabalho produzem evidências que contribuem para o conhecimento do perfil epidemiológico e da forma como se distribui o suicídio entre jovens no tempo e no espaço nordestino, além de apresentar indicadores sociais que se apresentam como fatores de proteção ou de risco para o agravo. Tais informações poderão subsidiar a elaboração de políticas de prevenção específicas para essa faixa etária. Nesse contexto, convém ressaltar a necessidade de se direcionar as estratégias de prevenção para os municípios de maior ocorrência, a fim de que as ações de saúde pública sejam mais efetivas.

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Recebido: 06 de Setembro de 2021; Aceito: 18 de Dezembro de 2021

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