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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.22 no.69 Murcia ene. 2023  Epub 20-Mar-2023

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.524931 

Originais

Distribuição espaço-temporal e fatores relacionados à sífilis congênita no nordeste brasileiro

Geovana Almeida dos Santos-Araujo1  , Thatiana Araújo-Maranhão1  , George Jó Bezerra-Sousa1  , Taynara Lais-Silva1  , Isaac Gonçalves-da Silva1  , Mayara Nascimento-de Vasconcelos2 

1Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual do Piauí, Parnaíba-PI, Brasil. geovana.almeida.santos123@gmail.com

2Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil

RESUMO:

Objetivo:

Analisar a dinâmica espaço-temporal e os fatores socioeconômicos associados à incidência de sífilis congênita no Nordeste no período de 2008 a 2018.

Método:

Estudo ecológico desenvolvido com casos de sífilis congênita ocorridos no Nordeste e notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Foram empregados métodos de análises espacial e temporal para identificar a tendências e clusters da doença, bem como modelo de regressão linear para apontar indicadores relacionados à sífilis congênita empregando-se significância de 5

Resultados:

A incidência de sífilis congênita apresentou crescimento significativo em todos os estados nordestinos (p<0,001), com as maiores taxas e clusters localizados prioritariamente em municípios ao longo do litoral da região. As variáveis associadas à incidência de sífilis congênita no Nordeste foram: percentual de nascidos vivos com baixo peso ao nascer (p<0,001), percentual de nascidos vivos com pelo menos sete consultas de pré-natal (p<0,001), Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM)(p<0,001), renda per capita (p<0,001), percentual de pessoas pobres (p<0,001), percentual de pessoas de 18 anos ou mais de idade com ensino fundamental completo (p = 0,02) e taxa de analfabetismo (p<0,001).

Conclusão:

Verificou-se um crescimento na incidência de sífilis congênita ao longo do período analisado e clusters de altas taxas no litoral dos estados nordestinos.

Palavras-chave: Sífilis Congênita; Fatores de Risco; Estudo de Séries Temporais; Estudos Ecológicos

INTRODUÇÃO

A transmissão da Sífilis Congênita (SC) ocorre verticalmente, ou seja, da gestante para o concepto por via transplacentária em qualquer fase da gestação e no parto, nos casos em que as gestantes não são tratadas ou são tratadas de forma inadequada. Ela é uma doença de notificação compulsória e considerada, em termos epidemiológicos, um indicador da qualidade da assistência pré-natal de uma população1)(2)(3.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 1,5 milhão de mulheres grávidas são infectadas pela sífilis anualmente4. Metade delas não são tratadas e, consequentemente, terão filhos com resultados adversos, tais como baixo peso ao nascer, óbito neonatal e/ou evidência clínica de infecção5. No Brasil, nos últimos anos, houve um aumento progressivo na incidência de sífilis congênita, pois, em 2010, a taxa era de 1,4 caso/1.000 nascidos vivos (NV) e, em 2019, a taxa passou para 8,2 casos/1.000 nascidos vivos6. Salienta-se que estes valores estão bastante acima da taxa preconizada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que é de 0,5 caso para cada mil nascidos vivos7,8.

Nesse sentido, a assistência pré-natal inadequada é um dos principais fatores responsáveis pela elevada incidência da sífilis congênita em todo o mundo9. Além disso, outros fatores estão associados, tais como a pobreza, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), o abuso de drogas e o não acesso aos serviços de saúde. Os fatores de risco individuais incluem gestantes adolescentes, raça/cor não branca, baixa escolaridade, história de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), história de sífilis em gestações anteriores, múltiplos parceiros sexuais e baixa renda10. Muitos desses fatores ainda podem ser observados no Brasil, principalmente na Região Nordeste.

Diante das iminentes desigualdades regionais e da necessidade de apontar os fatores que se relacionam com a incidência de sífilis congênita, faz-se necessário a adoção de métodos de pesquisa que avaliem o problema tanto no tempo, de modo a identificar tendências, bem como no espaço, levando-se em consideração as características socioeconômicas específicas de cada local11.

Dessa forma, os resultados desse estudo permitirão conhecer como os casos de sífilis congênita estão sendo distribuídos ao longo do tempo e do espaço, além de subsidiar o diagnóstico da situação de saúde infantil, de modo a contribuir para melhoria nas ações de prevenção, diagnóstico, tratamento e vigilância da sífilis congênita. A partir daí será possível direcionar as ações de saúde de forma específica, atendendo as reais necessidades da região Nordeste, bem como colaborar para a implantação de políticas de saúde que visem intervir sobre as desigualdades entre os territórios e auxiliar na redução da sífilis congênita. Em face do exposto, o estudo tem como objetivo analisar a dinâmica espaço-temporal e os fatores socioeconômicos associados à incidência de sífilis congênita no Nordeste no período de 2008 a 2018.

MATERIAL E MÉTODO

Estudo epidemiológico, do tipo ecológico, que tem como base o uso de ferramentas de geoprocessamento e análise espacial em saúde que teve como área de interesse a região Nordeste do Brasil. De acordo com o último censo demográfico brasileiro de 2010, a população do Nordeste era de 53.078.137 de pessoas, distribuídos em 1.794 municípios e nove estados, sendo eles: Alagoas (AL), Bahia (BA), Ceará (CE), Maranhão (MA), Paraíba (PB), Pernambuco (PE), Piauí (PI), Rio Grande do Norte (RN) e Sergipe (SE)12. A unidade de análise deste estudo foram os municípios.

Como fonte de dados, utilizou-se bancos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), disponibilizados no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Foram selecionados todos os casos de sífilis congênita ocorridos e notificados levando em consideração o município de residência em menores de um ano no período de 2008 a 2018.

Os dados brutos dos casos de SC em cada ano foram tabulados em planilha do software Microsoft Office Excel e importados para o software livre Joinpoint Regression Program versão 4.6.0.0. A variação percentual anual Annual Percentage Change (APC) foi calculada com intervalo de confiança de 95% (IC95%), em que valores negativos da APC indicam tendência decrescente e valores positivos apontam para uma tendência crescente13. Definiu-se como variável dependente o ano da ocorrência de SC e como variável independente as taxas de incidência em cada ano.

Para o cálculo das taxas de incidência de SC brutas empregou-se o software TabWin v.4.14®. Como numerador da fórmula foi utilizado o número de casos de SC entre menores de um ano em cada ano considerado para este estudo e, como denominador, o número de nascidos vivos da população de cada município nordestino, também para cada ano, multiplicado por 1.000 nascidos vivos. As taxas brutas foram suavizadas pelo método Bayesiano Empírico Local para corrigir flutuações aleatórias casuais, especialmente em municípios com pequeno número de habitantes14.

Para a identificação de aglomerados espaciais foram usados dois métodos. O primeiro corresponde à função de autocorrelação espacial, por meio do Índice de Moran Global e Local. O Índice de Moran Global foi usado para testar a hipótese de dependência espacial e fornecer uma medida geral de associação para toda a área do estudo. Uma vez que a presença de autocorrelação espacial global foi constatada, o Índice de Moran Local (Local Index Spatial Analysis - LISA) foi aplicado para verificar a presença de agregados espaciais e quantificar o grau de associação espacial em cada município do conjunto amostral, considerando-se p<0,0511.

Os resultados do Índice de Moran Local são apresentados por meio do Moran Map e do Lisa Map. O Moran Map permite visualizar graficamente o grau de similaridade entre vizinhos, sendo representado por quatro quadrantes: no primeiro quadrante estão os municípios com altas taxas e que estão próximos a municípios com taxas igualmente altas (padrão espacial Alto/Alto); no segundo quadrante estão representados os municípios que possuem baixas taxas e que são circundados por municípios que também apresentam baixas taxas (padrão espacial Baixo/Baixo); já os municípios no terceiro quadrante (padrão espacial Alto/Baixo) e no quarto quadrante (padrão espacial Baixo/Alto) representam áreas de transição epidemiológica e apresentam taxas altas e baixas, porém estão muito próximos a municípios que possuem taxas baixas e altas, respectivamente11.

O segundo método utilizado para detecção de aglomerados espaciais de sífilis congênita foi a análise de varredura puramente espacial por meio da técnica estatística Scan. Além de identificar clusters espaciais, a varredura também é capaz de localizar áreas de risco para a sífilis congênita. O cálculo do risco relativo (RR) foi realizado para cada município nordestino, sendo que aqueles que apresentam valores >1 apresentam risco relativo para SC superior ao risco do Nordeste como um todo.

Para compor a construção do modelo de regressão linear multivariada Ordinary Least Squares Estimation (OLS), foram coletados dez indicadores socioeconômicos referentes a população de cada município nordestino no Portal do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil15. Os indicadores inseridos no modelo foram: percentual de nascidos vivos com baixo peso ao nascer; percentual de nascidos vivos com pelo menos sete consultas de pré-natal; Índice de Gini da renda domiciliar per capita; renda média domiciliar per capita; Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM); percentual de mulheres de 10 a 17 anos de idade que tiveram filhos; taxa de fecundidade; percentual de 18 anos ou mais de idade com ensino fundamental completo; taxa de analfabetismo e percentual de indivíduos pobres.

Para o modelo multivariado, foram inseridas as taxas de incidência de sífilis congênita e as informações socioeconômicas de todos os municípios da região Nordeste, utilizando-se o método backward e critério epidemiológico. A presença de colinearidade entre as variáveis independentes foi verificada por meio do Variance Inflation Factor (VIF). As variáveis não colineares foram inseridas no modelo OLS, adotando-se significância estatística de 5%. Para o cálculo do modelo multivariado OLS foi utilizado o software STATA v.12®. O software Terra View v.4.2.2® foi utilizado para a obtenção da matriz de vizinhança e para o cálculo da estatística bayesiana. Já a regressão não espacial OLS foi realizada no software Stata 12®. Os mapas foram elaborados no software QGIS v.2.14.17®.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí sob parecer de nº 3.286.819 e CAAE de nº 07558218.7.0000.5209, sendo respeitados todos os aspectos éticos e legais preconizados pelas Resoluções nº 466/12 e nº 510/16.

RESULTADOS

Na região Nordeste do Brasil foram notificados 47.198 casos de sífilis congênita no período de 2008 a 2018. Destes, a maioria eram crianças do sexo feminino (N=24.172;51,1%) e estavam na faixa etária de 0 a 6 dias de vida (N=48.004; 95,9%) (Dados não mostrados em tabela).

Constatou-se que o número de casos é maior entre crianças de raça parda (N=34.801; 84,7%), cujas mães possuíam de 20 a 29 anos de idade (N=25.113; 54,6%), com 7 anos de estudo ou menos (N=23.984; 61,9%), que realizaram o pré-natal (N=38.730; 83,5%), que receberam o diagnóstico de sífilis materna durante o pré-natal (N=15.997; 54,9%) e que tiveram o tratamento inadequado (N=27.147; 64,3%) (Tabela 1).

Tabela 1: Caracterização sociodemográfica dos casos de sífilis congênita no Nordeste do Brasil no período 2008-2018. Parnaíba, Piauí, Brasil. (N=47.198). 

*Foram excluídos os casos faltantes (missings/ignorado) para as seguintes variáveis: raça/cor da criança (n=9.117), faixa etária da mãe (n=1.211), escolaridade da mãe (n=10.966), realização do pré-natal (n= 3.791), momento do diagnóstico da sífilis materna (n= 2.565) e esquema de tratamento materno (n=5.018).

A análise temporal por Joinpoint aponta que a região Nordeste apresentou acréscimo de 16,9% ao ano (IC95%: 13,7 - 20,2; p<0,001) nas taxas de sífilis congênita. Na análise da tendência por estados, observa-se crescimento significativo nas taxas da doença em todos os estados nordestinos no período analisado (p<0,001). O Piauí foi o estado que apresentou o aumento mais expressivo, com crescimento de 44,4% ao ano (IC95%: 31,8 - 58,1; p<0,001), seguido da Bahia, com crescimento de 24,4% ao ano (IC95%: 17,3 - 31,9; p<0,001) (Tabela 2).

Tabela 2: Variação Percentual Anual dos casos de sífilis congênita no Nordeste do Brasil no período 2008-2018. Parnaíba, Piauí, Brasil. 

*IC95% Índice de Confiança de 95%.

Por meio da análise espacial, é possível observar que o mapa 1A demonstra um padrão espacial não aleatório de altas taxas brutas de sífilis congênita em territórios bastante específicos, como as regiões metropolitanas de capitais localizadas no litoral e em alguns pontos do interior dos estados do Piauí, Maranhão, Bahia e Ceará (Figura 1A). O método bayesiano empírico local evidenciou um padrão espacial mais aparente (Figura 1B). Tal método gerou indicadores que confirmaram um padrão regional de altas taxas e praticamente extinguiu os municípios com coeficiente igual a zero.

O mapa temático da incidência bayesiana de sífilis congênita mostra que a maioria dos municípios nordestinos apresenta taxas que variam de 0,01 a 4,52 casos/1.000NV. Além disso, verifica-se que as maiores taxas (≥4,52 casos/1.000NV) estão localizadas em municípios localizados prioritariamente ao longo do litoral de todos os estados nordestinos (Figura 1B).

Além disso, identificaram-se clusters de grande extensão com padrão alto/alto de distribuição de sífilis congênita em municípios da costa litorânea de sete dos nove estados nordestinos englobando, sobretudo, as regiões metropolitanas das capitais. Por outro lado, no Maranhão e no Piauí, o padrão alto/alto de SC foi observado em municípios localizados no interior destes estados, com destaque para os polígonos correspondentes a Teresina, capital do estado do Piauí, e Imperatriz, segunda maior cidade do estado do Maranhão (Figura 1C). Todos os municípios que apresentaram algum padrão espacial no Moran Map (Figura 1C) demonstraram autocorrelação estatisticamente significativa no Lisa Map com p<0,05 (Figura 1D).

A técnica de varredura Scan, identificou 16 clusters, entretanto, apenas 12 possuíam significância estatística (p<0,05). O cluster tido como primário (p<0,001), possui a menor probabilidade de ter ocorrido ao acaso e incluiu 593 municípios, pertencentes aos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Sergipe (em vermelho). Convém ressaltar que todos os demais estados, apresentaram clusters secundários estatisticamente significativos (p<0,05) de casos de sífilis congênita (em amarelo) (Figura 1E).

A técnica também possibilitou a identificação do risco de adoecimento por sífilis congênita nos municípios nordestinos. Assim, constatou-se que na maioria deles, o risco de adoecimento é inferior ao risco da região como um todo (em branco). Em verde escuro destacam-se os municípios que apresentaram os maiores Riscos Relativos da região (RR=2,36 - 3,73), entre eles, destacam-se quatro capitais: Maceió (AL), Recife (PE), Natal (RN) e Fortaleza (CE). Além dessas capitais, destacam-se ainda Teresina (PI), bem como Aracaju (SE), São Luís (MA) e Salvador (BA) que apresentaram de 1,0 a 2,4 vezes mais risco de SC em comparação a todos os demais municípios nordestinos (Figura 1F).

Figura 1: Taxa bruta de incidência da sífilis congênita (A), taxa de incidência da sífilis congênita suavizada pelo método bayesiano empírico local (B), Moran Map (C), Lisa Map (D), Aglomerados (E) e Risco relativo para incidência de sífilis congênita (F). Nordeste, Brasil, 2008-2018. 

A Tabela 3 apresenta as informações detalhadas dos aglomerados estatisticamente significantes (p<0,05) de sífilis congênita na região Nordeste. O cluster primário possui raio de 742,10 km e os seus municípios apresentam 2,28 vezes mais risco de infecção de crianças por sífilis congênita em comparação a toda a área de estudo (Nordeste).

Tabela 3: Aglomerados espaciais de casos de sífilis congênita, definidos pela estatística de varredura Scan puramente espacial. Nordeste, Brasil, 2008 - 2018. 

*RR: Risco relativo para o cluster comparado ao resto da região Nordeste.

**LLR: Teste da razão de verossimilhança logarítmica.

O OLS apontou que as variáveis percentual de nascidos vivos com baixo peso ao nascer (β=0,44; p<0,001) e renda per capita (β=0,03; p<0,001) possuem associação positiva e significante com a variável dependente. Isso demonstra que quanto maiores são os valores dessas variáveis, maior também é a incidência de sífilis congênita na região. Foi constatado ainda que as variáveis percentual de nascidos vivos cujas mães possuem pelo menos sete consultas de pré-natal (β=-0,10; p<0,001), IDHM (β=-99,52; p<0,001), percentual de pessoas pobres (β=-0,23; p<0,001), percentual de pessoas de 18 anos ou mais de idade com ensino fundamental completo (β=-0,23; p=0,02) e taxa de analfabetismo (β=-0,77; p<0,001) tiveram associação negativa significativa com a incidência de sífilis congênita. (Tabela 4). No OLS, o coeficiente de determinação (R2) foi de 0,16 e o VIF foi de 2,82 (Tabela 4).

Tabela 4: Modelo de regressão OLS para o logaritmo da taxa de incidência da sífilis congênita. Nordeste, Brasil, 2008-2018. 

*β: Coeficiente; IC95%: Intervalo de Confiança de 95%

DISCUSSÃO

Neste estudo, destaca-se a maior incidência de sífilis congênita entre crianças cujas mães são jovens na faixa etária de 20 a 29 anos, em consonância com achados já reportados na literatura3)(10)(16. Tal faixa etária, por representar o auge da vida reprodutiva da mulher, justifica o maior número de casos notificados. Além disso, o comportamento sexual, como a falta do uso de preservativos e múltiplos parceiros podem estar relacionados ao risco de adquirir ISTs, entre elas a sífilis17.

O maior registro de casos foi de crianças cujas mães realizaram o pré-natal. Diante deste resultado pode-se inferir que a qualidade do pré-natal necessite de ações mais estratégicas e educativas para qualificação do tratamento18,19. Nesse sentido, estudo realizado no Piauí, evidenciou que, dos casos em que ocorreram a transmissão mãe-concepto, 82,4% das gestantes realizaram o pré-natal sendo que, destas, apenas 40,4% dos diagnósticos ocorreram durante a gestação20.

As taxas de incidência de SC na região Nordeste apresentaram crescimento progressivo ao longo dos anos estudados, com taxa média quase 10 vezes superior a taxa de referência preconizada pela OPAS7,8. Estudos realizados em diferentes territórios brasileiros também demonstraram a tendência de aumento de SC em todo território nacional17)(21)(22.

O fato das capitais e regiões metropolitanas de grandes cidades apresentarem aglomerados de altas taxas de SC pode estar refletindo um sistema de notificação mais fidedigno em relação a outros municípios de menor porte. Além disso, o crescimento das notificações da doença durante a assistência pré-natal nos últimos anos pode estar associado ao fortalecimento dos serviços de atenção materno-infantil, ocorrido especialmente após a implantação da Rede Cegonha. Este programa proporcionou o aumento na cobertura de testagem das gestantes para o diagnóstico em tempo oportuno, sobretudo em regiões que possuem ampla rede de serviços de saúde oferecidos à população, o que facilita a detecção dos casos1,12.

Por meio da análise de regressão, foi observado que o percentual de nascidos vivos com baixo peso ao nascer possui associação diretamente proporcional com a incidência de sífilis congênita. Este indicador expressa retardo no crescimento intrauterino e representa um importante fator de risco para morbimortalidade neonatal e infantil. Proporções elevadas de nascidos vivos com baixo peso ao nascer estão relacionadas, geralmente, a baixos níveis de desenvolvimento socioeconômico e de assistência materno-infantil23. Estudos nacionais corroboram este resultado, uma vez que a sífilis congênita é, particularmente, uma das principais causas de baixo peso ao nascer16,23.

Também foi evidenciado associação negativa entre o percentual de nascidos vivos cujas mães realizaram pelo menos sete consultas de pré-natal e a sífilis congênita. No Brasil, o Ministério da Saúde lançou em 2000 o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN). Entre as recomendações, o documento orienta que as gestantes realizem, no mínimo, seis consultas de acompanhamento pré-natal durante a gestação: uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro24. O acompanhamento desde o primeiro trimestre da gestação possibilita a realização de exames laboratoriais e pode reduzir a morbimortalidade materno infantil25. Estudo apontou que mulheres com baixa frequência às consultas de pré-natal expressam maior risco para ocorrência de sífilis. Tal efeito, reduz à medida que o número de consultas aumenta26. Cabe destacar que a ocorrência de sífilis congênita é utilizada como um indicador sensível de avaliação da qualidade da assistência pré-natal27.

Observou-se que o IDHM apresentou uma relação inversamente proporcional com a incidência de sífilis congênita. Estudo conduzido no Rio Grande do Sul apontou resultado contrário ao dessa investigação, visto que os municípios com maiores IDHMs do estado apresentaram mais casos de SC em relação aos municípios com menores IDHMs. Tal fato pode ser resultado de melhores condições de atendimento nas unidades de saúde e, dessa maneira, representar maior acesso ao diagnóstico e maiores taxas de notificação21.

Neste estudo, quanto maior a renda per capita maior também era a incidência de sífilis congênita. A maior parte de pessoas acometidas pela sífilis nas Américas são indivíduos mais empobrecidos e marginalizados28. Mesmo que a sífilis não se restrinja a populações mais desfavorecidas, estudos apontam que a baixa escolaridade e a baixa renda são fatores que influenciam diretamente na persistência dessa doença29,30. Contudo, convém salientar que o resultado paradoxal encontrado nessa investigação provavelmente deve-se a melhores condições de assistência nas unidades de saúde nos territórios em que foram identificados aglomerados espaciais, logo, melhor acesso aos métodos diagnósticos, e maiores taxas de notificações21.

Estudo realizado no Brasil no período de 2001 a 2017 corrobora este resultado, com as regiões mais desenvolvidas economicamente evidenciando tendências crescentes de sífilis congênita. Tal fato se associa a avanços no sistema de vigilância epidemiológica, emprego de testes rápidos, qualificação dos profissionais de saúde e ampliação no acesso dos pacientes ao sistema básico de saúde22.

O percentual de pessoas pobres se associou de forma negativa à sífilis congênita. Este resultado confronta com os obtidos por estudo realizado no Pará que mostrou que condições de vulnerabilidade influenciam diretamente no aumento de casos de sífilis congênita11. Destaca-se que as condições de vida influenciam na determinação da SC, evidenciando maior ocorrência dessa doença na porção mais empobrecida da população. Isso acontece em decorrência da dificuldade das gestantes com baixa renda terem acesso à assistência pré-natal de qualidade, com oportunidade de diagnóstico e tratamento1,26. Por outro lado, pesquisa brasileira realizada em 2013 apontou que 61,3% das gestantes realizaram sete ou mais consultas pré-natal. A maioria dessas mulheres possuía elevada escolaridade, residiam nas regiões Sudeste e Sul e tinham idade mais avançada (40 anos ou mais), demonstrando que a sífilis pode acometer indivíduos de todas as classes sociais24.

Foi observado relação negativa entre o percentual de pessoas de 18 anos ou mais de idade com ensino fundamental completo e a incidência de SC. Diante disso, estudos mostraram que a escolaridade materna está associada a casos de sífilis congênita11,8. Além disso, acredita-se que pessoas com baixa escolaridade estão em situação de vulnerabilidade social, o que influencia no menor acesso à informação3. A baixa escolaridade é um grande obstáculo para o poder público erradicar a sífilis congênita, pois o entendimento a respeito da doença, além do seu tratamento, é fundamental para o progresso11.

A relação negativa encontrada nesse estudo entre SC e a taxa de analfabetismo deve-se provavelmente à redução observada ao longo do tempo no percentual de nordestinos que não sabem ler e escrever. Ao longo da última década, o Ministério da Educação construiu uma política sistêmica de enfrentamento do analfabetismo. Com o Programa Brasil Alfabetizado foram destinados recursos suplementares para a formação de alfabetizadores, aquisição de material pedagógico, alimentação escolar e transporte dos alunos. Desse modo, foi observado redução do analfabetismo de jovens e adultos no Nordeste, de 50,0% em 2012, para 37,2% em 201831.

É relevante destacar que alguns resultados desse estudo devem ser interpretados com cautela. Embora algumas variáveis preditoras como percentual de nascidos vivos com pelo menos sete consultas de pré-natal e renda per capita tenham apresentado significância estatística no modelo OLS, seus coeficientes estimados se situam muito próximos a zero, demonstrando que o efeito destes indicadores sobre a variável desfecho é pequeno. Outra limitação apresentada neste estudo está relacionada ao delineamento ecológico, pois a análise de variáveis em âmbito populacional não representa necessariamente uma associação na esfera individual. Além disso, o uso de dados secundários pode apresentar inconsistências no que se refere à quantidade e qualidade destes. Contudo, cabe ressaltar que tais limitações não inviabilizam a realização da pesquisa e não diminuem a sua importância.

CONCLUSÃO

Foi observado que houve um crescimento significativo nas taxas de SC na região Nordeste, com destaque ao estado do Piauí. Verificou-se que as maiores taxas estão concentradas em municípios localizados prioritariamente ao longo do litoral de todos os estados nordestinos. Ademais, observou-se que as variáveis associadas à incidência de sífilis congênita foram: percentual de nascidos vivos com baixo peso ao nascer, percentual de nascidos vivos com pelo menos sete consultas de pré-natal, IDHM, renda per capita, percentual de pessoas pobres, percentual de pessoas de 18 anos ou mais de idade com ensino fundamental completo e taxa de analfabetismo.

A implementação de melhorias na qualidade da assistência pré-natal é essencial ao combate da sífilis congênita, assim como a elaboração de estratégias que facilitem a adesão das gestantes ao pré-natal. Logo, as estratégias de prevenção do agravo devem ser direcionadas para os municípios de maior ocorrência, de forma a tornar as ações de saúde pública mais efetivas, além de garantir melhoria das condições de vida da população.

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Recebido: 22 de Maio de 2022; Aceito: 21 de Setembro de 2022

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