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Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.22 no.71 Murcia jul. 2023  Epub 13-Nov-2023

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.550611 

Originais

Qualidade de vida e autopercepção de saúde de pacientes submetidos à prostatectomia radical e os determinantes sociais de saúde

Mary Cristina Xavier-Hernandez1  , Bebé Abida Cá2  , Anamaria Alves-Napoleão1  , Aline Helena Appoloni-Euardo1 

1Universidade Federal de São Carlos. São Carlos. Brasil

2Hospital Pequeno Príncipe. Curitiba. Brasil

RESUMO:

Introdução:

A autopercepção de saúde e a qualidade de vida de homens submetidos a prostatectomia radical podem ser influenciadas pelos determinantes sociais de saúde (DSS), portanto, explorar esta essa relação contribui para desenvolver medidas de cuidado em saúde.

Objetivo:

Identificar as associações dos DSS com a qualidade de vida e autopercepção de saúde de homens submetidos a prostatectomia radical.

Método:

Estudo transversal, de análise quantitativa, teve como participantes homens submetidos a prostatectomia radical, entrevistados por meio de instrumentos para caracterização dos DSS, Qualidade de Vida (QV) e autopercepção de Saúde. Os dados foram analisados pela estatística descritiva e correlacional. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados:

Participaram 33 homens, com média de idade de 66,8 anos, a maioria brancos, com cônjuge, religião e ensino fundamental completo ou incompleto. Apresentaram níveis preservados de QV e autopercepção de Saúde. A autopercepção de saúde foi associada a religião e possuir casa própria, a QV foi associada a religião, tipo de abordagem cirúrgica, estado civil, possuir alguém na família com câncer de próstata e escolaridade.

Conclusão:

Houve associação dos DSS na QV e autopercepção de saúde de homens submetidos a prostatectomia radical.

Palavras-chave: qualidade de vida; autopercepção de saúde; determinantes sociais de saúde; prostatectomia; enfermagem

INTRODUÇÃO

A estimativa sobre o câncer aponta que o câncer de próstata é o câncer mais comum no sexo masculino em todas as regiões do país; não obstante, no mundo é o segundo mais frequente tipo de câncer, sendo mais incidente na Austrália, Nova Zelândia e países europeus e ocupa a quinta posição de causas de morte por câncer(1).

A suspeição diagnóstica do câncer de próstata se dá diante da elevação dos níveis séricos do antígeno prostático específico (PSA) e clinicamente pela detecção de alteração na consistência ou de nodulações na glândula prostática pelo toque retal(2). A evolução é silenciosa e os sintomas, quando presentes, são a disúria, hesitação urinária, urgência urinária, incontinência, redução do jato urinário, sensação de esvaziamento incompleto da bexiga e hematúria(2).

Em relação ao tratamento, este deve ser individualizado e levar em consideração o estágio tumoral, pode variar entre prostatectomia radical, radioterapia, braquiterapia, vigilância ativa e hormonioterapia(2). A prostatectomia radical é considerada o padrão ouro para o tratamento do câncer de próstata, no entanto são reportadas complicações provenientes desta cirurgia capazes de comprometer resultados funcionais, responsáveis por afetar a qualidade de vida, saúde e satisfação com a cirurgia. Os resultados funcionais da prostatectomia radical estão relacionados a alterações dos feixes neurovasculares durante a cirurgia que estão associados a ocorrência de incontinência urinária e disfunção erétil(3).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define Qualidade de Vida (QV) como “a percepção de um indivíduo acerca de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores em que vive, e a relação com seus objetivos, expectativas, critérios e preocupações”, sendo um conceito amplo e afetado de forma complexa pela saúde física, relações sociais, crenças pessoas e sua relação com características de seu ambiente(4).

O impacto da prostatectomia radical na QV dos homens foi documentada por uma revisão sistemática, de 18 estudos, de que ao se comparar as diferentes modalidades de tratamento do câncer de próstata (vigilância ativa, cirurgia, radioterapia e braquiterapia), a cirurgia foi a modalidade que mais comprometeu a QV dos homens, principalmente pela ocorrência de complicações, enquanto que a vigilância ativa foi a que teve menor impacto negativo da QV(5).

No entanto, é importante para o cuidado integral e de melhor qualidade dos homens reconhecer que a prostatectomia radical e os seus resultados funcionais podem estar associados à outros desfechos, que requerem identificação e intervenção profissional, como a satisfação com a cirurgia, autopercepção de saúde, autoestima, ansiedade e depressão(3).

A autopercepção de saúde se trata da maneira pela qual as pessoas percebem e compreendem a própria saúde, e pode sofrer influência tanto de comportamentos individuais (relacionados ao estilo de vida), quanto de comportamentos coletivos, em uma determinada comunidade. Ela depende de condições econômicas, disponibilidade de informações preventivas em relação ao cuidado básico de saúde, disponibilidade ou facilidade de acesso a uma unidade de atenção à saúde, e é conhecida a sua interferência na adesão às medidas preventivas de doenças, na busca por atendimentos à saúde e dificuldade de desempenho das atividades habituais(6,7).

Um estudo realizado no sul do Brasil apresentou que pessoas com alto nível de escolaridade avaliaram a própria saúde como negativa, em contraste àquelas com níveis de escolaridade mais baixos, que consideraram ter boa saúde. Desta forma, há reforço da relação entre autopercepção de saúde e o grau de conhecimento individual(6). Ademais, outro estudo destacou que homens auto avaliaram sua saúde como positiva em comparação às mulheres, sendo apontado pelos autores como uma justificativa para que os homens procurassem menos atendimentos nos serviços de saúde(8).

Com base nessas evidências, é possível considerar que a autopercepção de saúde e a qualidade de vida podem ser influenciados por características sociais dentro das quais a vida transcorre, como os Determinantes Sociais de Saúde(9) e, portanto, conhecer essa relação contribui para o desenvolvimento de medidas preventivas de doenças e intervenções mais direcionadas às necessidades individuais ou de grupos específicos.

Os Determinantes Sociais de Saúde (DSS) consistem nas condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham, as quais repercutem na saúde(10). Os modelos para atenção dos DSS buscam conhecer tais condições nas populações e implementar medidas capazes de promover a equidade em saúde, que é a “ausência de diferenças injustas e evitáveis ou remediáveis entre grupos populacionais definidos social, econômica, demográfica e geograficamente”(11).

No Brasil, o modelo de Dahlgren e Whitehead foi o escolhido pela Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde para explorar relações e mediações entre os níveis de determinação social da saúde e a gênese de iniquidades. Este modelo agrupa os DSS em diferentes camadas, de acordo com o nível de abrangência: (1) a micro camada é ligada ao indivíduo, considerado o centro do modelo, compreende idade, sexo e fatores hereditários; (2) a segunda camada concentra as características individuais, como comportamento e estilo de vida; (3) a terceira camada concentra redes sociais de apoio e redes comunitárias; (4) a quarta camada apresenta fatores relacionados às condições de vida e trabalho; (5) a quinta camada agrupa macro determinantes que influenciam todas as outras camadas e agrupam fatores relacionados a condições econômicas, culturais e ambientais da sociedade, incluindo a globalização(11).

Considerando o conhecimento acerca do impacto da prostatectomia radical na qualidade de vida e autopercepção de saúde dos homens, este estudo buscou responder a seguinte questão: Os DSS possuem associação com a QV e autopercepção de saúde de homens submetidos a prostatectomia radical? Portanto, teve como objetivo identificar as associações dos DSS com a qualidade de vida e autopercepção de saúde de homens submetidos a prostatectomia radical.

MATERIAL E MÉTODO

Foi realizado estudo observacional, transversal e de análise quantitativa em um município localizado no interior do Estado de São Paulo, situado em sua região central. A coleta de dados foi realizada no ambulatório oncológico municipal, que atende de forma exclusiva os usuários do Sistema Único de Saúde. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE:81194217.3.0000.5504).

A população do estudo foi constituída por homens submetidos à prostatectomia radical e para a composição da amostra utilizou-se a amostragem por conveniência. A seleção dos participantes ocorreu pelos seguintes critérios de inclusão: idade superior ou igual a 18 anos; capacidade de comunicação verbal; possuidor de nível cognitivo mínimo para compreender os itens que compõem o instrumento de coleta de dados. O critério de exclusão foi ter realizado a cirurgia há mais de 10 anos.

Os sujeitos que atenderam aos critérios de inclusão foram convidados a participar do estudo no momento em que retornavam à consulta ambulatorial com o urologista no serviço, enquanto aguardavam consulta na sala de espera. Após apresentarem consentimento por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foram incluídos e entrevistados para a coleta de dados. Durante a entrevista foram preenchidos um formulário de caracterização sociodemográfica, instrumento para análise da autopercepção de saúde e instrumento para avaliação da qualidade de vida.

O formulário para caracterização sociodemográfica foi construído de acordo com o modelo dos determinantes sociais de saúde(11), e compreendeu os determinantes de quatro camadas deste modelo que foram agrupadas em quatro partes. A primeira parte compreendeu a identificação e os fatores individuais, como: idade e cor; a segunda parte representava a investigação de fatores hereditários, como: ter diagnóstico de câncer ou câncer de próstata na família. A terceira parte compreenderam as características individuais e estilo de vida, como: situação conjugal, religião, escolaridade, hábitos (tabagismo, etilismo e prática de atividade física), história de internação, história de outras cirurgias, presença de comorbidades e complicações da prostatectomia (incontinência urinária de esforço e disfunção sexual). A quarta e última parte do instrumento envolveu uma investigação sobre as redes sociais de apoio e redes comunitárias através das variáveis: número de filhos, com quem reside, características do domicílio, meio de transporte utilizado, coleta de lixo, saneamento básico, ocupação e renda familiar mensal.

Para estabelecer as ocorrências de incontinência urinária de esforço e disfunção sexual, as características definidoras de ambos os diagnósticos de enfermagem da NANDA Internacional(12) eram analisadas junto aos participantes, que subsidiaram o estabelecimento dos diagnósticos pelas autoras.

A análise da autopercepção de saúde foi feita por meio da resposta à seguinte pergunta: “Como você considera o seu estados de saúde?” e tinha como opções de respostas os descritores: muito ruim, ruim, regular, bom e excelente. Para complementar a avaliação da autopercepção de saúde foi empregada uma Escala Visual Analógica, que utiliza uma linha de 100 mm, na qual há descritores nas extremidades, na esquerda: “Percebo que minha saúde é muito ruim” e na direita: “Percebo que minha saúde é excelente”. Os participantes assinalavam ao longo da linha como percebiam sua saúde no momento, e posteriormente era medido o ponto indicado utilizando-se de uma régua. Para interpretação do resultado considerou-se que, quanto maior a pontuação, melhor era a autopercepção de saúde do participante. Estas estratégias de análise da autopercepção de saúde foram seguidas, considerando a abordagem realizada em outros estudos(6-8).

A qualidade de vida foi avaliada pelo WHOQOL-bref, um instrumento elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e validado para uso entre a população brasileira(13), composto por 26 questões sendo duas questões gerais e 24 questões que compreendem facetas fundamentais deste constructo. Os itens do WHOQOL-bref estão organizados em quatro domínios: físico (sete itens), psicológico (seis itens), relações sociais (três itens) e meio ambiente (oito itens). Cada item é respondido por uma escala Likert de cinco pontos, que são somados e obtidos um escore total, os escores elevados representam melhor avaliação da qualidade de vida.

Os dados obtidos foram organizados no aplicativo Microsoft Excel 2010® e processados no Software Statistical Package for Social Sciences (SPSS)® versão 23.

As variáveis foram analisadas pela estatística descritiva utilizando a frequência absoluta e relativa, média, desvio padrão, mediana e valores mínimo e máximo. Análises inferenciais das associações dos determinantes sociais e de saúde e a autopercepção de saúde e a qualidade de vida foram investigadas utilizando os testes exato de Fisher para as variáveis categóricas, Wilcoxon ou Kruskall-Wallis entre as variáveis numéricas e categóricas e coeficiente de correlação de Spearman entre as variáveis numéricas. As análises estatísticas empregaram os testes não paramétricos, pois não se observou distribuição normal em todas as variáveis investigadas, de acordo com teste de normalidade de Shapiro-Wilk. Para as análises estatísticas empregadas adotou-se um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Durante o período de coleta de dados, 36 pacientes foram elegíveis para o estudo, sendo que três deles não aceitaram participar do estudo, portanto a amostra final foi composta por 33 participantes. Quanto aos fatores individuais, a média de idade foi de 66,8 anos, variando de 41 a 82 anos e 16 participantes declararam ser brancos (48,5%) declararam ser brancos. Em relação aos fatores hereditários, a maioria dos participantes teve história familiar com câncer (n=26; 78,9%). Em relação às características individuais e estilo de vida 29 eram casados e tinham o catolicismo como religião (87,9%), apenas 8 participantes afirmaram ter realizado ensino médio completo (4,2%), cinco participantes eram tabagistas (84,8%), seis afirmaram fazer uso de bebida alcóolica (18,2%) e 24 praticavam atividade física (72,7%). Na Tabela 1 são apresentadas a caracterização sociodemográfica e clínica, considerando os determinantes sociais e de saúde.

Tabela 1. Caracterização sociodemográfica e clínica dos pacientes submetidos a prostatectomia (n=33). São Carlos, 2019. 

Fonte: Dados da Pesquisa, 2019.

Quanto a avaliação da autopercepção de saúde por meio da escala Likert, com cinco possibilidades de resposta (Muito Ruim, Ruim, Regular, Boa e Excelente), um participante (3,0%) avaliou sua autopercepção de saúde como Muito Ruim, dois (6,1%) como Ruim, 11 (33,3%) como regular, 14 (42,4%) como boa e cinco (15,1%) como excelente. A média da autopercepção de saúde avaliada pela Escala visual analógica foi 6,4 e variou de zero a 9,7, com desvio-padrão ±2,2. Valores próximos de zero representavam a percepção de saúde como muito ruim.

A média dos escores de qualidade de vida obtida pelo WHOQOL-bref foi 14,3, com variação entre 9,6 e 17,8 pontos e desvio-padrão ±1,9. Nos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente obteve-se respectivamente, 14,9, 14,7, 13,5 e 14,1. Na Tabela 2 estão os resultados obtidos sobre a qualidade de vida avaliada pelo WHOQOL-bref.

Tabela 2. Média, desvio-padrão e intervalos dos escores dos domínios total do WHOQOL-bref (n=33). São Carlos, SP. 2019. 

Fonte: Dados da Pesquisa, 2019.

Foram investigadas as associações dos determinantes sociais de saúde, a autopercepção de saúde e a qualidade de vida (escore total e domínios) dos homens submetidos a prostatectomia radical e, destas investigações, constatou-se que a autopercepção de saúde foi associada ao fato de a pessoa ter religião (p=0,004) e possuir casa própria (p=0,01); a religião também foi associada aos resultados obtidos no escore total de qualidade de vida (p=0,024), nos domínios relações sociais (p=0,023) e meio ambiente (p=0,04). O tipo de abordagem cirúrgica foi associado ao escore total de qualidade de vida (p=0,008), o estado civil ao domínio físico (p=0,047), possuir alguém na família com câncer de próstata ao domínio psicológico (p=0,027) e a escolaridade foi relacionada ao domínio relações sociais (p=0,019).

DISCUSSÃO

Este estudo buscou analisar a relação dos DSS na qualidade de vida e autopercepção de saúde de homens submetidos a prostatectomia radical. Os DSS são aspectos da vida das pessoas considerados essenciais para os resultados obtidos no continuum da prevenção, controle e tratamento do câncer, uma vez que podem ser responsáveis por promoverem barreiras ou auxílio na determinação de resultados de saúde(14).

Análises de um estudo americano evidenciaram que a idade avançada dos homens com câncer de próstata foi fortemente relacionada aos casos de óbito em períodos mais curtos de intervalo entre descoberta da doença e óbito(15). Níveis de escolaridade mais baixos e estado civil "casado", tiveram sua associação verificada com a prevalência do câncer de próstata por uma revisão sistemática de estudos sobre os DSS em países caribenhos(16). No presente estudo estes fatores (idade, escolaridade e estado civil) foram as características mais frequentes na amostra. Estas informações sobre os DSS e sua relação com o câncer mostram a importância de se atentar às diferenças sociais para elaboração de programas de assistência à saúde e planos de cuidados.

Em uma recente revisão sistemática, a mortalidade foi um resultado do câncer de próstata que teve sua relação com os DSS investigada, sendo que somente o nível socioeconômico mostrou relação com este resultado, que foi justificado possivelmente pelo fato de ser um fator que limitou os homens para acessar os serviços de saúde e as políticas de rastreio dos países envolvidos(16). Fatores como condições de moradia desfavorecidas, ser da cor preta e não ser casado foram associados ao desenvolvimento de casos de câncer mais graves e a mortalidade entre homens americanos(17). Estes dados evidenciam o impacto dos DSS nos desfechos do câncer de próstata e nos resultados díspares do seu tratamento, além disso reforça a importância de investigações dos efeitos destes determinantes nas doenças e seus resultados.

No presente estudo a amostra dos homens prostatectomizados foi composta majoritariamente por pessoas em idade avançada, com baixos níveis de escolaridade, brancos, com história de câncer na família, que possuem companheira (o), declararam ter religião, com rede familiar (filhos e não residiam sozinhos), possuíam baixos recursos financeiros mensais e acesso à moradia, transporte público, coleta de lixo e saneamento básico. De certo modo, os DSS na amostra convergem ao disposto na literatura, no que diz respeito a fatores individuais, características sociais e redes de apoio relacionados ao câncer de próstata, anteriormente discutidos.

Ainda, importantes características da amostra do presente estudo tais como, a existência de redes de apoio, condições de acesso aos serviços básicos e moradia e serem majoritariamente brancos, podem ter sido fatores responsáveis pelos elevados escores de auto percepção de saúde e qualidade de vida. Salienta-se que, de acordo com a literatura, os aspectos sociais e econômicos são fortemente relacionados aos melhores níveis de qualidade de vida de pacientes após o tratamento do câncer de próstata. Tais aspectos foram responsáveis por melhorar as atitudes em relação à doença, ajustamento emocional, enfrentamento e tolerância ao estresse(18).

Sobre a relação das variáveis investigadas no presente estudo com a qualidade de vida, evidencia-se a religião, tipo de abordagem cirúrgica, estado civil, escolaridade e histórico familiar de câncer. Parte destes achados são sustentados na literatura, pois a investigação do impacto da religião e da escolaridade na qualidade de vida foi evidenciada em um estudo com 624 homens americanos prostatectomizados. Diante disso, reforça-se a força que o cuidado adequado destes DSS produz nos resultados de saúde após a prostatectomia(19).

A qualidade de vida após a prostatectomia radical geralmente é avaliada empregando instrumentos específicos que compreendem massivamente os resultados funcionais da cirurgia ou por avaliação da qualidade de vida por instrumentos mais gerais. estes últimos, podem não ser sensíveis o suficiente para detectar alterações da qualidade de vida de forma específica, no entanto as medidas específicas ao valorizar os resultados funcionais, podem não valorizar aspectos importantes da qualidade de vida que se relacionam aos DSS(20).

Deste modo, a partir dos resultados obtidos no presente estudo, a autopercepção de saúde foi considerada um aspecto substancial da qualidade de vida e, possivelmente, afetada pela doença e pelo tratamento, além de ser também um indicador de morbidade e de diminuição de funcionalidade(21). Na amostra do presente estudo, 42,2% dos participantes apresentaram autopercepção de saúde negativa, ou seja, suas respostas variaram entre muito ruim, ruim ou regular. Em estudos com idosos brasileiros, sem considerar a prostatectomia radical, a frequência de autopercepção de saúde negativa variou de 6,3% a 54,7%(21,22).

Nestes estudos, os fatores relacionados à autopercepção de saúde negativa foram gênero feminino, desemprego, comorbidades, insegurança alimentar, sedentarismo e a cor preta(21),(22), os fatores relacionados à autopercepção positiva foram maior escolaridade, acesso a plano de saúde, consumo de hortaliças e frutas e realização de atividades físicas(22). Cabe destacar estudo que investigou o efeito da incontinência urinária de idosos na autopercepção da saúde, pois seus resultados evidenciaram que os incontinentes tiveram quatro vezes mais chances de apresentarem autopercepção da saúde negativa(23). Não foram identificados estudos que analisaram associações entre os fatores religiosidade e possuir casa própria.

Entre 183 homens finlandeses prostatectomizados há um ano, a autopercepção da saúde foi considerada boa por 63% deles, os fatores relacionados deste resultado foram a idade avançada, alta satisfação com o tratamento para o câncer de próstata e melhor função urinária(20). Compreende-se que conhecer os fatores associados com a autopercepção de saúde auxiliem na prática, pois agregam informações qualificadas e abrangentes do estado de saúde neste contexto com vistas a ampliar o cuidado para dimensões não somente biológicas, além disso, pode contribuir para o planejamento em saúde e o sucesso das intervenções realizadas por profissionais de saúde(21).

No presente estudo, tanto a incontinência urinária quanto a disfunção sexual estiveram presentes na maioria dos entrevistados, acometendo, respectivamente, 66,7% e 87,9% da amostra, sendo que 60,6% relataram ser regular a frequência com que apresentam sentimentos negativos como mau-humor, desespero, ansiedade e depressão. Em estudo realizado na Finlândia, os autores encontraram distribuições semelhantes destas duas complicações, ou seja, elevada, porém, com maiores índices de incontinência urinária(20).

Resultados de outros estudos evidenciaram importante comprometimento do desempenho e função sexual dos homens pesquisados e presença de sintomas urinários, corroborando com os resultados do presente estudo. É comum que as complicações da cirurgia causem impacto direto na qualidade de vida dos homens porstatectomizados, levando a morbidades psicológicas nessa população, em especial quando são afetados por disfunções urinárias e prejuízo do desempenho e função sexual(25,26).

A função urinária tem impacto direto na qualidade de vida dos pacientes, limitando atividades diárias e sociais, restringindo o contato familiar e levando ao constrangimento ou incômodo devido ao odor de urina e roupas molhadas, o que afeta diretamente o emocional e social dos homens afetados por esta condição(27).

As limitações do presente estudo versam sobre o número restrito de pacientes o que impede de realizar análises estatísticas adicionais para avaliar as associações entre as variáveis, o estudo foi realizado em um único centro de atendimento oncológico que agrega pacientes com características sociodemográficas comuns As implicações para pesquisas futuras correspondem ao desenvolvimento de investigações mais abrangentes sobre as variáveis que interferiram na autopercepção de saúde relatada.

CONCLUSÕES

O estudo permitiu a caracterização de homens submetidos à prostatectomia quanto aos principais determinantes sociais de saúde e verificou que os participantes apresentaram autopercepção de saúde satisfatória.

A autopercepção de saúde foi associada a ter religião (p=0,004) e possuir casa própria (p=0,01). O fator "ter religião" também foi associado aos resultados obtidos no escore total de qualidade de vida (p=0,024), nos domínios relações sociais (p=0,023) e meio ambiente (p=0,04). O tipo de abordagem cirúrgica foi associado ao escore total de qualidade de vida (p=0,008), o estado civil ao domínio físico (p=0,047), possuir alguém na família com câncer de próstata ao domínio psicológico (p=0,027) e a escolaridade foi associada ao domínio relações sociais (p=0,019).

Salienta-se que a enfermagem pode atuar junto a pacientes submetidos a prostatectomia proporcionando-lhes melhores desfechos em saúde e espera-se que este estudo favoreça reflexões de equipes de saúde nesse sentido. Ressalta-se também a necessidade de potencializar os recursos de informação disponíveis para melhorar o acesso e o uso dos serviços de saúde por esses pacientes.

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Recebido: 12 de Dezembro de 2022; Aceito: 05 de Março de 2023

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