SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.22 número71Clases presenciales durante el COVID-19: implementación de protocolos de salud escolarConocimiento, nivel de riesgo y prevalencia de la hepatitis B y C entre los conductores de minibuses comerciales en Ado-Ekiti, estado de Ekiti, Nigeria índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • En proceso de indezaciónCitado por Google
  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO
  • En proceso de indezaciónSimilares en Google

Compartir


Enfermería Global

versión On-line ISSN 1695-6141

Enferm. glob. vol.22 no.71 Murcia jul. 2023  Epub 13-Nov-2023

https://dx.doi.org/10.6018/eglobal.555161 

Originais

Tendência de mortalidade neonatal por regiões do Brasil, 2015-2019: um estudo ecológico

Orácio Carvalho-Ribeiro Junior1  , Tayane Moura-Martins2  , Rizioléia Marina Pinheiro-Pina3  , Sineide Santos-de Souza4  , Semírames Cartonilho-de Souza-Ramos5  , Kaio Vinícius Paiva-Albarado6 

1Enfermeiro. Mestre em Saúde Pública. Responsável Técnico da Coordenação Estadual de Saúde da Mulher da Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM), Amazonas, Brasil

2Enfermeira. Doutoranda em Doenças Tropicais pelo Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora Auxiliar I do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Campus de Altamira, Pará, Brasil

3Enfermeira. Doutora em Ciências pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo/EEUSP. Professora Adjunta e Coordenadora do Programa de Mestrado Profissional em Enfermagem no Contexto Amazônico da Universidade Federal do Amazonas, Amazonas, Brasil

4Enfermeira. Mestra em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia Pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM/). Professora Assistente do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade Federal do Amazonas, Amazonas, Brasil

5Enfermeira. Doutora em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora Associada do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Paraíba, Brasil

6Enfermeiro. Doutorando em Doenças Tropicais pelo Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor Auxiliar I do Curso de Medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus de Altamira, Pará, Brasil

RESUMO:

Objetivo:

Analisar a tendência de mortalidade neonatal no Brasil de 2015 a 2019 e suas causas evitáveis.

Métodos:

Estudo ecológico de série temporal com dados extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. Foram calculadas as taxas de mortalidade neonatais geral e segundo causas evitáveis. A análise da tendência foi feita pela regressão de Prais-Winsten .

Resultados:

A taxa de mortalidade neonatal geral reduziu de 8,78 em 2015 para 8,60 em 2019. Foram observadas disparidades nas taxas de mortalidade neonatais entre as regiões, com maiores taxas nas regiões norte (10,3/1.000) e nordeste (9,9/1.000). As causas evitáveis por adequada atenção da gestação, parto e cuidado ao neonato prevaleceram, totalizando juntas 97,8% dos óbitos neonatais no período. Houve tendência decrescente nas causas evitáveis por adequada atenção ao recém-nascido (p < 0,001).

Conclusão:

Houve decréscimo na taxa de mortalidade neonatal no Brasil, de 2015 a 2019.

Palavras-chave: Mortalidade Neonatal; Registros de Mortalidade; Estudos Ecológicos; Estudos de Séries Temporais

INTRODUÇÃO

Compreende-se por mortalidade neonatal aqueles óbitos ocorridos entre 0 e 27 dias, que se subdividem em duas categorias, os óbitos neonatos precoces (0 ao 6º dia de vida) e os óbitos neonatais tardios(1)-(3). A Taxa de Mortalidade Neonatal (TMN) é considerada um dos mais adequados indicadores para mensurar a qualidade de vida, o desenvolvimento socioeconômico, o nível de bem-estar social de uma população, bem como, o acesso da mesma aos serviços de saúde em determinado território, pois, atrela-se ao entrecruzamento de um conjunto de fatores biológicos, socioeconômicos e de atenção à saúde que podem estar diretamente envolvidos com este fenômeno(4),(5).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a TMN é um indicar que que avalia com sensibilidade a disponibilidade, utilização e eficácia da atenção à saúde, de maneira especial àquela prestada durante o ciclo gravídico puerperal, ao recém-nascido e à criança até o primeiro ano de vida, sendo um instrumento poderoso no âmbito das análises de situação de saúde para direcionar as políticas públicas no contexto materno infantil(6).

Neste contexto, Kropiwiec, Franco e Amaral(7) afirmam que as TMN são consideravelmente menores em nações com elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), enquanto os países com baixo IDH tendem a apresentar TMN maiores, mostrando que essas taxas de mortalidade ligam-se a fatores relacionados ao desenvolvimento humano e à conformação dos serviços de saúde que na maioria das vezes tem um padrão de eficácia diminuído devido as condições de desenvolvimento de determinado território.

Estimativas globais apontam que houve uma redução drástica da mortalidade de crianças menores de 5 anos em todo o mundo, com quatro milhões a menos de mortes em 2015 em comparação ao ano 2000(8). Por conseguinte, foi possível notar que a TMN também sofreu considerável decréscimo nas últimas décadas, saltando de 37 para 18 óbitos por mil nascidos vivos (NV) no interstício de 1990-2018 (9).

Em relação à mortalidade neonatal, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam discrepâncias na TMN levando em consideração a distribuição entre países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos no período de 1990 a 2019. Os dados revelam que neste período a TMN de Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Japão foram 3,4/1.000 NV, 3,6/1.000 NV, 2,6/1.000 NV e 0,9/1.000 NV, respectivamente. Enquanto Brasil, Bolívia, Guatemala e Panamá a TMN foi de 8,5/1.000 NV, 14,9/1.000 NV; 12,7/1.000 NV e 8,8/1.000 NV, respectivamente. Por outro lado, países como Paquistão e República Africana Central apresentaram TMN de 43,0/1.000 NV e NV; 41,8/1.000 NV, respectivamente(10).

Especificamente no Brasil, os dados revelam uma redução da TMN de 25,33/1.000 NV em 1990 para 8,5/1.000 NV em 2019. Esse cenário de redução é fruto de intenso trabalho institucional do Ministério da Saúde (MS) nas últimas décadas com a implementação de importantes programas e pactuações como o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN), a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), O Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal e, mais recentemente, em 2011 o Programa Rede Cegonha, pensado para que o país atingisse a 4ª meta dos então Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) que era a redução da taxa de mortalidade na infância a dois terços da taxa observada em 1990, fato que foi atingido neste mesmo ano(10),(11).

Apesar dos avanços notáveis na redução da mortalidade neonatal no Brasil ao longo dos anos, é salutar destacar as discrepâncias existentes na TMN entre as regiões do país, onde as regiões Norte e Nordeste concentram historicamente as taxas mais elevadas em relação às demais regiões, fruto das desigualdades sociais e das iniquidades em saúde que se construíram historicamente no país, tendo os determinantes sociais de saúde como pano de fundo deste contexto(12) (13) (14) (15). Além disso, as mortes neonatais, e em especial as evitáveis compõem são responsáveis por uma parcela das mortes de crianças menores de cinco anos, fato que traz à tona a necessidade de buscar analisar a situação de saúde de cada território, para que as ações possam acontecer de maneira direcionada para extinguir essas mortes evitáveis.

Desta forma, conhecer a tendência da TMN faz-se necessária, uma vez que é o Brasil é signatário dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) no qual está previsto a erradicação da mortalidade neonatal por causas evitáveis e o alcance de uma TMN de 12 mortes por 1.000 NV até 2030 e o entendimento dos fenômenos implicados com a TMN ao longo do tempo pode contribuir para a análise e direcionamento das políticas públicas afetas à temática a partir de evidências científicas(16),(17). Além disso, os estudos de série temporal(15) podem mostrar padrões atípicos na evolução das taxas de morbidade e mortalidade de doenças e/ou condições e na conformação de suas causas, fator que permite avaliar os impactos produzidos pelas ações direcionadas em determinado contexto, no caso em tela sobre os possíveis determinantes modificáveis da mortalidade neonatal.

Assim, este estudo tem por objetivo analisar a tendência de mortalidade neonatal no Brasil de 2015 a 2019 e suas causas evitáveis.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo ecológico, de série temporal para avaliar a tendência da taxa de mortalidade neonatal no Brasil no período de 2015 a 2019. Os estudos ecológicos são importantes para realizar a análise da situação de saúde de uma coletividade, tendo como unidade de estudo uma determinada área geográfica. Para Antunes e Cardoso(18) os estudos de série temporal podem ser definidos como série de dados quantitativos relacionados a momentos específicos e que são estudados segundo sua distribuição temporal. Estes estudos servem para monitorar a saúde das populações, avaliar o risco de exposição dos sujeitos à determinado agravo, prever a ocorrência de situações/eventos em saúde, proporcionar elementos para possíveis explicações de causa e efeito, guiar as análises de situação de saúde para o desenvolvimento de ações, bem como, avaliar os impactos gerados por essas intervenções.

Os dados dizem respeito aos óbitos neonatais ocorridos no Brasil no período de 2015 a 2019 e foram extraídos do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), plataforma on-line de domínio público do Ministério da Saúde.

Foram feitas as análises das taxas de mortalidade neonatais gerais e segundo óbitos evitáveis. Para a classificação de análise da evitabilidade dos óbitos neonatais foi adotada a lista brasileira de causas de morte evitável por ações do Sistema Único de Saúde (SUS) Segundo a lista as causas evitáveis estão distribuídas nos seguintes agrupamentos: 1) Reduzíveis por ações de imunoprevenção; 2) Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação; 3) Reduzíveis por adequada atenção no parto; 4) Reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido; 5) Reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento; 6) Reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde. As mortes por causas mal definidas e aquelas por causas não claramente evitáveis foram excluídas da análise(19),(20).

Os dados foram extraídos e organizados em planilhas do Excel. Para realizar o cálculo da TMN, foi calculado o quociente entre o número de óbitos de 0 a 27 dias completos, por local de residência e o número de nascidos vivos de mães residentes, multiplicado por 1.000. Foram calculadas as taxas de mortalidade neonatal no período e a cada ano do Brasil e das regiões geográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assim como, segundo as causas evitáveis no Brasil no total dos 5 anos e a cada ano.

Para realizar as análises das tendências utilizou-se o método de regressão linear de Prais-Winsten que corrige a autocorrelação serial que geralmente acontece com dados populacionais, como as séries temporais em epidemiologia. Para realizar o método de regressão em tela, as TMN foram transformadas para a escala logarítmica, afim de diminuir a heterogeneidade da variância dos resíduos oriundos da análise de séries temporais(18). Adotou-se como valor crítico na determinação de significância da tendência o p = 0,05.

Os resultados da regressão foram interpretados e classificados da seguinte forma: tendência linear crescente quando o valor de p foi menor que 0,05 e o coeficiente angular (beta) b1 era positivo; tendência linear decrescente quando o valor de p foi menor que 0,05 e o coeficiente angular (beta) b1 era negativo; tendência linear estacionária quando o valor de p foi maior que 0,05. Os dados foram processados utilizando o software R versão 4.0.0.

Por ser um estudo ecológico e, portanto, sem sujeitos, mas, agregados populacionais de análise, não foi necessária apreciação por um comitê de ética em pesquisas com seres humanos. Ademais, os dados são de domínio público e não contém informações sobre a identidade dos participantes ou outra informação sensível que possa violar o sigilo dos dados. Portanto, os preceitos da resolução nº 510 de 04/12/2016 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde do Brasil foram atendidos.

RESULTADOS

Durante o período de 2015 a 2019 foram registrados no Brasil 181.231 óbitos infantis, dos quais 70% (126.882) foram neonatais. Quase 75,0% dos óbitos neonatais ocorreram por causas evitáveis. De 2015 a 2019 houve redução das mortes neonatais evitáveis em 1,2% (tabela 1).

Tabela 1. Distribuição óbitos infantis e neonatais segundo ano do óbito. Brasil, 2015 a 2019. 

Fonte: elaborado pelos autores com base nos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), 2022.

A taxa média de óbitos no período foi de 8,69 óbitos para cada mil nascidos vivos. De forma geral houve diminuição na taxa de mortalidade neonatal no Brasil endenc de 8,7/1.000 em 2015 para 8,6/1.000 nascidos vivos em 2019, correspondendo a uma diminuição de 0,18% (tabela 2).

Tabela 2. Distribuição da taxa e endencia de mortalidade neonatal para cada 1.000 nascidos vivos entre regiões, Brasil, 2015 a 2019. 

Fonte: elaborado pelos autores com base nos dados extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade e do Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (SIM, SINASC/MS), 2022.

Houve declínio nas taxas de mortalidade neonatal na região Nordeste endenc de 10,1 óbitos para cada mil nascidos vivos em 2015, para 9,6 em 2019 e na região Centro - Oeste onde a taxa de mortalidade reduziu de 8,72 óbitos para 8,25 para cada mil nascidos vivos no mesmo período. Por outro lado, as regiões Norte, Sudeste e Sul mantiveram-se com taxas estacionárias de mortalidade entre os anos de 2015 a 2019 (tabela 2).

Quanto aos óbitos por causa evitáveis, houve predomínio daqueles que podem ser diminuídos por ações no contexto de atenção à mulher na gestação (49,0%), seguidos dos óbitos que podem ser evitados por ações adequadas na atenção ao recém-nascido (30,7%). Todas as causas evitáveis apresentaram redução entre 2015 e 2019, com destaque para aquelas reduzíveis por ações de diagnóstico e tratamento adequado que apresentou um decréscimo de 26,7% (tabela 3).

Tabela 3. Distribuição dos óbitos neonatais segundo as causas evitáveis no Brasil. Brasil, 2015-2019. 

Fonte: elaborado pelos autores com base nos dados extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade e do Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (SIM, SINASC/MS), 2022.

Os óbitos evitáveis por ações relacionadas à atenção ao recém-nascido, diagnóstico e tratamento adequado e ações de promoção vinculadas às ações de atenção apresentaram tendência decrescente no período estudado (p<0,05) (tabela 4).

Tabela 4. Tendência temporal da taxa de mortalidade neonatal (por 1.000 nascidos vivos) segundo as causas evitáveis no Brasil. Brasil, 2015-2019. 

Fonte: elaborado pelos autores com base nos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), 2022.

DISCUSSÃO

A mortalidade infantil (MI), que inclui as mortes neonatais, é considerada um dos melhores indicadores para medir a qualidade de vida, saúde e estado de bem-estar social de uma população, e apresenta um fenômeno indesejável em saúde pública, pois, são mortes prematuras e que na maioria dos países acontece por causas evitáveis(21).

O presente estudo revela que houve diminuição da taxa mortalidade neonatal por causas evitáveis no Brasil durante o período estudado. Especificamente as regiões Nordeste e Centro-Oeste foram responsáveis pela redução de aproximadamente 1,2% da mortalidade neonatal evitável no país. Por outro lado, as regiões Norte, Sudeste e Sul se mantiveram com taxas estacionárias, fato que precisa ser analisado com cautela, visto que o esperado era uma TMN com tendência decrescente em todas as regiões. Todavia, esse panorama revela que o Brasil vem alcançando valores bem abaixo ao esperado conforme preconiza a meta estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que espera reduzir até o ano de 2030 a taxa de mortalidade neonatal para menos de 12 óbitos para cada mil nascidos vivos em todo o mundo(16),(17).

Diversas políticas públicas foram implementadas nos últimos anos com intuito de reduzir a mortalidade neonatal no Brasil, tais como, a ampliação da Estratégias de Saúde da Família (ESF), o programa Rede Cegonha, o programa bolsa família que foram fundamentais para impactar a saúde de mães e crianças por meio do acesso à renda, educação e aos serviços de saúde. As ações proporcionadas no âmbito dessas políticas contribuíram para que as mulheres e sociedade como um todo alcançassem um nível maior de conhecimentos sobre seus direitos sexuais e reprodutivos, além de uma reestruturação dos serviços de atenção à saúde materna e infantil(22) (23) (24).

A tendência de queda na TMN no país é corroborada por outros estudos que vêm fazendo a análise dessa série histórica ao longo dos últimos anos, apesar de que ainda são evidenciadas taxas de mortalidade neonatais altas, quando comparadas com outros países(15) (25) (26). Além disso, o presente estudo evidencia que os óbitos neonatais representam cerca de 70% de todos os óbitos infantis no período e destes, quase 75% ocorreram por causas evitáveis, ou seja, que poderiam ter sido evitados por uma atenção materno-infantil qualificada, principalmente aquelas voltadas para o cuidado pré-natal, cuidados na sala de parto e assistência ao recém-nascido em unidades neonatais(27).

Neste contexto é importante destacar o papel fundamental dos comitês de investigação da mortalidade infantil e fetal para a redução deste componente específico da MI que são os óbitos neonatais evitáveis, visto que este fenômeno é o objeto principal de trabalho destes comitês, que atuam diretamente na investigação destes óbitos, com o intuito de esclarecer as falhas que culminaram para o mesmo e, propor intervenções na perspectiva da evitabilidade(28).

Quanto a análise da TMN no período entre as regiões do país, o estudo evidencia uma maior taxa nas regiões norte (10,3/1.000) e nordeste (9,9/1.000), inclusive superando a TMN nacional no período (8,69/1.000), achado este confirmado por outros estudos que avaliaram a série temporal dos óbitos neonatais no país(15) (25) (26). Estes achados confirmam as discrepâncias existentes entre as regiões do Brasil, fruto das desigualdades socioeconômicas e das dificuldades no acesso aos serviços de saúde, ainda muito acentuadas nas regiões norte e norte, apesar dos incentivos para a mitigação dessa problemática nos últimos anos(27),(29).

Apesar das demais regiões apresentarem taxas inferiores, inclusive em relação a TMN nacional, a análise mostrou que as regiões sul e sudeste estão com tendência estacionária, quando deveriam ter apresentado tendências decrescentes, visto a implementação das políticas públicas para a redução dessas taxas estarem sendo plenamente operacionalizadas nestas regiões(25),(27).

No que diz respeito às mortes neonatais segundo causas evitáveis, apesar de todas as causas terem apresentado redução no período analisado, as causas evitáveis por adequada atenção durante a gestação prevalecem (49,0%) sobre as demais causas e apresentaram tendência estacionária. Estes achados são corroborados por outros estudos a respeito da temática, entretanto, em estudo de análise da série histórica até 2017 considerando um período de 10 anos, constatou tendência crescente segunda a causa evitável em tela(15) (25) (26).

O início oportuno e a oferta de um cuidado pré-natal adequado são fatores primordiais para a redução das taxas de morbimortalidade materna e perinatal, uma vez que durante a gestação é possível realizar a identificação de fatores de risco que podem levar a desfechos obstétricos desfavoráveis e com isso realizar a prevenção e/ou tratamento adequado para mitigar tais desfechos(13) (27) (30).

Um estudo de amplitude nacional(31) que avaliou a qualidade da atenção pré-natal nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) evidenciou baixa adequação de infraestrutura, cuidado e gestão para a operacionalização da atenção pré-natal no país, sendo os percentuais de adequação inferiores a 50% em todas as regiões, tendo a região norte apresentado o mais baixo percentual de adequação. Além disso, outro estudo(32) realizado em 2014 identificou que a inadequação da atenção básica para a prestação da assistência pré-natal estava relacionada com 40% dos óbitos infantis e neonatais evitáveis no Brasil.

Os óbitos neonatais evitáveis por adequada atenção ao neonato corresponderam a 30,7% do total com tendência decrescente e os óbitos evitáveis por adequada atenção ao parto representaram 18,1% dos óbitos no período, com tendência estacionária. Estudos que analisaram a série histórica da temática em tela, segundo regiões do país, também encontraram resultados semelhantes aos evidenciados neste estudo(15),(25).

Um estudo de revisão sistemática com metanálise de estudos observacionais para identificar os principais fatores de risco associados aos óbitos neonatais identificou que os fatores ligados ao parto, estrutura e gestão da assistência obstétrica, os cuidados ao recém-nascido são planejados e executados de maneira incipiente e podem determinar aumento dos desfechos neonatais indesejados, como a morbimortalidade entre essa população(27).

Apesar de ainda representarem elevado percentual das causas de óbitos neonatais evitáveis as ações ligadas a atenção ao parto e nascimento tem sido alvo das ações institucionais nos últimos anos, especialmente a partir de 2011 com a implementação do programa Rede Cegonha que visou fundamentalmente a pactuação de ações para estruturação dos locais para o atendimento obstétrico, capacitação dos profissionais para o cuidado, com vistas a redução da mortalidade materna e neonatal. Estas ações contribuíram para a redução da mortalidade por essas causas ao longo do tempo, conforme demonstrado neste estudo(1) (6) (24).

Ademais, a TMN decrescente, segundo óbito evitável por adequada atenção ao recém-nascido, pode ser considerada como resultado da ampliação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) no país, principalmente nas regiões com maior déficit, incorporação de novas tecnologias de cuidado em UTIN, capacitação dos profissionais à luz das evidências científicas. Estas ações permitiram o aprimoramento do cuidado neonatal e a evitabilidade do óbito neonatal, principalmente nas primeiras horas após o nascimento(1) (2) (4) (27).

As taxas de mortalidade neonatal pelas demais causas evitáveis compuseram uma frequência menor no presente estudo e todas apresentaram tendência decrescente, bem possível graças aos programas afetos à saúde da criança, expansão da ESF e imunização que são consolidados no país e que contribuíram para a redução observada em tela(23),(27).

Uma das principais limitações deste estudo foi o fato de não ter sido possível a extração, pela indisponibilidade no sistema do MS, dos dados maternos e neonatais como: idade materna, escolaridade da mãe, idade gestacional, tipo de parto, peso ao nascer, que são considerados fatores importantes para a avaliação das taxas de mortalidade neonatais(27).

A TMN é multideterminada e os fatores associadas a mesma vão além do setor saúde, perpassando por questões socioeconômicas, escolaridade da população, empoderamento da população feminina e questões culturais. Dessa forma, as ações para seu enfrentamento também devem acontecer a partir de ações intersetoriais e coordenadas(24),(27).

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo revelaram que houve decréscimo na taxa de mortalidade neonatal no Brasil, de 2015 a 2019, apesar do país ainda apresentar taxas consideradas altas, frente às inúmeras políticas públicas e programas voltados para a qualificação do cuidado materno e infantil, e que têm sido implantadas e implementadas no país nas últimas décadas.

Já com relação à análise de tendência temporal, o país apresentou TMN decrescente no período analisado. Por outro lado, nas macrorregiões geográficas, houve decréscimo apenas nas regiões nordeste e centro-oeste, com tendência estacionária nas demais regiões, o que permite dissertar sobre a necessidade de qualificação das políticas relacionadas à saúde de mães e crianças nas regiões afetas.

No que concerne à análise das mortes segundo causas evitáveis, àquelas que podem ser reduzidas por adequada atenção à gestação, parto e ao recém-nascido foram as de maior proporção respectivamente. Na análise de tendência as mortes neonatais reduzíveis por adequada atenção à gestação apresentaram-se no estatus estacionário. As mortes que podem ser evitadas por adequada atenção no parto e ao neonato, apresentaram-se decrescentes. Todavia, estes achados refletem a baixa qualidade da atenção ao pré-natal no Brasil já aferidas em estudos de larga escala, e revelam a necessidade urgente de qualificar gestores e trabalhadores para o cuidado adequado às gestantes na Atenção Primária à Saúde.

Por fim, os dados analisados nesta pesquisa, oriundos do SIM e SINASC, ambos de pertencentes ao Ministério da Saúde, podem fornecer subsídios para a análise da situação de saúde sobre a mortalidade neonatal no Brasil e por regiões, segundo as causas evitáveis, e assim, qualificar o processo de análise das políticas implementadas no âmbito da saúde materno-infantil, possibilitando a redefinição das ações quando necessária.

REFERENCIAS

1. Pinheiro LC, Machado TB, Silva SAS, Melo AL, Sena RPS, Felix RO, et al. Produção científica acerca da mortalidade neonatal na primeira semana de vida. REAS. 2020;12(12): e4900. Doi: 10.12957/reuerj.2015.5794. [ Links ]

2. Paulista MC, Azevedo LS, Melo EC, Oliveira RR. Prevalência e causas da mortalidade neonatal no Brasil. R Pesq Cuid Fundam. 2022;14:e11615. Doi: 10.9789/2175-5361. [ Links ]

3. Mulu GB, Gebremichael B, Desta KW, Kebede MA, Aynalem YA, Getahun MB. Determinants of Low Birth Weight Among Newborns Delivered in Public Hospitals in Addis Ababa, Ethiopia: Case-Control Study. Pediatr Heal Med Ther. 2020; 11:119-26. Doi: 10.2147/phmt.s246008. [ Links ]

4. Oliveira EAR, Lima CSO, Cirino IP, Vera PVS, Lima LHO, Conde WL. Mortalidade neonatal: causas e fatores associados. Saúde em Redes. 2020;(6)3: 113-117. Doi: 10.1016/j.bpobgyn.2016.06.002. [ Links ]

5. Silva EMP, Sanchez METL, Ferreira ALC, Lucena KNC, Oliveira KRV, Santos AAP. Impacto da implantação da Rede Cegonha nos óbitos neonatais. Rev Enferm UFPE On Line 2019; 13(5):1317-1326. Doi: 10.5205/1981-8963-v13i5. [ Links ]

6. França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença. Rev. bras. epidemiol. 2017;20(Supl.1):46-60. Doi: 10.1590/1980-5497201700050005. [ Links ]

7. Kropiwiec MV, Franco SC, Amaral AR. Fatores associados à Mortalidade Infantil em município com índice de desenvolvimento humano elevado. Rev Paul Pediatr. 2017; 35 (4):391-8. Doi: 10.1590/1984-0462. [ Links ]

8. Liu L, Oza S, Hogan D, Chu Y, Perin J, Zhu J, et al. Global, regional, and national causes of under-5 mortality in 2000-15: an updated systematic analysis with implications for the Sustainable Development Goals. Lancet. 2016; 388:3027-35. Doi: 10.1016/s0140-6736(16)31593-8 [ Links ]

9. Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Levels and Trends in the level of child mortality [Internet]. UNICEF; 2019 [acessado em 15 fev. 2022]. Disponível em: https://www.unicef.org/reports/levels-and-trends-child-mortality-report-2019. [ Links ]

10. World Health Organization (WHO). Neonatal Mortality Rate. 2019. [acessado 2022 Fev 15]. Disponível em: https://childmortality.org/?r=site/graph&ID=BRA_Brazil,2019. [ Links ]

11. Roma JC. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos de desenvolvimento sustentável. Cienc. Cult. 2019; 71(1): 33-39. Doi: 10.21800/2317-66602019000100011. [ Links ]

12. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377(9779):1778-97. Doi: 10.1016/s0140-6736(11)60054-8. [ Links ]

13. Migoto MT, Oliveira RP, Silva AMR, Freire MHS. Mortalidade neonatal precoce e fatores de risco: estudo caso-controle no Paraná. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2675-83. Doi: 10.1590/0034-7167-2016-0586. [ Links ]

14. Medeiros VAB, Bezerra INS, Mota LM, Monteiro FS. Perfil da mortalidade neonatal em Alagoas no período de 2008 a 2017. Rev Cienc Plural. 2019; 5(2):16-31. Doi: 10.21680/2446-7286.2019v5n2ID16212. [ Links ]

15. Bernardino FBS, Gonc¸alves TM, Pereira TID, Xavier JS, Freitas BHBM, Gaíva MAM. Tendência da mortalidade neonatal no Brasil de 2007 a 2017. Ciência & Saúde Coletiva. 2022; 27(2):567-578. Doi: 10.1590/1413-81232022272.41192020. [ Links ]

16. Brasil. Ministério da Saúde. O Brasil e os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio [Internet]. 2018. [acesso 15 fevereiro 2022]; 1-4. Disponível em: http://www.odmbrasil.gov.br/o-brasil-eosodm. [ Links ]

17. Hug L, Alexander M, You D, Alkema L. National, regional, and global levels and trends in neonatal mortality between 1990 and 2017, with scenario-based projections to 2030: a systematic analysis. Lancet Glob Health. 2019;7(6):e710-20. Doi: 10.1016/s2214-109x(19)30163-9. [ Links ]

18. Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(3):565-76. Doi: 10.5123/S1679-49742015000300024. [ Links ]

19. Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL et al. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010; 19(2):173-6. Doi: 10.5123/S1679-49742010000200010. [ Links ]

20. Adamski K, Silva TG, Pereira PPS, Farias ES, Cantarelli KJ, Mendes VA. Mortalidade infantil por causas evitáveis em macrorregião de saúde: série temporal 2007 a 2020. REAS. 2022;(15)8:e10545. Doi: 10.25248/reas.e10545.2022. [ Links ]

21. Moura BLA, Alencar GP, Silva ZP, Almeida MF. Fatores associados à internação e à mortalidade neonatal em uma coorte de recém-nascidos do Sistema Único de Saúde, no município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2017; 23: e200088. Doi: 10.1590/1980-549720200088. [ Links ]

22. Dourado I, Medina MG, Aquino R. The effect of the Family Health Strategy on usual source of care in Brazil: Data from the 2013 National Health Survey (PNS 2013). Int J Equity Health. 2016 ; 15 (1): 151. Doi: 10.1186/s12939-016-0440-7. [ Links ]

23. Leal MDC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F et al. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018; 23(6): 1915-28. Doi: 10.1590/1413-81232018236.03942018. [ Links ]

24. Silva ESA, Paes NA. Bolsa família programme and the reduction of child mortality in the municipalities of the Brazilian semiarid region. Ciênc Saúde Coletiva. 2019; 24 (2):623-30. Doi: 10.1590/1413-81232018242.04782017. [ Links ]

25. Prezotto KH, Oliveira RR, Pelloso SM, Fernandes CAM. Trend of preventable neonatal mortality in the States of Brazil. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2021; 21 (1): 301-309. Doi: 10.1590/1806-93042021000100015. [ Links ]

26. Kale PL, Fonseca SC, Oliveira PWM, Brito AS. Fetal and infant mortality trends according to the availability of causes of death and maternal education. Rev Bras Epidemiol 2021; 21(suppl 1): e180008. Doi: 10.1590/1980-549720210008. [ Links ]

27. Veloso FC, Kassar LM, Oliveira MJ, Lima TH, Bueno NB, Gurgel RQ, et al. Analysis of neonatal mortality risk factors in Brazil: a systematic review and meta-analysis of observational studies. J Pediatr (Rio J). 2019; 95:519-30. Doi: 10.1016/j.jped.2018.12.014. [ Links ]

28. Ruoff AB, Andrade SR, Schmitt MD. Atividades desenvolvidas pelos comitês de prevenção do óbito infantil e fetal: revisão integrativa. Rev Gaúcha Enferm. 2017; 38(1): e67342. Doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.67342. [ Links ]

29. Albuquerque MV, Viana ALA, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Cien Saude Colet 2017 ; 22(4):1055-1064. Doi: 10.1590/1413-81232017224.26862016. [ Links ]

30. Medeiros VAB, Bezerra INS, Mota LM, Monteiro FS. Perfil da mortalidade neonatal em Alagoas no período de 2008 a 2017. Rev Cienc Plural. 2019; 5(2):16-31. Doi: 10.21680/2446-7286.2019v5n2id16212. [ Links ]

31. Guimaraes WSG, Parente RCP, Guimaraes TLF, Garnelo L. Acesso e qualidade da atenção pré-natal na Estratégia Saúde da Família: infraestrutura, cuidado e gestão. Cad Saúde Pública. 2018; 34 (5): e00110417. Doi: 10.1590/0102-311x00110417. [ Links ]

32. Tomasi E, Fernandes PAA, Fischer T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E et al. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saúde Pública. 2017; 33 (3): e00195815. Doi: 10.1590/0102-311x00195815. [ Links ]

Recebido: 25 de Janeiro de 2023; Aceito: 18 de Abril de 2023

Creative Commons License Este es un artículo publicado en acceso abierto bajo una licencia Creative Commons