Senhor Diretor:
O aumento de fármacos disponíveis aumenta a probabilidade de ocorrência de interações medicamentosas, já que a administração simultânea de dois ou mais medicamentos a um mesmo paciente se tornou uma prática comum1. A incidência desde fenómeno tende a aumentar proporcionalmente em relação ao número de fármacos prescritos2. A maioria dos estudos efetuados sobre IMs decorreu em ambiente hospitalar, havendo até à data pouca investigação no contexto da comunidade. Este estudo procurou uma imagem da realidade em termos de IMs potenciais num segmento específico da população, doentes com dislipidémia e/ou diabetes, em contexto comunitário realizando um estudo observacional transversal3, com recurso a 101 prescrições de utentes de farmácias do distrito do Porto. As prescrições de interesse foram analisadas recorrendo à base de dados Micromedex Healthcare Systems®.
A média de idades dos utentes foi 67,6 anos, com um desvio padrão de 8,86. A prevalência de interações medicamentosas nos idosos, vítimas muitas vezes da tríade iatrogénica: a polifarmácia, medicamentos potencialmente inadequados e interações medicamentosas, está documentada em Novaes et al. 20171.
Atendendo ao efeito no estado de saúde geral do doente as IMs agrupam-se em “major”, se provocam risco de morte e/ou requererem intervenção médica urgente para minimizar efeitos adversos graves; “moderadas” quando resultam em exacerbação das condições clínicas do paciente e/ou requererem troca de terapia, não requerendo, no entanto, tratamento adicional e “minor”, se possuem efeitos clínicos limitados, como aumento da frequência ou severidade dos efeitos colaterais, não requerendo alterações da terapia4.
O risco de IMs surge em cinquenta das 101 prescrições analisadas, detetando-se em mais de um quarto risco de IMs major. Ao risco elevado que as IMs major podem acarretar em termos de saúde acresce que em 18 prescrições existe risco simultâneo de interações major e moderadas. O número de IMs major por prescrição não excedeu as 2, já o número de moderadas atingiu até 6 interações por prescrição.
Há grupos de medicamentos de uso generalizado envolvidos em múltiplas IMs (Tabela 1) nomeadamente: ácido acetilsalicílico; anti diabéticos orais, bloqueadores beta, diuréticos; inibidores da enzima de conversão da angiotensina e a insulina. De destacar que o ácido acetilsalicílico além de ser um medicamento com elevado potencial para gerar interações medicamentosas, foi também o mais envolvido em IM major. Este elevado potencial também foi identificado nos trabalhos de Tavares, M. et al. e Formighieri, R.5,6. Em comum com esta investigação, o elevado potencial de interações entre o ácido acetilsalicílico e anti hipertensores como os bloqueadores beta, os inibidores da enzima de conversão da angiotensina II como o peridonpril, os diuréticos e anti diabéticos orais (furosemida, glibenclamida)5,6.
Também Rossi F. e colaboradores7 identificaram algumas IMs detetadas no presente estudo, designadamente ácido acetilsalicílico/insulina, ácido acetilsalicílico/furosemida e ácido acetilsalicílico/glibenclamida.
Outro medicamento muito envolvido em IMs potenciais foi a metformina, que é o medicamento de primeira linha --salvo contra indicações- para a diabetes mellitus tipo 2. Este medicamento também figura em múltiplas interações potenciais, descritas por Formighieri (2008); salienta-se, por exemplo, enalapril/metformina6, em comum com esta investigação.
Verificou-se que existia um grande potencial de interação entre a metformina e outros anti diabéticos orais cujos efeitos adversos incluem hipoglicémia. Este dado é particularmente preocupante, pois já existem opções terapêuticas seguras e comummente identificadas em diversas guidelines, que minimizam o risco de hipoglicémia. Também foi encontrado um grande potencial de interações entre anti diabéticos orais e anti hipertensores. Sendo a hipertensão uma doença frequente em pacientes diabéticos, estes tornam-se, assim, potenciais alvos das interações supracitadas.
Os anti-dislipidémicos apresentaram elevado potencial de interações entre si, nomeadamente as estatinas e os fibratos8. Todavia, é de considerar que em alguns pacientes com dislipidémias graves, a combinação estatinas+fibratos, pode resultar em benefício em virtude da redução do colesterol LDL (ação na qual as estatinas são mais efetivas) e aumento do colesterol HDL (ação na qual os fibratos são mais efetivos).
O clopidogrel, fármaco anti plaquetário apresentou potencial de interação farmacocinética moderada com as estatinas, uma vez que o uso concomitante de clopidogrel e estatinas, que são metabolizadas pela CYP34A, pode resultar numa formação reduzida do metabolito ativo, com consequente elevada reatividade plaquetar, ou seja, pode ocorrer redução da eficácia do clopidogrel.
Das 116 interações potenciais detetadas, 34 correspondem a IMs major. Os riscos associados às interações major detetadas no presente estudo incluem situações potencialmente fatais que carecem de intervenção médica urgente, dado o elevado risco associado. Destaque para o bloqueio cardíaco (amlodipina/digoxina); rabdomiólise e miopatia (fenofibrato/rosuvastatina e amlodipina/sinvastatina); retenção de fluídos e insuficiência cardíaca (insulina/pioglitazona) e reduzida ação anti-plaquetária do clopidogrel (clopidogrel/ esomeprazol), com comprometimento da terapia anti-trombótica dos pacientes que tomam este medicamento e aumento do risco de experienciar eventos agudos relacionados com fenómenos pró-trombóticos, como o enfarte agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral.
A IM entre ácido acetilsalicílico e furosemida, major, é apontada como uma das causas de internamento hospitalar por Varallo e colaboradores7. Segundo estes autores, entre os pacientes envolvidos no estudo, um em cada dez deverá o seu internamento a sinais e sintomas relacionados com interações medicamentosas7.
Os resultados obtidos indicaram que o problema das IMs potenciais é grave e prevalente, principalmente em pessoas polimedicadas e/ou idosas. Urge encontrar soluções, substituindo os medicamentos que gerem potenciais IMs major, aumentando a segurança dos utentes e melhorar a saúde pública.
O papel do profissional de Farmácia é fundamental para identificar as reações adversas e contribuir para a segurança do utente. Programas de reconciliação da terapêutica e de seguimento farmacoterapêutico revelam-se cada vez mais necessários e a sua implementação deve ser mais alargada, de forma a rentabilizar o papel dos profissionais de Farmácia na equipa multidisciplinar e a promover uma melhor segurança dos utentes.